Kremlin tenta conseguir investimento estrangeiro com a “Davos russa”

Kremlin tenta conseguir investimento estrangeiro com a “Davos russa”


“Os investidores estrangeiros não são só dos EUA e UE”, lembrou o Kremlin. Mas a guerra está para durar, a relação com a China já teve melhores dias e a Índia tenta depender menos de armamento russo.


O Kremlin, apertado pelas sanções ocidentais devido à invasão da Ucrânia, tenta obter investimento internacional apostando no Fórum Económico de São Petersburgo, uma espécie de “Davos russo”, que começou na quarta-feira e durará até sábado. Afinal, Vladimir Putin, que discursará na sexta-feira, precisa de financiar a sua guerra. E tudo indica que terá que o fazer por bastante tempo, com a ofensiva russa no Donbass a conseguir lentos avanços, tendo as forças ucranianas na fábrica de químicos de Azot, um dos seus últimos redutos em Severodonetsk, recusando o ultimato do Kremlin para se render até esta quarta-feira. 

Se não há fim à vista para esta guerra, com as negociações paradas e ambos os lados convencidos que ainda podem conseguir avanços no campo de batalha, para as sanções também não. “As sanções são para o longo prazo. As globalização como a conhecíamos acabou”, considerou Andrey Kostin, diretor-executivo do VTB, o segundo maior banco da Rússia, que foi sancionado pelo Ocidente, em entrevista ao jornal diário russo RBC.

Contudo, “os investidores estrangeiros não são só dos Estados Unidos e da União Europeia”, realçou Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, citado pela Reuters, quando questionado sobre a expectável ausência de boa parte dos titãs da finança mundial no Fórum Económico de São Petersburgo. E apontando para os parceiros no Médio Oriente e Ásia como alternativa. 

É bem sabido como a China tem tido um papel crucial ao ajudar Putin a contornar as sanções. Ainda que as relações entre Moscovo e Pequim, que está bastante desapontado com a prestação russa na guerra na Ucrânia, estejam cada vez mais “tensas”, avançaram fontes chinesas do Washington Post. O regime de Xi Jinping tem recusado sucessivos apelos do Kremlin a maior cooperação comercial, optando por oferecer gestos diplomáticos ou exercícios militares conjuntos. Evitando áreas sensíveis como a exportação de semicondutores, um componente essencial para eletrónica moderna, não fossem os EUA retaliar deixando de os vender à China. 

Ao mesmo tempo, tanto a China como a Índia tornam-se cada vez mais mercados vitais para a indústria energética russa, aproveitando para comprar. Só a Índia já comprou quase 60 milhões de crude russo em 2022, aproveitando que desde o início da invasão da Ucrânia tem estado em saldos.

Esta quarta-feira até ficámos a saber que em maio a Rússia lucrou o equivalente a quase vinte mil milhões de euros com as suas exportações de petróleo, anunciou a Agência Internacional da Energia, trazendo essas receitas de volta aos níveis pré-invasão. Apesar de países como os Estados Unidos terem proibido a compra de petróleo russo, e dos europeus se terem comprometido a reduzir as suas importações, os descontos que a indústria energética russa que foi obrigada a fazer para atrair compradores alternativo – chegaram aos 30% – foram contrabalançados por subidas significativas no preço do barril.

Já no que toca à indústria do armamento, a Índia – o maior importador de armas do planeta, dado ter pouca produção própria e enormes receios de confrontos fronteiriços com a China e o Paquistão – continua a depender muito do Kremlin. No entanto, se o Ocidente continua a não conseguir competir com os preços oferecidos por Moscovo, a fraca prestação das suas forças armadas tem feito Nova Deli pensar duas vezes se o armamento russo é tão confiável quanto vendem.

Para um país onde quase 100% dos veículos blindados do exército vieram da Rússia, segundo o Economist, as imagens de tantos tanques russos destruídos na estrada para Kiev não podia ser mais preocupante. Acelerando uma tendência que já vinha de trás, com a Índia a comprar cada vez mais armamento a França e Israel.

Guerra e destruição Apesar de se estar a mostrar surpreendentemente menos eficaz que seria de esperar, isso não significa que máquina de guerra russa não seja mortífera. Todo o seu peso está sobre Severodonetsk e teme-se que recaia sobre os cerca de 500 civis, incluindo umas 40 crianças, que se pensa estarem em Azot. 

Os paralelos com o dramático cerco à metalúrgica de Azovstal, que foi o último reduto ucraniano em Mariupol, são óbvios. Mais uma vez, o Kremlin exige que um eventual corredor humanitário leve os civis necessariamente para território sob controlo, algo recusado por Kiev. No entanto, desta vez os civis não só arriscam estar sob bombardeamento, como o horror de o enfrentar presos numa fábrica de amoníaco, com todos os riscos que isso acarreta. 

No mesmo dia em que o ultimato russo foi recusado, o Governo ucraniano reforçou os seus apelos pelo envio de mais armamento vindo da NATO, estando os ministros da Defesa dos seus Estados-membros reunido em Bruxelas. “Bruxelas, estamos à espera de uma decisão”, escreveu Mykhailo Podolyak, um conselheiro de Volodymyr Zelenskiy no Twitter.

“Não importa quanto a Ucrânia tente, não importa quão profissional o nosso exército é, sem a ajuda de parceiros ocidentais não vamos conseguir ganhar esta guerra”, notou a vice-ministra da Defesa ucraniana, Anna Malyar, citada pelo Guardian. Algo ainda mais urgente dadas as ameaças de Dmitri Medvedev, de que a Ucrânia inteira pode ser destruída. “Quem disse que a Ucrânia pode ainda estar nos mapas nos próximos dois anos?”, escreveu no Telegram este antigo Presidente russo, visto como um fantoche de Putin.