O mais certo é nunca ter ouvido falar sobre o “ponto do marido”. E se assim for, não imagina a confusão que evitou na sua cabeça, à procura de respostas para uma questão que é estritamente do foro da especialidade médica, neste caso da ginecologia-obstetrícia. Este “ponto” tem vindo a suscitar discussão na comunidade médica que debate entre si, instigada por elementos externos mais ativistas, se estamos perante uma violência obstétrica ou não.
Passo a explicar: o “ponto do marido” não é mais do que um procedimento cirúrgico para reconstituir a anatomia e fisiologia normal da mulher, após a ocorrência de corte ou rasgamento do períneo durante o parto. A polémica está instalada e alertou a curiosidade alheia devido à terminologia utilizada para descrever o procedimento. A palavra “marido” está a mais nesta designação, pouco clínica, e encanita as ativistas ultra feministas que não tardaram em procurar a origem do sentido da expressão, cujo primeiro registo data de 1885, e que pressupunha um ponto extra, para além dos necessários. Obviamente que, nos dias que correm, esta prática não se realiza da forma que alguns tendem a descrever, sugestionando que há um conluio entre obstetras e maridos, em desfavorecimento do bem-estar da parturiente. É uma falácia abusiva que, segundo a própria Ordem dos Médicos, no ano passado, em três anos de mandato, não haviam registado “nenhuma queixa no Colégio da Especialidade relacionada com qualquer intervenção relacionada com a correção de lacerações vaginais ou perineais, incluindo as episiotomias.”
Este assunto é matéria de interesse para partidos políticos como o PAN, que há cerca de um ano apresentou um projeto de resolução que determinasse a eliminação daquilo que adjetiva como práticas abusivas, onde está incluída a episiotomia de rotina, assumindo o papel de defensor das mulheres na luta pela erradicação das práticas obstétricas abusivas em Portugal. Um filão que vale muito tempo de antena na comunicação social e que pode iludir muitas mulheres ao sentirem que estão a ser representadas perante os abusos incessantes e inúmeros de que são alvo. Bastaria que ao PAN surgisse a ideia de alterar a designação do referido “ponto”. Não satisfeitos com tamanha irrelevância que pudesse não ser devidamente documentada mediaticamente, resolvem trazer para a agenda política um tema vazio, somente insuflado pelo desnorte que certas agendas partidárias revelam.
A razoabilidade de tais argumentos perde força e sustentabilidade quando consultamos alguns estudos sobre, por exemplo, a gravidez e o nascimento e constatamos que Portugal está entre os países europeus com maior taxa de cesarianas, episiotomias e indução do trabalho de parto (European Perinatal Health Report). Duas em cada três mulheres portuguesas têm os seus filhos por cesariana, apesar dos riscos associados a esta intervenção, seja para a mulher como para o bebé. Um recém-nascido que não passe pelo trabalho de parto tem maior probabilidade de ter problemas respiratórios, bem como, no futuro, tem maior propensão para o risco de diabetes, asma e obesidade. Mas parece que estas preocupações não são elegíveis para debate entre os nossos representantes no Parlamento, nem tampouco os números expressivos espicaçam a sua veia mais defensora da eliminação ou redução de certas práticas clínicas que têm consequências evidentes.
À medida que às mulheres vão sendo reconhecidos os devidos direitos que asseguram a igualdade entre homens e mulheres e que a sua voz mediática vai sendo amplificada, não deixo de sentir que tudo se complica para o nosso lado. Não porque na sua maioria as mulheres não saibam ou não sintam as suas reais fragilidades e apreensões, porque tenho a certeza que as conhecem e as sentem na pele, no seu dia a dia. Tudo se complica e fica mais confuso quando algumas em nome de todas convocam para a arena política temas que não aquecem, nem arrefecem as mulheres reais. E aqui, nas mulheres reais, englobo todas: as mães e as que não têm filhos; as que trabalham e as que não recebem remuneração pelo seu trabalho; as conservadoras e as liberais; as solteiras, as casadas, as divorciadas e as viúvas; as emigrantes e as imigrantes; e poderia continuar a catalogar a diversidade de mulheres que existem e que continuam a ser mulheres, não obstante as suas variadas diferenças.
Sinto que nos perdemos no caminho da dialética do que é ser mulher e nos direitos da mulher. Quanto à primeira, não tenho qualquer dúvida sobre o que é ser mulher, apesar de hoje em dia ser uma definição cada vez mais complexa e abstrata. Experimente perguntar no seu círculo de pessoas a definição de mulher… em poucos minutos compreenderá que a definição per se encalha em portas sem saída, resultado de soundbites que nos entram em casa pela televisão a toda a hora. A primeira questão a “pipocar” é se queremos uma definição biológica ou cultural. Que raio de pergunta é esta?