Depois das habituais ausências de decisão e de mais dois meses a adicionar ao tempo perdido por Portugal, foi anunciado com pompa um novo Governo que de novo tem pouco, seja nas pessoas, seja principalmente nas ideias. Trata-se de pessoas e de ideias bem conhecida pelas boas e pelas más razões, mas que na sua esmagadora maioria não trazem consigo propostas políticas alternativas e amadurecidas pela experiência; de contrário não aceitariam com naturalidade seguir as ideias já conhecidas do PS e a terem de mostrar a sua fidelidade durante quatro longos anos. Porque todos sabem que a fidelidade foi o critério principal da escolha feita pelo primeiro-ministro e não têm desculpa para dizer mais tarde que não sabiam.
Dito isto, é essencial recusar a lenda de que o PS, agora livre do PCP e do Bloco de Esquerda, vai seguir políticas muito diferentes das seguidas nos últimos seis anos. Por exemplo: reduzir o poder do PS sobre o Estado e deste sobre a sociedade; que o Governo vai agora combater a sério a corrupção; que realizará as tão faladas reformas, nomeadamente na economia, e deixará em segundo plano o mercado interno para promover as exportações; que vai libertar as empresas do jugo do Estado e reduzir os impostos; que vai combater a dualidade económica a favor do crescimento das médias e das grandes empresas, para melhorar a produtividade do conjunto da economia; que o ministro Pedro Nuno Santos pendurará a ideologia no bengaleiro da história e se arrependerá da nacionalização da TAP, de impor a bitola ibérica na ferrovia e passará a ter ideias claras sobre o porto de Sines, a linha circular do Metro em Lisboa e sobre o novo aeroporto; ou que o novo ministro da Economia conseguirá explicar com racionalidade a estratégia que pretende para Portugal, num debate minimamente aberto com os empresários.
António Costa não vai mudar, está contente com o seu sucesso e os governantes, velhos e novos deste Governo, estão tão contentes como o primeiro-ministro. Razão mais do que suficiente para não haver ilusões, Portugal vai perder mais quatro anos a juntar aos longuíssimos vinte anos que já perdeu em relação à generalidade dos outros países europeus. Não me enganei nas previsões feitas durante todos estes anos e não será agora que me vou enganar, ainda que me interrogue o que pode ter levado alguns dos novos governantes a acreditar que agora é que vai ser.
Um dos desastres anunciados é certamente o do Ministério das Finanças, governado agora, dizem, com maior experiência política, mas, certamente, com menor sabedoria económica e financeira e menor consciência sobre onde reside o interesse nacional. Recordo o exemplo, hoje irrepetível, do ministro Hernâni Lopes quando disse a Mário Soares que ele era livre de aumentar os salários dos funcionários públicos antes das eleições, mas não com ele no ministério. Há por aí alguém que pense que o mesmo poderá acontecer agora?
Um dos casos mais curiosos a seguir neste Governo reside no Ministério da Economia, cujas políticas serão determinantes para o futuro dos portugueses, mas também para vencer a crise no curto prazo. Como capital, teremos as cerca de cento e sessenta páginas escritas pelo novo ministro, com ideias para todos os gostos, mas longe de mostrar um rumo coerente para o País. De facto, são páginas que representam muitas leituras de revistas e de livros sobre ciência e sobre tecnologia, bastamente promovidas na comunicação social, mas longe da realidade económica, empresarial e política portuguesas. A minha curiosidade é enorme em ver como é que o ministro vai desembrulhar a sua ambição com os recursos financeiros do PRR noutro ministério e correndo o risco de matar de vez o que resta da economia portuguesa que, diga-se, desde o 25 de Abril só teve um ministro que verdadeiramente a compreendeu e a fez crescer.
Aparentemente, vamos ter quatro anos para falar e escrever sobre cada uma das políticas ministeriais e sobre as vitórias e as derrotas que enfrentaremos como povo. Provavelmente, é o que todos os cronistas e comentadores farão nos próximos tempos, certos de que não faltarão temas para tratar. Pela minha parte, agrada-me mais fazer previsões, sem deixar de fundamentar essas previsões em acontecimentos do passado recente e nos acontecimentos facilmente previsíveis do futuro, consciente de que inicio a tarefa sem grandes ilusões, o que já comporta uma primeira previsão.
As minhas previsões resultam ainda da convicção de que o regime político português está capturado pelos partidos políticos e não tem grandes condições de modernização e de adequação às necessidades do nosso tempo, devido à ausência de vitalidade democrática. A maioria absoluta obtida pelo PS nas últimas eleições tornará essa ausência de democracia e de transparência mais visíveis, porque a escolha dos deputados pelas oligarquias partidárias que está na origem dos governos, não representa um modelo democrático credível, mas uma correia de transmissão que perpetua os mesmos no poder para além de toda a razoabilidade. Aliás, tanto assim é que em Portugal o limite de anos no exercício do poder em muitos dos cargos políticos é determinado pela lei e não pelo voto dos portugueses, que aliás já estão habituados à pouca relevância do seu voto de quatro em quatro anos.
Esta coluna, que existe há já alguns anos, foi iniciada a partir da consciência de que uma verdadeira democracia precisa do voto livre do povo, mas também da escolha individual dos seus futuros representantes, escolha necessária para ser possível que os eleitores possam seguir o nível de seriedade e de compromisso individual dos eleitos. Sendo hoje claro que o voto nos partidos e não em pessoas concretas e responsabilizáveis perante os eleitores, permite que o país seja dirigido de forma pouco democrática e muito para além do prazo de validade das políticas.
No futuro espero poder continuar a demonstrar que as decisões deste Governo não correspondem às necessidade e às oportunidades abertas a Portugal, como já não corresponderam nos governos anteriores, como o empobrecimento dos portugueses relativamente aos outros povos europeus demonstra. Porque um regime verdadeiramente democrático, em que os cidadãos possam influenciar o poder político, como existe em toda a Europa, não existe em Portugal e essa é a razão principal porque muitos portugueses já não votam ou já não tentam sequer expressar a sua opinião, que sabem irrelevante para o poder político. A maioria absoluta agora conquistada pelo PS torna ainda menos relevante a vontade dos eleitores, ainda que seja previsível o recrudescimento das manifestações e das greves do PCP e da Intersindical.
A pandemia, a invasão da Ucrânia pelas tropas russas, o reforço da NATO, a crise energética e a enorme crise humana resultante da guerra e da migração de milhões de ucranianos para a Europa, constituirão, nos próximos tempos, boas desculpas do PS e do Governo para a sua incapacidade governativa e para o continuado empobrecimentos dos portugueses. Factos que tornarão Portugal cada vez mais dependente das decisões da União Europeia e até da Espanha, um facto importante a ter em conta.