Em abril do ano passado, o i publicava uma peça sobre NFTs, esse novo mundo que se tem vindo a desvendar nos últimos anos, e que tem resultado em transações milionárias. Os tokens não-fungíveis (NFTs, na sigla em inglês) são o coração desta nova forma de filantropismo e de apreciação de arte, resumindo-se à compra de conteúdos digitais que, estando ligados à tecnologia blockchain por trás da criptomoeda Ethereum, vêm acompanhados de um estilo de ‘certificado de propriedade’ digital único, dando ao seu comprador o privilégio de dizer que é dono, por exemplo, de um vídeo no YouTube, de um tweet, ou de uma peça de arte digital como um desenho ou uma canção.
O mundo dos NFTs cresceu exponencialmente nos últimos anos e, em 2021, precisamente na altura em que foi publicada a referida peça do i, o artista Beeple vendia a sua coleção Everydays: The First 5000 Days, numa venda mediada pela famosa casa de leilões Christie’s, por 69 milhões de dólares (cerca de 58 milhões de euros, ao câmbio de março de 2021).
Falava-se (e fala-se) numa nova forma de apoiar artistas, num novo mercado para os filantropos e num novo meio desligado das limitações do mundo físico, bem como dos mercados regulados, e a criatividade fluiu… mas agora, o interesse por este tipo de arte parece ter encontrado um obstáculo. Num momento em que os mercados mundiais oscilam e variam conforme as previsões e as especulações dos diferentes agentes relativamente à invasão russa da Ucrânia, o mundo dos NFTs não parece ter passado impune ao cetisimo dos investidores. Segundo dados da StockApps, uma conhecida aplicação móvel dedicada ao apoio a investidores na bolsa, o interesse global em NFTs caiu 68% nos últimos dois meses.
“Nos últimos anos, o mundo da blockchain tem sido marcado por várias ondas. Primeiro vieram as criptomoedas, depois o DEFi e, mais recentemente, os NFT e o metaverso. Enquanto muitas dessas ondas, como as criptos e DeFi, parecem ter resistido ao teste do tempo, o mesmo não pode ser dito sobre NFT e metaversos”.
Estas são as palavras da StockApps, que se serve dos dados recolhidos pela ferramenta Google Trends, que compila os termos mais procurados de um determinado período temporal, para revelar que o interesse no termo de pesquisa ‘NFT’ diminuiu cerca de 68% desde o início do ano, caindo a pontuação deste termo no ranking dos mais pesquisados nesse motor de busca de 100 em janeiro para 32 em 6 de março.
“Parece que os céticos da NFT, afinal, sabiam algo que o resto não sabia. Não é apenas o interesse que está a diminuir – as vendas de NFT também caíram. Embora isso seja esperado de qualquer nova tecnologia, neste momento não podemos ter certeza da direção que os NFT vão tomar”, disse Edith Reads, da StockApps, em comunicado.
ceticismo seguro O relatório da StockApps não fala, no entanto, em qualquer influência da guerra na Ucrânia no mercado internacional dos NFT, preferindo colocar o ónus do decréscimo do interesse nesta forma de arte num certo ‘ceticismo’ do mercado.
“Os céticos têm alertado que a ‘mania’ do NFT era apenas uma bolha, prestes a estourar… e dados recentes mostram que eles podem estar certos”, alerta a plataforma, recordando que, após as vendas e transações de NFTs terem aumentado paulatinamente nos meses seguintes à venda de Everydays: The First 5000 Days, de Beeple, o início de 2022 marcou também o ponto de partida do declínio do interesse por este formato de arte digital. “Agora, parece que a queda não vai abrandar no futuro próximo”.
Apesar do aparente decréscimo no interesse do mercado global em NFTs nos últimos meses, a realidade é que 2021 foi o verdadeiro ano do boom deste meio artístico. Aliás, segundo o relatório anual dedicado aos NFT elaborado pela NonFungible e pelo L’Atelier BNP Paribas, entre 2020 e 2021, o mercado destes conteúdos digitais cresceu mais de 21 mil por cento, registando-se 17,6 mil milhões de dólares (cerca de 16 mil milhões de euros) em vendas. Dois anos antes, o total ficava-se pelos 82 milhões de dólares (74 milhões de euros).
mas afinal, o que são NFT? Em Portugal, o mundo dos NFTs continua, ainda, a ser considerado algo underground, pouco conhecido nos meios comuns, mostrando-se ainda como um nicho para investidores e amantes de arte que procuram variedade nos seus portefólios, e que acreditam que o futuro está em investir neste modelo de negócio. Lisboa foi, no entanto, palco do primeiro festival europeu de criptoarte, em maio de 2021.
A arte digital ligada a NFTs não tem qualquer formato físico, não é palpável nem pode ser pendurado na parede. Um NFT pode ser um tweet, como pode ser um vídeo no YouTube, uma publicação no Instagram ou um desenho de um ‘macaco aborrecido’ – é verdade, uma das coleções mais conhecidas – e valiosas – no mundo dos NFTs chama-se Bored Ape Yacht Club (algo como ‘Clube de Iates do Macaco Aborrecido’), uma série de caricaturas de símios que imitam seres com um ar um tanto… lá está, ‘aborrecido’.
Mas desengane-se quem pensa que estas obras são meras diversões de um artista com muito tempo livre: a 31 de janeiro deste ano, um dos colecionáveis deste exclusivo clube foi vendido por um total de 1,080.69 Ethereum, o que, na altura, se traduziu em 2,5 milhões de euros. E mais, à hora de fecho desta edição, a mais barata obra desta coleção tinha uma etiqueta de preço avaliada em cerca de 200 mil euros.
A curiosidade e os milhões de dólares envolvidos chamaram várias celebridades para o mundo dos NFTs: desde a atriz Lindsey Lohan até Neymar Jr., futebolista brasileiro que joga com as cores do PSG, e que, em janeiro deste ano, adquiriu um NFT da coleção Bored Ape Yacht Club por cerca de um milhão de euros.