Apoiantes de Putin geram caos nas redes sociais. “Quero juntar-me aos soldados russos”

Apoiantes de Putin geram caos nas redes sociais. “Quero juntar-me aos soldados russos”


“Quero ajudar Putin porque os monstros todos estão a juntar-se contra ele” é apenas um dos muitos comentários que podemos encontrar nos grupos do Facebook em que apoiantes da invasão da Ucrânia defendem as suas convicções perante aqueles que a condenam.


Ao 18.º dia de guerra na Ucrânia, e com as tropas russas a apertar o cerco a Kiev, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia reafirmou que o Governo de Zelensky nunca se renderá, mas está disposto a negociar o fim da guerra. França, porém – tendo em conta que Macron tem assumido um papel fundamental na tentativa de comunicação com Putin – considera que o Presidente russo não tem qualquer vontade de avançar com um cessar-fogo. Quase vinte dias após a invasão da Ucrânia pela Rússia, as posições tornam-se cada vez mais extremadas tanto presencial quanto virtualmente.

É exatamente isto que acontece nos grupos do Facebook em que dezenas de pessoas, das mais variadas nacionalidades, admitem estar do lado de Moscovo. E, mais do que isso: chegam mesmo a assumir que darão o corpo às balas e, se necessário for, juntar-se ao exército russo. O medo é relegado para segundo plano.

Tayla Gaing Sandile, um sul-africano que tem marcado presença no grupo “RUSSIA UKRAINE WAR LIVE UPDATE”, é dos que já manifestaram o seu apoio incondicional: “Sou da África do Sul. Amo a Rússia, desejo que o idioma russo seja uma língua oficial. Gosto muito do presidente Vladimir Putin. Deus abençoe o senhor Putin e que tenha muitos mais anos pela frente”, escreveu, no passado dia 6 de março, obtendo variadas respostas.

A título de exemplo, Paulo Damien, que supostamente vive em Madagáscar, comentou “Muito respeito por Putin”, enquanto Zakariyya Al Mangawi, da Nigéria, redigiu “Amém. Estamos juntos”. A seu lado, Fasani Damiano, do Malawi, esclareceu: “A Rússia é grande. Penso que um dia viajarei até lá, é o meu país favorito”. Há apenas três dias, Tayla voltou a dar um ar de sua graça: “Sou da África do Sul. Quero juntar-me aos soldados russos”.

O estranho apoio dos sul-africanos Até à hora de fecho desta edição, a publicação já havia obtido 448 comentários e 156 reações. Podemos destacar alguns. Como este: “Pare de brincar. Isso é muito triste. As pessoas estão a morrer, as crianças estão a chorar, as pessoas perderam as suas casas. Tudo por causa da guerra. Oremos pela paz: é aquilo que precisamos de fazer para que Deus abençoe com paz a Ucrânia”, indicou Pa Sowe. Olena Khomeniuk mostrava uma postura idêntica: “É doloroso ler essa afirmação… Especialmente de alguém que eu consideraria um lutador pelos direitos humanos e pela liberdade”.

De facto, é curioso entender que observações como aquelas que foram anteriormente mencionadas ou “Sou da Nigéria, quero lutar. É o fim da Ucrânia” e “Quero ajudar Putin porque os monstros todos estão a juntar-se contra ele” terão sido publicadas, maioritariamente, por utilizadores de origem africana. Principalmente, da África do Sul, algo que causa estranheza, na medida em que estamos a falar de um país que, durante anos, viveu mergulhado num regime de segregação racial.

“Nós, o povo da África do Sul, reconhecemos as injustiças do nosso passado” é o início do texto classificado pela maioria como a verdadeira “certidão de nascimento” da nação, a Constituição adoptada por Nelson Mandela. A adoção da Constituição constituiu um processo de dois anos iniciado após Nelson Mandela ser eleito o primeiro Presidente negro da África do Sul. Na sequência de uma campanha para apurar junto da população que pontos deviam constar da Constituição, um primeiro rascunho foi apresentado pelo comité constitucional em setembro de 1995.

Entre fevereiro e abril de 1996, 68 temas continuavam por angariar consenso, entre eles a pena de morte, a cláusula de propriedade, a escolha de juízes e a língua do país. Todavia, com o prazo imposto para a aprovação da Constituição a chegar ao fim, a 23 de Abril foi apresentado um rascunho final com 298 emendas. Esta versão foi chumbada pelo Tribunal Constitucional, forçando a novas emendas para produzir a versão final: aprovada pelo tribunal a 4 de dezembro, tendo sido depois ratificada por Mandela a 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Ainda que tenham existido avanços e recuos na preparação do documento, ele é tido hoje como um farol da democracia no mundo: há exatamente dez anos, uma proeminente juíza norte-americana afirmou que não olharia para a Constituição dos EUA, mas para a da África do Sul, como exemplo para criar uma nova. Chegou a haver quem exigisse a demissão da juíza Ruth Bader Ginsburg, que integrou o Supremo Tribunal de Justiça, mas a sua defesa tinha argumentos bem consolidados.

O facto de cidadãos sul-africanos estarem do lado da Rússia poderia surpreender personalidades como Mandela ou Desmond Tutu – vencedor do Prémio Nobel da Paz, em 1984, pela sua incansável luta contra o apartheid e a segregação racial na África do Sul e no mundo, que morreu, no final de dezembro do ano passado, aos 90 ano –, mas não o Presidente Cyril Ramaphosa que, ainda no dia 10, disse ter conversado com Vladimir Putin para entender melhor o conflito em curso e garantir que o país cujos destinos dirige assume “um papel de mediação”.

De mediação ou afastamento da condenação que, de modo geral, tem sido feita à guerra que se desencadeou, na medida em que, já no dia 2 de março, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque debateu uma resolução que pedia às tropas russas que se retirassem da Ucrânia “imediatamente, completamente e incondicionalmente”, a posição da África do Sul foi tudo menos antibelicista.

Entre os 193 membros da ONU, 141 votaram a favor, condenando a invasão. Por outro lado, 28 dos 54 países africanos apoiaram a Ucrânia, mas os restantes – excetuando a Eritreia, que votou contra a resolução – abstiveram-se ou decidiram não comparecer para votar. Enquanto Camarões, Etiópia, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau, Burkina Faso, Togo, Eswatini e Marrocos estiveram ausentes, Argélia, Uganda, Burundi, República Centro-Africana, Mali, Senegal, Guiné Equatorial, Congo, Sudão, Sudão do Sul, Madagáscar, Moçambique, Angola, Namíbia, Zimbabué e África do Sul abstiveram-se.

“As pessoas que caem nessa mentira deviam ter vergonha” Neste sentido, é possível dizer que antes de a guerra ter sido iniciada no campo de batalha do Facebook, já havia dado pré-avisos do seu aparecimento. No Twitter, a Embaixada da Rússia na África do Sul agradeceu aos sul-africanos por expressarem a sua solidariedade com a luta da Rússia para terminar com “o nazismo na Ucrânia”. Indignada, a embaixada da Alemanha na África do Sul apressou-se a responder rapidamente: “Desculpem, mas não podemos ficar calados com este tweet, é demasiado cínico. O que a Rússia está a fazer na Ucrânia é massacrar crianças, mulheres e homens inocentes, para seu próprio proveito. Definitivamente que tal não é ‘combater o nazismo’. As pessoas que caem nessa mentira deviam ter vergonha. Lamentavelmente, somos meio especialistas no que toca ao nazismo”.

Outras reações merecem ser alvo de atenção e reflexão. Kirtesh Kumar Trivedi, que viverá no Botsuana, país vizinho da África do Sul, tem sido um dos membros mais ativos do grupo inicialmente mencionado. “Não vejo nada de errado em Putin e na Rússia. Este mundo não pertence apenas aos EUA e à Europa. Força, Putin!”, avançou, tendo partilhado uma análise extensa do conflito.

“A RÚSSIA DEVE GOVERNAR A UCRÂNIA. Muitas pessoas que publicam neste grupo têm falta de compreensão, não têm noção das esferas políticas mundiais. A RÚSSIA está no seu direito de atacar a Ucrânia, embora se possa dizer o contrário. Quem se lembra de quando a URSS estava associada a Cuba? A URSS, agora RÚSSIA, queria construir ou colocar instalações nucleares lá, mas os EUA sentiram que a sua segurança nacional estava comprometida e ameaçada, Cuba conteve-se e isso foi em 1962. O que teria acontecido se Cuba se recusasse a ouvir os EUA? Teria sido bombardeada, é claro”, sublinhou, aludindo àquele que é considerado o momento mais tenso da Guerra Fria.

“Agora, os mesmos EUA e a NATO querem construir uma base militar na UCRÂNIA e na RÚSSIA, assim como os EUA em 1962 também se sentiram ameaçados. A UCRÂNIA não escutou como CUBA quando escutou os EUA e se absteve: em vez disso a UCRÂNIA tornou-se teimosa, estúpida e ingénua. Agora, eles têm de enfrentar as consequências da sua teimosia e estupidez. A RÚSSIA é a vítima aqui, não a UCRÂNIA. Vocês deveriam ter os factos antes de publicar qualquer coisa”, frisou, recebendo comentários de apoio como “Apoio os corajosos e é por isso que sou um hindu que apoia a Rússia”. Também há críticas como uma de “Lavagem cerebral”, acompanhada de um GIF, ou “Acho que és da Rússia”.

“As consequências” de que os apoiantes de Putin e, consequentemente, da invasão da Ucrânia falam são atrozes. Ainda no sábado, o Ministério Público (MP) ucraniano revelou, na plataforma Telegram, que pelo menos 79 crianças morreram e perto de 100 ficaram feridas desde o dia 24 de fevereiro. Sabe-se que a maioria das vítimas encontrava-se nas regiões de Kiev, Kharkiv, Donetsk, Sumi, Kherson e Zhitomir”, segundo o relatório da entidade ucraniana, citado pela agência noticiosa Efe.

O número avançado, que não pode ser confirmado por fontes independentes, não é definitivo, apontou a tutela, “devido à falta de oportunidade de inspecionar os lugares de ataque, onde as forças armadas russas estão a levar a cabo as suas atividades hostis”. Mais de 280 instituições de educação foram destruídas, nove das quais de forma total, foi também referido no relatório, segundo o qual há uma média de 17 instituições de ensino que são destruídas diariamente pelos ataques russos desde o início da invasão.

O Ministério Público acrescentou igualmente que cerca de sete milhões de crianças estão impossibilitadas de estudar. No dia seguinte, ou seja, este domingo, um ataque com foguetes à base militar de Yavoriv, em Novoyavorivsk – perto de Lviv –, matou pelo menos 35 pessoas. “Infelizmente, perdemos mais heróis: 35 pessoas morreram como resultado do ataque ao centro. Outras 134 estão no hospital com vários ferimentos”, lê-se num comunicado do governador militar da região de Lviv, Maxim Kozitsky. Em primeira instância, a Rússia anunciou a morte de “180 mercenários estrangeiros”, mas, à CNN, Markiyan Lubkivsky, porta-voz do Ministério da Defesa da Ucrânia, indicou que se tratava de “pura propaganda russa”.