Ana Carolina Sena. “O criador e a audiência são quase como dois apresentadores do mesmo programa”

Ana Carolina Sena. “O criador e a audiência são quase como dois apresentadores do mesmo programa”


No espaço de 12 anos, Ana Carolina já emigrou duas vezes. Depois de uma licenciatura, um mestrado e vários empregos, foi distinguida pela Forbes.


Ana Carolina nasceu em Vila Franca de Xira e cresceu em Alverca. Em 2010, após ter estudado na Escola Artística António Arroio, em Lisboa, rumou a Londres e iniciou a licenciatura em Produção de Cinema e TV. Para poupar dinheiro e suportar todas as despesas, fez um pouco de tudo, como carregar pesos ou passar horas a descascar batatas. Apesar de, em muitos dias, se ter sentido exausta e sem força para estudar, deu o seu melhor e terminou o curso três anos depois. “Como é que vou fazer dinheiro?” foi uma das primeiras perguntas que lhe passaram pela cabeça e constatou que, no decorrer do percurso académico, era vista pelos colegas como a pessoa que entendia de negócios e tinha uma visão empreendedora.

Quando uma das colegas de turma, natural da Califórnia, lhe perguntou se não se queria candidatar a um mestrado na Chapman University, tal como ela fizera, pesou os prós e os contras e seguiu em frente. Em apenas 36 meses, emigrava pela segunda vez. A amiga não foi colocada no mestrado, por isso, Ana teve de enfrentar mais um desafio ”sozinha”. O caminho revelou-se menos árduo quando conheceu Isaac, que viria a ser seu namorado e, posteriormente, marido. Atualmente, ele trabalha no Facebook e ela na Twitch.

“Em termos profissionais, quero continuar muito curiosa: normalmente, as pessoas perguntam ‘O que queres ser quando fores grande?’ e eu não gostava de responder. Tinha interesses, mas percebia que precisava de descobrir as minhas habilidades. Tenho ambos na área onde estou, tenho de ser flexível – pode aparecer uma tecnologia ou até uma plataforma cuja existência ainda nem imaginamos –, relevante, ajudar as pessoas a contar histórias e conseguir liderar equipas”, garante a rapariga de 29 anos.

A paixão pela sétima arte e pelas redes sociais surgiu durante a sua infância e adolescência?

Eu diria que não, porque acho que, no geral, não sou de estar sempre muito atenta à tecnologia. Da parte das plataformas digitais, não entendia bem como as coisas funcionavam, mas aquilo que me ajuda é ser curiosa e não ter medo de experimentar algo. Mesmo que, provavelmente, não corra bem. Tentava dar o meu melhor. Nasci em Vila Franca de Xira, morei em Alverca e fui à escola lá até aos 14 anos. Depois, fui estudar para a [Escola Artística] António Arroio, no Ensino Secundário, e penso que gostava de artes no geral. Em Portugal, normalmente, as pessoas escolhem os cursos científico-humanísticos, mas sempre me disseram para tentar encontrar um emprego de que realmente gosto porque terei de seguir essa profissão para o resto da minha vida.

Considero este pensamento interessante e, portanto, queria saber aquilo de que realmente gostava, estudava piano e era terrível – tinha aulas de inglês também –, portanto, naquela altura, o meu “bichinho” ainda não era o do cinema. A questão é que ia muitas vezes ver filmes com os meus pais e o meu irmão, era a nossa atividade predileta. Além disso, o meu canal preferido era o Cartoon Network e os desenhos animados não estavam traduzidos para português. Por isso, com o passar do tempo, comecei a perceber que os meus conteúdos preferidos eram produzidos em Inglaterra ou nos EUA e talvez fosse boa ideia ir estudar para um destes países.

Tomou esta decisão gradualmente?

É estranho explicar isto, mas não gosto de dizer às pessoas aquilo que vou fazer: quase que tenho medo de as desapontar. Então, acho que não transmitia a minha ideia exatamente aos meus pais, dizia-lhes apenas que estudar no estrangeiro poderia ser uma hipótese. E, ao mesmo tempo, ia para as aulas de inglês e perguntava aos meus professores como é que me poderia candidatar às universidades inglesas. Lia os requisitos, os formulários, percebia os exames que tinha de fazer…

Gostava de chegar a casa, a parecer tranquila, mas, na realidade, todos os dias estava um bocado stressada a tentar que tudo acontecesse! “É muito difícil, mais vale ficar por cá” não era algo em que me focasse. Foquei-me em todas as possibilidades e percebi que o melhor que me poderia acontecer era entrar numa universidade inglesa e, o pior, entrar numa universidade portuguesa. Isso nem sequer é uma coisa má, obviamente, eu é que era… Sendo sincera, um pouco obsessiva e queria que tudo resultasse!

Candidatou-se a várias licenciaturas?

Sim, mas Produção de Cinema e Televisão na London College of Communication, era aquilo que queria. Faz parte da University of Arts of London e achei que, entrando naquela faculdade específica, entrava também num sítio onde poderia fazer muitos contactos. Candidatei-me a cursos semelhantes noutras faculdades, mas esta era a minha primeira opção.

Os primeiros tempos foram difíceis?

Diria que foram interessantes! Estava a conhecer outras pessoas, falar sempre em inglês… Parecia-me surreal! Na primeira semana, comecei a fazer amizades e uma delas é uma rapariga que vive perto de mim aqui em Los Angeles. Ela lembra-se sempre de que, na altura, não percebia nada daquilo que eu dizia. Fui para Londres depois de ter feito uma cirurgia: não queria deixar de ir à escola, então, fui para Inglaterra com os pensos e não sabia como se ia ao centro de saúde. E a primeira coisa que perguntei a essa amiga foi se sabia como é que podia ir trocar os pensos. Só que ela é dos EUA e não fazia ideia! Reunimos um grupo de colegas ingleses para tentarmos entender como é que eu conseguiria ser vista por enfermeiros e médicos! E consegui, sobrevivi [risos].

Naquela altura, queria poupar dinheiro e o passe do metro era muito caro. Por isso, comprei uma bicicleta e fazia uma hora para chegar à faculdade e outra para voltar para casa. Lavava pratos num pub, pegava em sacos de batatas, descascava-as durante horas, carregava muitos pesos, punha pratos nas máquinas industriais de lavar loiça e todas essas coisas requeriam imensa energia. Ficava exausta.

Tinha força para estudar?

Mais ou menos, fiz o melhor que pude. Talvez não compreendesse tudo aquilo que estava a acontecer nas aulas mas, ao final de três anos, licenciei-me com uma distinção. Há sempre uma combinação de aspetos positivos e negativos, mas acho que, quando emigramos, tentamos sempre andar para a frente independentemente daquilo que acontece. 

Ao longo do curso, começou a perceber que desejava enveredar por uma área em específico?

De facto, quando se estuda Produção de Cinema e Televisão, há vários papéis que têm de ser desempenhados na produção de projetos em equipa. E entendi que, em todos os projetos, dedicava-me sempre mais ao orçamento, promoção, distribuição, candidaturas a festivais de cinema… Portanto, são todas as coisas que envolvem criatividade em termos de negócios e não de “Que câmara é que vamos usar?”. Toda a gente queria trabalhar comigo porque era uma das poucas pessoas do curso que gostavam de gerir dinheiro!

A parte assustadora é termos um curso de artes e não sabermos o que fazer. Os portugueses são muito realistas e sabem que não há dinheiro para grandes projetos: não nascemos nos EUA com imensos recursos. Normalmente, questionamo-nos acerca de tudo. “Eu tenho este curso, mas como é que faço dinheiro? Como é que ando para a frente?”. Foi aí que percebi que temos de saber negociar e saber ser empreendedores independentemente do tipo de arte que escolhemos. Por estes motivos, achei que tirar um mestrado valia a pena e ficaria mais próxima da indústria do cinema.

Foi logo para os EUA quando terminou a licenciatura?

Sim! A minha tal amiga, que é daqui, de Orange County, concorreu à Chapman University e disse-me que devia pensar naquilo que ia fazer. E acho que me ajudou a ter coragem para me candidatar! Por muito que se queira contrariar estes factos, a verdade é que, em cinema, os trabalhos estão em Los Angeles e em Nova Iorque e as diferenças horárias têm impacto no tipo de cargos que podemos ter. Não sabia como arranjaria um trabalho nem sequer como se ia ao centro de saúde [risos], mas pensei “Consigo fazer isto novamente!”. O que aconteceu foi que a minha amiga não foi colocada no mestrado e estive sozinha. Estava quase um pouco traumatizada com a experiência de Londres – não por ter sido má, mas sim porque estava sem a minha família e isso é extremamente difícil – e achei que não era tão aventureira quanto pensava.

E como correu tudo?

Tinha melhores notas nas disciplinas de Marketing ou Estratégia e não tanto em Economia, Finanças, Contabilidade… Mas cada uma delas tinha um projeto final e/ou exames e consegui acabar o curso. Foi árduo! A aprendizagem, nos EUA, é diferente da que temos na Europa: têm muitos exames e querem que os alunos saibam conceitos de trás para a frente.

Percebi que era muito boa a fazer apresentações, por exemplo, em PowerPoint, e os meus colegas queriam que estivesse no grupo deles: eles destacavam-se nos números e eu nas artes! Ao mesmo tempo, também trabalhava para o professor Harry Ufland, que foi um agente muito famoso e faleceu: era agente do Martin Scorsese, do Robert De Niro…

Ele era professor na faculdade de cinema e, então, tentava ter o melhor dos dois mundos! Ensinou-me que a forma tradicional de iniciar a carreira na indústria do entretenimento era ir para uma agência de talentos e ajudar escritores, diretores, atores, etc. a procurar trabalhos. Sabia que, depois de tirar o mestrado, queria fazer isso. Fiz vários estágios: quando acabei o mestrado, em maio de 2015, precisava de ganhar dinheiro. Trabalhava como rececionista na agência onde estava e enviava e-mails à Creative Artists Agency a perguntar se me podia candidatar a cargos de assistente, mas eles não achavam que estivesse qualificada para tal e perguntaram-me se queria ser rececionista. E eu fui.

Existem momentos dos quais nunca se esqueceu por serem especialmente marcantes?

Por exemplo, lembro-me de um agente que me chamou para ajudar com umas caixas e, quando fui ter com ele, vi o Jackie Chan. Apertei-lhe a mão e disse “Muito prazer, vim ajudar”. Já tinha um mestrado e estava a trabalhar como rececionista: a maioria das pessoas não faria isso. A questão é que eu sabia que a maneira tradicional era “começar por baixo” e ir subindo as escadinhas. Seis meses depois, precisavam de assistentes no departamento de Desenvolvimento de Negócios, candidatei-me e já tinha as qualificações necessárias! Fiquei lá dois anos.

Durante todo este tempo, alguma vez ponderou voltar para Portugal?

Como cresci em Portugal, e a minha família toda está aí, não queria necessariamente regressar para trabalhar, mas o tempo passa rapidamente. Por muito que gostasse de estar no meu país, as oportunidades que quero estão aqui. E também achei que a melhor forma de lidar com a situação, como não sabia bem como dar os próximos passos, era ficar cá e dar o meu máximo. Se não conseguisse nem funcionasse, poderia sempre voltar atrás.

A realidade é que me casei nessa altura com um namorado que tinha desde o mestrado, ele tinha sido meu colega, e era assistente do mesmo professor. Pouco a pouco, percebíamos as dificuldades e ajudávamo-nos mutuamente. Ele é mexicano e veio para os EUA com três anos. Os pais trouxeram-no para cá, vieram a caminhar pelo deserto, acabaram por se naturalizar todos e viver no estado do New Mexico. Para ser sincera, a cidade onde ele vive é muito pequena, quase podia ser portuguesa, e é interessante ver que há pessoas de partes mais remotas dos EUA que têm experiências parecidas com alguém de fora. Ele achava, tal como eu, que tudo era novo. Deixou de ser tão árduo estar longe do meu país. Agora, ele trabalha no Facebook e eu na Twitch!

Como surgiu essa oportunidade?

Desde a altura da agência, achei que queria estar num estúdio de cinema. Comecei a trabalhar na parte digital da Warner Brothers e, com esse conhecimento, compreendi que o digital seria o futuro. Também pensei que queria estar em contacto com criadores: o meu irmão [Diogo Sena] é youtuber e, sempre que ia a Portugal, nas férias, via-o a preparar projetos novos com imenso gosto e queria trabalhar com gente como ele. Fui para a VidCon, que organiza um evento com youtubers do mundo inteiro, mas, obviamente, com o surgimento da pandemia, não havia um futuro tão claro. A versão digital do cinema era uma rede social e pensei que a Twitch era uma boa escolha. Entrei lá em dezembro de 2020.

A adaptação foi simples?

Sim. Depois de ter sobrevivido a tirar aquele mestrado e, claro, emigrado duas vezes, nada será difícil! Tinha muitos mentores e contactos que me diziam que trabalhava bem, esclareço sempre as dúvidas que tenho com eles e entendi que, se calhar, por vezes, estes impasses e estas dificuldades estão mais na nossa cabeça do que na realidade. Tinha de vir para esta empresa e pensar que era tão capaz quanto pessoas nativas dos EUA. E falar português até é uma mais-valia, quase um superpoder!

Como é um dia habitual na sua vida? 

A minha posição é strategic partner manager e existem várias pessoas com o mesmo papel que eu: cada um de nós tem uma lista de nomes com os quais trabalha e temos de nos certificar de que estão contentes com a plataforma, o canal deles, respondemos às perguntas, encontramos soluções… Mas podemos juntar-nos a vários projetos e voluntariei-me para ser a líder de aquisição de criadores que se identificam como mulheres.

O nome do programa é Twitch Women’s Alliance e, apesar de não me terem contratado para o mesmo, fui proativa. Acabei por desempenhar variadas funções e os meus colegas fazem o mesmo. Também optei por ajudar criadores na América Latina, Portugal, Espanha, etc. e arranjo-lhes oportunidades para participarem em torneios, serem patrocinados pelas marcas… Tudo aquilo que está ao meu alcance.

Há algo de que não goste?

Não tenho nada negativo a dizer, mas aquilo que mais me fascina é utilizar recursos e iniciativas para auxiliar estes empreendedores que criam conteúdos. Estão a fazer isso em vez de trabalharem noutro sítio. É muito gratificante acompanhar o percurso deles.

Está mais em contacto com gamers ou criadores de diversas vertentes?

Há muita gente que me contacta por causa das pessoas que conheci anteriormente. Tenho uma rede e acho que sobressaio em relação aos meus colegas que vêm da área do gaming. Parte da minha posição passa por trabalhar com os criadores de topo, por isso, como a Twitch nasceu com os jogos, é difícil não trabalhar com os top gamers. No entanto, há imensa diversidade. 

Sente falta do cinema?

Para ser honesta, não sinto falta nenhuma. Quando alguém cria conteúdo no YouTube, na Twitch, seja em que plataforma for, planeou o conteúdo, está a contar uma história e quer entreter-nos. A única coisa que para mim é diferente é o recurso que usam: não têm uma câmara de cinema nem exibem aquilo que produzem numa sala de cinema a uma hora e um dia exatos, mas aquilo que estão a dizer é: “Está aqui o meu conteúdo, podem vê-lo quando quiserem”. Consigo ajudar gente que não tem dinheiro para produzir um filme, mas, na sua casa, a partir do seu quarto, produz coisas da melhor forma que pode. As plataformas como aquela em que trabalho ajudam a democratizar esta produção.

Qual é a principal diferença entre o YouTube e a Twitch para os criadores?

A cultura da Twitch baseia-se na criação de comunidades e o que é interessante é que há extensões, ferramentas, etc. que ajudam os criadores a conectarem-se com os seus fãs, mas estes também podem estar em contacto uns com os outros. O conteúdo é produzido de forma muito mais dinâmica numa comunidade. O criador e a audiência são quase como dois apresentadores do mesmo programa.

Interage com algum criador português?

Sim! A Twitch não vê territórios, mas a verdade é que tenho muita vontade de trabalhar com mais portugueses.
Segundo o estudo “Os Portugueses e as Redes Sociais”, da Marktest, cujos dados foram divulgados em outubro, os portugueses têm conta em pelo menos seis redes sociais. Na edição de 2021, a Twitch e o Telegram destacaram-se pelo seu crescimento: o primeiro duplicou os valores de 2020, para 10,1%, e o Telegram atingiu os 21,9%.

Com a pandemia, de forma global, estamos todos mais em casa e acho que a nossa plataforma cresceu por esse motivo. E esses dados deixam-me muito feliz! Há muito potencial em Portugal: não vejo qualquer obstáculo. Pode vir a ser um território muito importante nesta plataforma! O que mais me emociona é ver criadores a ganhar salários dignos enquanto produzem conteúdos.

Como é que teria sido a sua vida se tivesse regressado a Portugal?

Por vezes, penso nisso… Não gosto muito de fazer comparações porque podemos ficar desanimados facilmente. O mais importante é mantermos a mente aberta. Obviamente que não teria trabalhado nestas empresas, mas encontraria uma forma de me inserir na indústria do entretenimento e estou certa de que seria bem-sucedida.

Ainda que haja menos chances de vencer?

Não é difícil sermos reconhecidos, o problema é que me parece que temos de trabalhar mais para que tal aconteça do que noutros países. Vejo muitos amigos meus apaixonados por esta área que começam a trabalhar sem receber um único euro. Por isso é que uma das coisas mais importantes que quero transmitir não é o facto de ter tido uma distinção na Forbes, mas sim que as mulheres portuguesas podem ter mais oportunidades e receber tanto quanto os homens.

Há gente a esforçar-se muito e as empresas devem refletir acerca da necessidade de ter diversidade de funcionários: se estamos a contratar alguém sem lhe pagar, essa pessoa não vai aceitar a proposta ou acabará por sair. Atraímos as pessoas que vêm de uma experiência diferente, que são mais favorecidas. Se repensarmos esta estrutura, podemos captar também aqueles que não têm dinheiro, mas muita vocação e empenho! É que perdem-se grandes talentos pelo caminho…

O que pensa da desigualdade de género em termos laborais?

No geral, os EUA estão melhores, mas acho que Portugal tem vindo a crescer. Gostaria de ver mais mulheres, no nosso país, em posições de chefia. O meu chefe é um homem, mas o chefe dele é uma mulher! Porém, na indústria de videojogos, gaming e livestreaming não há tanto equilíbrio quanto desejaria.

Espero que partilhar a minha história ajude as mulheres a perceberem que podem assumir riscos, procurar desafios e alcançar tudo aquilo que desejarem! Mas é mais fácil falar disto do que pôr as ideias em prática: quando uma mulher é mais assertiva, tanto quanto um homem, não é encarada da mesma forma. Lembro-me de que os meus professores me chamavam “mandona” em Portugal, mas não ouvia ninguém dizer ao meu irmão que ele era “mandão”. Qualquer que seja o trabalho em que estejamos, temos de pensar se existe o mesmo número de homens e mulheres. Interessa combater os estereótipos para que as pessoas, no seu dia-a-dia, continuem a implementar estas mudanças.

Quando estava na Creative Artists Agency, trabalhava com a atriz Geena Davis, e certo dia ela disse-nos: “Quando estiverem a ler um guião e aparecer uma personagem que é um homem, perguntem a vocês mesmos se muda alguma coisa na história se essa personagem for uma mulher. E se a resposta for ‘não’, então pode ser uma mulher”.

Como é que soube que integrava a lista ‘30 Under 30’ da Forbes na categoria de Videojogos?

Podemos candidatar-nos e foi isso que fiz. Na indústria do entretenimento e, mais especificamente, nas agências de talento, é muito comum as pessoas que se tornam assistentes candidatarem-se. O primeiro passo foi perceber que o pior que poderia acontecer era não ser escolhida. Analisei que tipo de objetivos tinha cumprido, as pessoas que ajudei, a inovação que estava a promover… Há um link com um formulário e pedi aos meus mentores que me recomendassem.

Criei um documento com a informação necessária e fiz o possível para que a seguissem na hora de sugerirem o meu nome. Depois, a Forbes enviou-me um e-mail com mais perguntas. Li cada palavrinha, corrigi tudo aquilo que pude, respondi e… Isto foi em outubro e não ouvi falar mais deles. Como aqui “no news is good news”, achei que não valia a pena fazer-lhes perguntas e/ou incomodá-los! 

E as notícias viriam a revelar-se mesmo boas!

No início de dezembro, uma colega minha publicou no fórum que temos a notícia e eu não sabia que os nomes seriam anunciados naquele dia! Senti-me profundamente emocionada porque considerei que ser reconhecida nos EUA era uma forma de me conectar mais com Portugal porque mais pessoas entenderiam o tipo de trabalho que faço. A combinação dos esforços e dos trabalhos mais ou menos interessantes trouxe-me até aqui e acredito que não há uma fórmula exata para atingirmos os nossos objetivos. Há alturas em que é difícil gerir tudo, mas gosto de pensar “Será que estou um passo mais perto, por mais pequenino que seja, de chegar a x ou y?”. Se a resposta é afirmativa, continuo a lutar. A verdade é que não se consegue nada da noite para o dia.

E o seu trabalho está a ser devidamente reconhecido em Portugal?

Gosto de acreditar que faço o melhor que posso e posso estar a influenciar alguém positivamente! Falo muito, mas sinto-me constrangida à frente da câmara e este esforço de falar com os media não me parece natural: contudo, quero que as pessoas conheçam o meu percurso para que não desistam de trilhar o seu. 

Existem muitas polémicas relativas a esta distinção. 

Sim, mas acho muito difícil que corresponda à verdade. A Forbes é uma publicação grande e teria muito a perder: há 23 categorias e começam a preparar as listas com meses de antecedência. Os jornalistas têm de ser isentos e, constituindo equipas tão diversificadas, duvido que decidissem que x ou y pessoa devia ser distinguida só por ser amiga de um ou conhecida de outro. Perderiam a reputação por isto? 

Além da Ana, existem outros dois portugueses nesta lista: Francisco Lopes e Francisco Schmidberger, co-fundadores da LINK Agency, que se especializaram em criar conteúdos de curta duração.

Exato: o que está em causa é que sou uma mulher. Temos de acreditar em nós mesmas, sabermos que podemos ser referências e termos exemplos femininos. Quando era mais nova, adoraria ter visto influenciadoras, do género feminino, a serem premiadas desta forma! E creio que conseguimos mudar esta dinâmica ainda nas nossas gerações! Todavia, aconteceu-me algo mau: enviei imensos e-mails a órgãos de informação e reparei que a Visão escreveu um artigo acerca dos dois Franciscos e o título dava a entender que não havia mais portugueses na lista!

É o “Os dois portugueses na lista da Forbes Under 30”, certo?

Exato! É como se não houvesse, para além de portugueses, mulheres nem pessoas que se identificam como tal na lista. Enviei um e-mail, mas ninguém entrou em contacto comigo. Mas aquilo que importa é que quero conhecê-los, estão perto de mim e já trocámos mensagens. Quero muito colaborar com eles e vamos tentar reunir-nos quando os números da pandemia forem menos graves.

Quais são as pessoas que mais a inspiram?

A Sheryl Sandberg, CEO do Facebook, que ajuda as outras mulheres a atingirem posições de chefia. Além disso, frisa que as nossas vozes devem ser respeitadas seja em que lugar for. A Geena Davis, de que já falámos, ensinou-me muito porque comecei a questionar-me mais. Em Portugal, não tenho role models porque não estou aí há 12 anos e sigo mais os empreendedores e criadores daqui.

Não gosta de revelar os seus maiores sonhos, mas há algum que queira partilhar?

Em termos profissionais, quero continuar muito curiosa. Normalmente, as pessoas perguntam “O que queres ser quando fores grande?” e eu não gostava de responder. Tinha interesses, mas percebia que precisava de descobrir as minhas habilidades. Tenho ambos na área onde estou, tenho de ser flexível – pode aparecer uma tecnologia ou até uma plataforma cuja existência ainda nem imaginamos –, relevante, ajudar as pessoas a contar histórias e conseguir liderar equipas.