Considerações acerca da biografia de José Cardoso Pires, recentemente editada

Considerações acerca da biografia de José Cardoso Pires, recentemente editada


A biografia de José Cardoso Pires recentemente editada tem recebido muitos elogios. Tem sido escrito com frequência que a biografia em Portugal é pouco praticada. Por isso, se destaca quando alguma vem à estampa. No entanto, apesar de o autor ter consultado inúmera documentação é notória uma tendência para menosprezar o Neo-Realismo, privilegiando quem o…


Tendo consultado documentação no Centro de Documentação 25 de Abril, Casa da Achada – Centro Mário Dionísio, Museu Ferreira de Castro, Torre do Tombo, Biblioteca Nacional, etc., não consultou a documentação do Museu do Neo-Realismo e familiares dos neo-realistas, que o teriam elucidado de diversas questões que trata com ligeireza e com inexactidão.

Das notas apenas 15% dizem respeito a neo-realistas, muitos dos quais o autor nem identificará como tal. As notas respeitantes ao neo-reaalistas da 1ª vaga são metade dessa percentagem, referentes principalmente a Mário Dionísio e Castro Soromenho.

Isto é, não lhe interessou saber as relações com muitos outros neo-realistas, alguns deles muito chegados a JCP.

O livro parece analisar com algum pormenor a vida de JCP, mas não interessou ao autor aprofundar a sua relação com o Neo-Realismo e os neo-realistas, nem o rigor dos acontecimentos em que estes intervêm por sua mão, como adiante se mostrará.

Não sei se existem inexactidões e afirmações incorrectas em relação a outros movimentos literários e personagens. 

1) Em relação à amizade de Alves Redol com JCP, ao contrário da amizade com António Lobo Antunes, não lhe dá a importância que teve e não refere o escrito de JCP intitulado "Carta aos Amigos Comuns", publicada em Vértice em 1970, certamente um dos mais extraordinários textos da literatura portuguesa de elogio de um escritor a outro escritor amigo. Ou não conhece o texto, o que é lamentável para quem pretende fazer crer que pesquisou exaustivamente – e também não deve conhecer o texto de JCP aquando dos 25 anos de Gaibéus, também publicado em Vértice – ou entende que relativamente a um escritor "menor" como Redol não se justifica tanta admiração por parte do biografado, um dos maiores escritores portugueses do Séc. XX.

E ignora que tiveram, eles e as mulheres, um relacionamento quase diário e íntimo durante anos, apesar de Redol surgir no volume várias vezes, mas sem grande ênfase e quase sempre fora da relação de amizade.

Fala numa promessa de Redol sobre uma colaboração para a agência Êxito, mas ignorou uma iniciativa inovadora, que deve ter vindo na sequência dessa promessa, que consistiu no programa "Pequena Crónica do Banal" patrocinado pela Knorr e transmitido no Rádio Clube Português e na Rádio Renascença. Alves Redol (Senhor A), Baptista Bastos (Senhor B), Cardoso Pires (Senhor C) apresentavam todos os dias, sucessivamente, crónicas sobre a cidade de Lisboa. 

Foi revelado numa investigação da professora universitária Carina Infante do Carmo, a qual consultou os originais de Redol no seu espólio. Não sei se no espólio de JCP existem os do Senhor C.

É certo que o autor do livro não podia falar de tudo, mas esta colaboração dos três é muito significativa e original na nossa rádio. Valia a pena constar.

É ainda facto importante para mostrar a profunda relação de amizade e admiração mútua entre os dois escritores, a presença de JCP no jantar de homenagem a Redol realizada em Janeiro de 1951, a propósito de lhe ser atribuído o Prémio Ricardo Malheiros da Secção de Letras da Academia das Ciências, o mais prestigiado da época, homenagem presidida por António Sérgio e Ferreira de Castro, mas onde estiveram também Mário Dionísio Carlos de Oliveira, Romeu Correia, Alexandre Cabral, Adelaide Félix, Mário Soares, Francisco Ramos da Costa, Francisco Lyon de Castro, e, provavelmente, Fernando Piteira Santos, Natália Correia e Vergílio Ferreira, se a identificação dos três últimos nas fotografias estiver correcta. 

Por sua vez, Redol esteve no almoço de entrega do Prémio Camilo Castelo Branco a JCP a 30 de Maio de 1964, no Hotel Embaixador, em que o galardoado evocou Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Alves Redol, Aquilino Ribeiro e os poetas do Novo Cancioneiro como suas referências nacionais.

Em final de 1964, JCP esteve presente em Vila Franca de Xira num conjunto de homenagens a Alves Redol por ocasião da comemoração de 25 Anos de Gaibéus.

Participou, então, como orador, num colóquio sobre a obra do escritor homenageado, onde também esteve presente Baptista Bastos.

O autor da biografia também ignora o elogio que JCP faz no filme da RTP “Alves Redol – Vida e Obra”, de 1991, em que, entre outas coisas, afirmou que Barranco de Cegos era, à época, um dos dois ou três melhores romances portugueses do Séc. XX.

Num texto sobre aquele romance, de 1970, Mário Dionísio escreveu: […] um dos grandes romance de toda a nossa história literária».

2) A edição de Os Caminheiros saiu com a chancela do Centro Bibliográfico, uma entidade em que não consegui apurar se tinha o estatuto de cooperativa, mas que funcionava como tal. Nela estavam Alves Redol – o mais popular na época – Armindo Rodrigues, Alexandre Cabral, Rogério de Freitas, não sei se Carlos de Oliveira e outros.

Baseando-se em Redol – conforme JCP me contou – pretendia fugir às tropelias dos editores, de que Redol era grande vítima com a Editorial Inquérito. Estive na sede do Centro Bibliográfico várias vezes com Redol e Rogério de Freitas. Armindo Rodrigues dirigia a colecção de poesia "Cancioneiro Geral" e não "Novo Cancioneiro", como o autor da biografia escreve.

Armindo Rodrigues foi um financiador daquela colecção, mas não sei se interveio na produção do livro de JCP, inserido noutra colecção. Alves Redol, Alexandre O'Neil, Armindo Rodrigues e Mário Dionísio terão financiado a publicação de Os Caminheiros. Eu já sabia que Alves Redol o tinha feito, talvez por informação de JCP ou outra pessoa. Quando organizei e comissariei a exposição comemorativa do centenário de Armindo Rodrigues em 2004 – inaugurada na Ordem dos Médicos e que, depois, circulou pelo país – e consultei o seu espólio, encontrei referência aos outros financiadores, o que consta da exposição e do livro Alves Redol – Fotobiografia – Fragmentos Autobiográficos. 

Eduarda Dionísio enviou-me uma entrevista de JCP ao Diário de Lisboa em que ele refere aqueles amigos como financiadores do livro, mas não incluiu Mário Dionísio. No entanto, Armindo Rodrigues fê-lo.

Recordo que também o primeiro livro de Manuel da Fonseca, Rosa dos Ventos, foi financiado pelos amigos: Alves Redol, António Gameiro, Manuel Campos Lima, Jorge Domingues, Fernando Piteira Santos e Mário Dionisio. E deve ter sido Alves Redol a

tratar da edição, pois a tipografia é a mesma de livros dele e Manuel da Fonseca não primava por ser muito "activo". Na altura existia uma grande solidariedade entre os escritores, o que hoje não sucede.

3) A certa altura da biografia, escreve-se sobre JCP: «aproximou-se dos neo-realistas, como Alves Redol ou Carlos de Oliveira numa movimentação que, como Pacheco diria mais tarde, era meramente pragmática: "Chegou-se muito aos comunistas, para ter apoio, para ter público"». O Luís Pacheco era um escritor frustrado, invejoso do êxito dos outros e de má índole. É lamentável que o autor escreva isto sem negar, ou pelo,menos, comentar, porque para ele, autor, os neo-realistas não mereciam admiração e amizade. Só se aproximava deles quem quisesse obter alguma coisa, como se fossem os donos do poder e não os perseguidos.

E a propósito da diatribe de JCP sobre Alves Redol, afirmando ser este escritor autor «[d]a literatura mais detestável que se publica», essa frase seria influência de Cesariny, que o acompanhava no momento em que a proferiu e que sempre disse coisas semelhantes ou piores sobre os escritores neo-realistas. 

Neste caso, o autor da biografia ressalva que, mais tarde, a opinião de JCP se alterou completamente. 

4) Outra falha importante no relacionamento de JCP com Alves Redol diz respeito ao facto de JCP, Alberto Ferreira e Mário Ventura Henriques, como representantes dos amigos mais chegados, e António Mota Redol, como herdeiro, terem sido indiciados por Redol para constituírem uma comissão que gerisse parte dos seus direitos de autor, com o objectivo de ser utilizada no apoio a actividades culturais. Era uma ideia inédita

no panorama literário português na época, que o herdeiro decidiu generalizar à totalidade dos direitos de autor. Constituiu-se a designada Comissão Legado Alves Redol (CLAR), integrada por aqueles elementos, a qual divulgou a decisão numa conferência de imprensa realizada em 9 de Junho de 1970, na qual participaram todos os membros da CLAR e familiares de Redol e que teve grande repercussão mediática. A CLAR dirigiu a publicação das obras completas de Alves Redol e os seus direitos durante anos. JCP teve sempre uma posição de grande exigência pelo legado literário e pessoal de Redol.

Foi a CLAR que decidiu na sua reunião de 8 de Abril de 1979, com a presença de Joaquim Namorado e Arquimedes da Silva Santos, que se fizessem diligências para criar o Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira. Mas o assunto já tinha sido discutido antes, nomeadamente em torno da ideia de uma Casa-Museu Alves Redol. Foram Joaquim Namorado, Arquimedes da Silva Santos e António Mota Redol que prosseguiram o processo de fundação do Museu.

5) Na página 175, afirma-se que com o Ciclo Port-Wine se abre um novo capítulo na literatura portuguesa., Não sei onde é que o autor da biografia foi buscar esta afirmação. Não conheço qualquer estudo ou texto em que tal se afirme. Com Gaibéus sim, como está consagrado.

É mais uma questão a mostrar que fala do que não sabe: o Neo-Realismo. Se alguém lho disse, devia ter confirmado.

7) Nas inúmeras vezes que se refere a Mário Dionísio nunca diz que ele foi o teórico mais importante do Movimento Neo-Realista no domínio da Arte, embora não o único. Como podia ser ele importante no Neo-Realismo se fizera observações tão justas a JCP, que este aceitara; e se JCP lhe tinha grande amizade e admiração?

8) O autor da biografia induz o leitor a atribuir a Mário Dionísio esta ideia sobre os neo-realistas: «o de escrever(em) sobre camponeses vistos da janela do comboio, escrever sobre o que não se conhecia, mas que, por exigência ideológica, tinha de ser o tema dos livros».

Organizei uma grande exposição sobre Mário Dionísio que esteve em Vila Franca de Xira e no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian. Li quase tudo que escreveu. Nunca li tal diatribe sobre os neo-realistas. Mário Dionísio escreveu nesse sentido na Autobiografia, mas sobre si próprio e a propósito de O Dia Cinzento e não sobre os neo-realistas, e cita um texto de Namora em que este escreve sobre o livro de poesia Terra «Isto é um livro da Terra: da Terra que não foi vista da janela do comboio».

A diatribe sobre os neo-realistas nem sequer tem razão de ser. Vejamos:

A) Escritores da designada 1ª vaga que escreveram principalmente sobre ambiente rural na 1ª fase da sua vida literária mas que, depois, ficcionaram em ambiente citadino (anos 40 e seguintes):

a) Alves Redol escreveu sobre camponeses, mas sabia do que falava, porque era neto e familiar de camponeses da Golegã, convivendo com eles desde a infância; tendo nascido em Vila Franca de Xira, localidade com muito comércio, mas onde vivia muita gente ligada à agricultura, contactava com os camponeses da Lezíria do Tejo diariamente desde que nascera, estudou-os profundamente como se fosse um antropólogo profissional. O avô tinha uma propriedade perto de Tomar, zona de onde vinham muitos dos gaibéus; propriedade onde o jovem Redol esteve inúmeras vezes, conhecendo bem a região. O seu pai era desta zona e, por isso, era considerado gaibéu pelos vilafranquenses. Mas também escreveu romances localizados no Douro, na Nazaré, em Lisboa; e o operariado e os estivadores de Lisboa como personagens. 

b) Manuel da Fonseca era de Santiago do Cacém, um meio rural que conhecia profundamente, tal como outras zonas do Alentejo.

c) Fernando Namora, natural de Condeixa-a-Nova, zona rural, médico em Monsanto, na Beira e em Pavia, no Alentejo.

d) Carlos de Oliveira viveu desde a infância na zona da Gândara, que conhecia como os dedos da mão. 

e) Afonso Ribeiro, natural de Vila da Rua (Moimenta da Beira), professor primário em zonas rurais.

f) Garibaldino de Andrade, nascido em Ponte de Sôr, director do jornal A Mocidade, um dos jornais de "província" ícone do Neo-Realismo; como tal, profundo conhecedor do Alentejo.

g) Mário Braga, nascido em Coimbra, professor na Lousã, escreveu sobre ambiente coimbrão e rural.

h) Vergílio Ferreira, na 1ª fase da sua vida literária considerado um neo-realista, escreveu sobre meio urbano. O seu romance Mudança, de 1949, foi considerado por Mário Sacranento como inaugural de uma nova fase do Neo-Realismo, mas não foi.

i) Castro Soromenho: ambiente colonial português.

j) Outros escritores como Avelino Cunhal, Manuela Porto, Rogério de Freitas, Manuel do Nascimento, António Vitorino, Papiniano Carlos, Aleixo Ribeiro, Ilse Losa, António Borga não deram relevo ao meio rural.

B) Escritores da 1ª vaga que na 1ª fase da sua vida literária ficcionaram sobre ambiente operário ou citadino:

a) Soeiro Pereira Gomes trabalhava numa fábrica; o seu ambiente ficcional era o meio fabril. 

b) Romeu Correia: o ambiente dos seus textos era o meio operário de Almada, de onde era natural e, excepcionalmente, o dos pescadores da Costa de Caparica (sobre o que escreveu apenas um romance – mas uma realidade que conhecia muito bem).

c) Leão Penedo viveu na zona da Madragoa, em Lisboa, e escreveu sobre as varinas e os bairros operários de Lisboa, além de uma classe média/baixa desta cidade.

d) Faure da Rosa: romances de ambiente citadino.

e) Alexandre Cabral: um romance sobre pescadores da Costa de Caparica e ambiente citadino ou colonial.

f) António Vicente Campinas, director do jornal Foz do Guadiana, de Vila Real de Stº António, tem também textos sobre o meio rural. 

g) José Marmelo e Silva: meio urbano e seminário, neste caso, antes de Vergílio Ferreira.

h) Luis Francisco Rebello no teatro.

C) Escritores da 2ª vaga do Neo-Realismo, que escreveram, principalmente, sobre ambiente citadino (anos 50 e seguintes):

a) José Cardoso Pires que, nas suas primeiras obras, era identificado com uma nova visão do Neo-Realismo, escreveu sobre meio rural nessas obras, mas, depois, principalmente sobre meio urbano. O seu romance O Delfim é apontado por alguns ensaistas como sendo uma continuação de Barranco de Cegos, de Alves Redol . 

b) Augusto Abelaira, que em entrevistas no início da sua carreira literária, se declarou neo-realista, escreveu, mesmo nessa fase, textos de ambiente citadino.

c) Urbano Tavares Rodrigues, que viveu a infância em Moura, aqui considerava ter as suas raízes; privilegiou sempre o ambiente citadino, mas escreveu textos de tema rural, assunto que, evidentemente, conhecia bem.

d) Orlando da Costa, escreveu sobre a sua terra, a Índia e, também Lisboa.

e) Orlando Gonçalves, nascido na Amadora, textos de ambiente urbano.

f) Júlio Graça, também escreveu sobre meios operários.

g) Manuel Ferreira: ambiente colonial português.

h) Os escritores da 1ª vaga dedicam-se, neste período, cada vez mais, ao meio urbano.

D) Escritores da 2ª vaga do Neo-Realismo, que escreveram, principalmente, sobre ambiente rural: 

a) Antunes da Silva, alentejano, abordou uma problemática que conhecia bem, incluindo a camponesa.

b) Joaquim Lagoeiro (2ª vaga), nascido em Veiros (Estarreja), escreveu sobre ambientes rural e urbano.

E) Escritores da 3ª vaga: meio urbano, frequentemente lisboeta (anos 60 e seguintes).

a) Baptista Bastos:

b) Jorge Reis

c) Mário Ventura

d) Miguel Serrano

e) Júlio Conrado

f) Dias de Melo: pescadores dos Açores.

g) Bernardo Santareno e Luis Sttau Monteiro, no teatro.

F) Escritores da 4ª vaga: meio urbano, frequentemente lisboeta (anos 70), com uma excepção (anos 70 e seguintes):

a) António Modesto Navarro, natural de Vila Flôr, Trás-o-Montes, conhecedor da região.

b) José Manuel Mendes

c) José Jorge Letria

d) Carlos Coutinho.

e) Domingos Lobo

G) E dezenas de outros escritores das consideradas quatro vagas do Neo-Realismo, dos quais alguns nem sequer abordaram a vida camponesa; mas para outros este era o seu ambiente natural. Os neo-realistas da 2ª, 3ª e 4ª vagas escreveram principalmente sobre ambientes urbanos. O essencial do Neo-Realismo não é o ambiente dos textos mas a ideologia. E os escritores de outras correntes literárias não tinham ou não têm ideologia? Mário Dionísio escreveu na sua autobiografia, muito perto do extracto que o autor do livro sobre JCP cita (mal): «tudo dependia do "ponto de vista"», isto é, camponeses, operários e elementos da pequena burguesia podiam ser

contemplados pelo Neo-Realismo (mas também elementos das "classes altas"), assim como todos os temas, como escreverá noutro texto.

H) Os poetas: António Ramos de Almeida, Fernando Namora, Mário Dionísio, Joaquim Namorado, Manuel da Fonseca, João José Cochofel, Sidónio Muralha, Políbio Gomes dos Santos, Álvaro Feijó, Francisco José Tenreiro, José Ferreira Monte da 1ª vaga (e muitos outros menos relevantes ou menos relevados por jornais e revistas), pouco abordaram o meio camponês; Armindo Rodrigues fê-lo um pouco mais, mas o seu ambiente privilegiado foi Lisboa e o Tejo. E José Gomes Ferreira foi ou não neo-realista? Se foi, o ambiente era urbano. Arquimedes da Silva Santos e Garcez da Silva dedicaram-se ao Ribatejo, de que eram oriundos e conheciam bem.

Já os de 2ª e 3ª vagas do Neo-Realismo ainda menos escreveram sobre os camponeses.

Na 2ª vaga é habitual serem incluídos Orlando da Costa, Daniel Filipe, João Apolinário, José Fernandes Fafe, Armando Ventura Ferreira, Egito Gonçalves, Luís Veiga Leitão, etc, com uma poesia mais conceptual e politizada que a anterior. Na 3ª vaga é habitual serem incluídos Fernando Assis Pacheco na sua fase inicial, José Carlos de Vasconcelos, Manuel Alegre, Rui Namorado, Manuel Simões, Ary dos Santos (2ª fase da sua vida literária), etc.. Muito pouca atenção ao meio rural.

I) Os teorizadores e ensaístas do Neo-Realismo: Bento de Jesus Caraça, Vasco Magalhães Vilhena, António Ramos de Almeida, Armando Martins, Jofre Amaral Nogueira, Rodrigo Soares, Mário Dionísio, Álvaro Cunhal, Joaquim Namorado,  dedicaram-se, de preferência, à vertente filosófica, alguns predominantemente no domínio da Arte. Mas também Álvaro Salema, Manuel Campos Lima, Mário Sacramento, Óscar Lopes, António José Saraiva, Armando Bacelar, Rui Feijó, Raul Gomes, Luis Francisco Rebello, especialmente na crítica literária. 

Na vertente histórica, Vitorino Magalhães Godinho, Joaquim Barradas de Carvalho, Luís de Albuquerque, Joel Serrão, Rui Grácio. Mais tarde, António Borges Coelho.

Na crítica e ensaio de artes plásticas, Mário Dionísio, Júlio Pomar, Huertas Lobo, Victor Palla, Rui Pimentel, e outros, alguns dos quais aderiram mais tarde ao surrealismo. 

Na 2ª vaga, destacaram-se Alberto Ferreira, na filosofia, Augusto da Costa Dias, na história, Alexandre Pinheiro Torres, Mário Braga, Deniz Jacinto (principalmente no Teatro), José Fernandes Fafe, Urbano Tavares Rodrigues e outros, continuando a maioria dos anteriores.

Na 3ª vaga, são inúmeros os ensaístas, colaborando em Vértice e Seara Nova, em literatura, artes plásticas, teatro, cinema, economia, história, continuando a maioria dos anteriores.

9) A certa altura, o autor do livro afirma que os neo-realistas se debruçaram sobre alentejanos, gente da serra e pescadores, mostrando, mais uma vez, grande desconhecimento do assunto. Ignora que os personagens centrais de Redol eram ribatejanos ou durienses (barqueiros e camponeses), barqueiros do Douro, pescadores do Tejo e da Nazaré, mas também gente operária e da classe média ou alta; de Namora beirões, mas também alentejanos e citadinos; de Carlos de Oliveira gandareses; de Soeiro Pereira Gomes operários; de Manuel do Nascimento mineiros; de Manuel da Fonseca e Antunes da Silva, eram, de facto, alentejanos, mas o primeiro também escreveu sobre citadinos, etc. Como atrás se indica, na 2ª e 3ª vagas o meio urbano foi o predominante. 

Vejamos: é obrigatório o escritor pertencer ou viver permanentemente no meio descrito nos seus textos? Os romancistas históricos viveram nas épocas sobre as quais escreveram? Vamos rejeitar ou menorizar  Alexandre Herculano, Almeida Garrett,etc, e, mais recentemente, José Saramago – para não falar de escritores universais como Tolstoi, etc, etc – e muitos outros que continuam a ser elogiados pelos ensaístas de hoje. Alguém diz que o que escreveram não é válido porque não viveram a época e não podiam conhecer a realidade. E Raul Brandão não procedeu como os neo-realistas? E Zola? E muitos outros?

Ou os citados ataques verificam-se porque estes escritores são marxistas e quem arremete, normalmente deturpando, não o é, utilizando a Arte para desferir as suas investidas, em vez de discutir as ideias?