Haverá, naturalmente, alguns benfiquistas mais optimistas capazes de apostarem uns tostões na vitória do Benfica sobre o Bayern de Munique, logo pelas 20h00, no Estádio da Luz, na terceira jornada da edição corrente da Liga dos Campeões. Movidos pelo sentimento, claro está, atirando para trás das costas a racionalidade, procuram crer numa realidade que roça o impossível. Não falamos, naturalmente, na enorme diferença de qualidade que existe entre uma equipa que, nos últimos dois anos, se deixou bater por completo a nível nacional e outra que domina como quer e como lhe apetece o futebol alemão. Só aí, a balança desequilibra-se de forma tão escandalosa que nem valeria sequer apena estarem frente a frente. Referimo-nos igualmente a um estilo de futebol ultrapassado que em Portugal continua a fazer escola (veja-se o que acontece, neste momento, com a selecção nacional, vencedora de equipas de segunda linha, mas incapaz de fazer frente às de primeiro plano) em contraponto com o futebol do futuro que pratica o conjunto de Julian Nagelsmann. A velocidade imposta em todos os cantos do terreno, a pressão contínua sobre os adversários (não apenas os que têm a bola mas também sobre os que se dispõem a recebê-la) faz do Bayern a melhor equipa do mundo, na opinião, claro está, de quem assina estas linhas.
O jogo de logo não deixará, seja qual for o resultado, e o factor sorte também conta, nestes casos, de deixar impressa esta imagem de absoluta superioridade bávara, uma superioridade que, aliás, as décadas foram sublinhando, nunca tendo o Benfica ido para lá de três empates caseiros nas várias eliminatórias que disputou com o grande clube da Alemanha.
Desde o primeiro confronto na Luz entre ambos os clubes, em Março de 1976, que vi (o primeiro ainda garoto com uma malta dos Olivais Sul) todos os jogos caseiros do Benfica frente ao Bayern. Se é verdade que o pior que aconteceu aos encarnados em cinco jogos foi uma derrota por 1-3; as cabazadas que tem acumulado em Munique são, no mínimo, preocupantes: dois 1-4; dois 1-5. Uma fragilidade que não pode ser esquecida neste momento preciso em que estamos a poucas horas do décimo-primeiro confronto oficial entre a águia e esse monstro enorme e prepotente que parece viver debaixo da sua cama há nada menos de quarenta e cinco anos, assim mesmo por extenso, para que se perceba cabalmente a dimensão dos estragos.
E agora? Até ao jogo com o Barcelona e à vitória com o muito de histórico por 3-0 (não vou dar para o peditório da actual debilidade dos catalães porque também houve muitos jogos nos quais a debilidade estava do lado dos lisboetas), o Benfica de Jesus parecia uma equipa em crescendo e com um poder ofensivo bastante impressionante. Como de costume, tal imagem desvaneceu-se nos jogos que se seguiram. Nada a que não estejamos habituados nos últimos anos. Os jogadores parecem absorver uma certa displicência, entram em campo desconcentrados, dão vinte ou trinta minutos de avanço aos adversários e depois correm atrás do tempo perdido, como sucedeu face ao Portimonense, sem a clarividência que lhes permita dar a volta ao resultado.
Esta semana, através daquilo que são, para quem os conhece, os papagaios do pirata iguais aos do velho lobo do mar de Robert Louis Stevenson, surgiram novidades: o treinador do Benfica anseia, pelos vistos, regressar ao Rio de Janeiro e ao Flamengo de onde saiu como um herói de banda desenhada não fosse o caso de, um ano mais tarde, outro português, Abel Ferreira, ter conseguido com o Palmeiras conquistar igualmente a sempre ambicionada Taça dos Libertadores – estando à beirinha de repetir a façanha. Não deixa de ser estranho ouvir tal coisa dois ou três dias antes daquele que vai ser o maior desafio do técnico encarnado desde o seu regresso. Depois de ter passado pelos chocantes fracassos da época anterior como cão em vinha vindimada, recebendo em contrapartida novo cheque em branco para a época que agora se disputa, fica a imagem de que não há grande crença em fazer melhor do que já foi feito. Hoje, frente a um Bayern verdadeiramente extraordinário, ninguém lhe exigirá mais do que não perder por muitos. Aquilo que, convenhamos, poucos antes dele fizeram. Com a certeza acrescida que, se o Benfica voltar a entrar em campo da forma desleixada como o fez contra Portimonense e Trofense, até essa tarefa será impossível. Portugal está longe, longe do futebol do futuro que vemos praticar as melhores selecções e equipas da Europa. E, infelizmente, não se vê quem promova a evolução.