Apostas online. 93 mil já pediram para ser impedidos de jogar

Apostas online. 93 mil já pediram para ser impedidos de jogar


Proposta de lei do Bloco de Esquerda relativa à limitação da publicidade de jogos e apostas é discutida hoje na Assembleia da República e psicólogo acredita que diminuir a publicidade pode mesmo ajudar quem se está a tentar curar do vício.


Se analisarmos três blocos publicitários dos três canais generalistas durante os noticiários das 20h, deparamo-nos com um anúncio a jogos de apostas – mesmo que isso seja desaconselhado no “Manual de Boas Práticas à Publicidade de Jogos e Apostas”, aprovado pela Sociedade de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ). Já depois das 23h, a publicidade dispara e, se por acaso estivermos a ver a publicidade que passa nos intervalos dos noticiários que decorrem entre as 23h30 e a 01h30, entre 13% e 16% das publicidades são sites de apostas e casinos.

Em Portugal há mais de 93 mil pessoas que se autoexcluíram da prática de jogos e apostas online e aproximadamente 2% da população tem problemas com o jogo.

O primeiro dado é do último relatório disponível SRIJ e o segundo foi confirmado ao i pelo psicólogo Pedro Hubert, coordenador do Instituto de Apoio ao Jogo (IAJ).

Não só o álcool, o tabaco e as drogas são um vício, como também o jogo pode ser. Normalmente mais discreto e silencioso mas que afeta um cada vez maior número de pessoas, especialmente desde a pandemia.

De acordo com os dados do SRIJ, o número de jogadores registados em uma (ou mais) das 15 entidades que estão autorizadas para exercer a atividade de exploração de jogos e apostas online em Portugal passou de 130,3 mil no segundo semestre de 2020 para 329,4 no primeiro semestre de 2021, tendo entretanto decrescido para 151,9 no segundo semestre deste ano.

A faixa etária predominante é dos 25 aos 44 anos, sendo que 60,4% dos jogadores são dessa idade. No entanto, 63,3% dos novos registos feitos no segundo semestre deste ano foram feitos por pessoas com menos de 35 anos.

Com o aumento exponencial do número de jogadores, a SRIJ aprovou em abril do ano passado o “Manual de Boas Práticas à Publicidade de Jogos e Apostas”, que refere, entre outras coisas, que “na televisão e na rádio as comunicações comerciais e a publicidade a que se refere o presente artigo não deve ter lugar entre as 7 horas e as 22 horas e 30 minutos”.

Apesar de estar presente neste “manual de recomendações”, não está oficialmente na lei e o Bloco de Esquerda quer mudar isso. Devido a esta situação, que o BE caracteriza como “crescimento desregulado da publicidade de jogos e apostas online”, o partido apresentou uma proposta de lei que vai ser hoje discutida na Assembleia da República e que pretende “estabelecer limites à publicidade dos jogos e apostas”.

Sumariamente, o BE pretende proibir a publicidade a lotarias instantâneas, regular os horários referidos no “Manual das Boas Práticas” e que nos eventos em que participem menores “designadamente atividades desportivas, culturais, recreativas ou outras” não sejam exibidas ou mencionadas, implícita ou explicitamente, “a marca ou marcas de lotarias instantâneas”.

 

Proibição vs limitação

Pedro Hubert considera que a chave para um jogo disciplinado e saudável não é a proibição mas sim a “limitação e a proteção das pessoas que têm problemas de jogo e de algumas que possam ter uma predisposição” para tal, acrescentando ainda que acredita que a “publicidade e o marketing em relação ao jogo” lhe parecem excessivos. O profissional dá o exemplo direto dos pacientes do IAJ e adianta que a “quantidade de publicidade é o que mais os afeta”. Tal como alguém que por algum motivo não pode fumar ou beber álcool, também uma pessoa com problemas de jogo fica “incomodada” quando vê determinadas referências.

O psicólogo afirma que, do seu ponto de vista, “já que há publicidade”, essa publicidade deve incluir avisos de “proibição do jogo a menores” e informar os jogadores “da possibilidade de aceder a uma linha de apoio”.

Apesar de as pessoas que têm problemas serem “uma minoria”, refere Pedro Hubert, “uma vez que são apenas 2% ou 3%, esses 2% ou 3% e os seus familiares merecem e têm o direito a ser prevenidos” e informados de “que o jogo tem riscos e que há tratamento para quem já tem problemas”.

 

Saúde mental

Em 2019, a Organização Mundial de Saúde reconheceu a dependência do jogo como um problema de saúde mental e em outubro do ano passado, o coordenador do IAJ referiu ao i que “tem critérios de diagnóstico muito semelhantes às dependências de substâncias como tabaco e álcool”. A principal diferença, reside no facto de ser uma adição comportamental e, por isso, muitas vezes negligenciada: “As pessoas ainda pensam que é uma questão de força de vontade, e não de dependência”.

Pelo mesmo motivo, torna-se numa doença mais difícil de ser diagnosticada e por isso, explicou Pedro Hubert na altura, as pessoas “recorrem menos a ajuda profissional e a grupos de autoajuda”, acabando por não receber o tratamento adequado.

O Instituto de Apoio ao Jogo é uma das organizações que fornece ajuda a quem tem um problema de adição e o apoio pode ser tanto por via telefónica como através de aconselhamento on-line.