É apurado a partir de hoje o crédito que cada aderente tem no programa IVAucher – medida que entrou em vigor a 1 de junho para os consumos realizados nos setores do alojamento, cultura e restauração e “nos quais foi solicitada a emissão de fatura com número de contribuinte dão direito à devolução integral do respetivo IVA suportado”, prometeu o Ministério da Economia.
Mas, ao contrário do que tinha sido divulgado de início, em vez de descontar o saldo nos estabelecimentos que aderiram à medida, afinal vai o valor será depositado na sua conta. De acordo com o Governo, esta alteração tem como objetivo “tornar a solução de utilização do saldo IVAucher mais universal e de facilitar o processo de adesão dos comerciantes ao programa” desenvolvido em conjunto com a entidade operadora (SaltPay) e que passou, entretanto, a integrar as instituições bancárias.
Mas continuam a existir muitas incertezas em relação à forma como vai ser aplicado o programa. Contactada pelo i, a Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados admite que ainda está na expectativa. “Além daquilo que resulta da lei estamos à espera de alguns esclarecimentos para podermos depois divulgar. A Ordem também quer ser parceira na divulgação deste processo, uma vez que é um apoio às empresas e queremos ajudar a que esse apoio se torne efetivo”, refere Paula Franco.
Ao que o nosso jornal apurou, o Governo está a tentar acordar com todos os bancos para que façam a ligação entre os comerciantes, mantendo como alternativa o sistema a implementar pela SaltPay, mas que exige a adesão por parte dos estabelecimentos e também tem um custo.
“Esta nova modalidade tenta combater o que tentaram fazer inicialmente, mas não teve grande sucesso, porque tem muitos passos: em setembro temos de ir ver o saldo e carregá-lo. A seguir os comerciantes têm que aderir e ter a máquina daquela entidade que ganhou o concurso das Finanças. Como se aperceberam que não ia ter grande adesão, estão a procurar outras soluções para tentar captar mais comerciantes”, apurou o i junto de uma fonte ligada ao processo.
O Ministério de Siza Vieira garantiu esta segunda-feira que o saldo do IVAucher será “reembolsado diretamente pelas instituições bancárias na conta bancária do consumidor”. Já os os comerciantes têm ainda a “opção de disponibilizar aos clientes os descontos decorrentes do IVAucher através da rede entidade operadora do sistema (SaltPay): TPAs, aplicação IVAucher e software de faturação”.
Mas a mesma fonte ligada ao processo lembra que “mesmo com essa ajuda dos bancos, o que se prevê é que sejam eles a debitar os valores aos estabelecimentos que não queiram ter máquinas da SaltPay para lhes devolver o valor que iam pagar a menos. Mas ainda não percebi como é que o consumidor vai ficar nisto: se vai pagar só metade ou se paga na totalidade e os bancos também aí vão ter alguma interferência”.
Mas deixa uma certeza: “Ainda estão a ser tomadas muitas decisões e tudo isto pode mudar. Estão a fechar os protocolos com os bancos para perceber depois qual é a melhor forma de o fazer. O que está publicado na legislação pode não ser só o que vai ser aplicado, pode ser uma das partes”.
Dados em risco Pouco convencido com esta medida está o ex-presidente da associação Transparência e Integridade. João Paulo Batalha mostra-se preocupado com o risco de uso indevido que pode ser dado à informação pessoal dos contribuintes que foram facultados por quem aderiu a este programa, através da SaltPay.
Uma questão que ganha maior relevo, uma vez que, tal como o Nascer do SOL já tinha anunciado, o Estado português entregou a uma empresa estrangeira dados pessoais dos contribuintes portugueses – incluindo NIF, morada, contas bancárias e cartões, entre outros dados.
O programa foi lançado através de um concurso público que teve como único concorrente, em janeiro de 2021, a empresa Pagaqui, com sede no Porto, mas que acabou por ser vendida, no mês seguinte, à empresa islandesa SaltPay.
Para João Paulo Batalha “é fundamental que os dados estejam protegidos, já que a Autoridade Tributária está a partilhar com uma entidade externa os dados que tem acesso relativo às compras das pessoas, montantes, locais, etc.”.
O responsável alerta para o “manancial de dados que o Fisco tem que, no caso português, só comparável aos dados das redes sociais. Mais ninguém tem acesso a tanta informação tão sensível como o Fisco, em Portugal. Nem sequer o sistema de saúde”, diz ao i.
E chama ainda a atenção para o facto de que empresa que está a desenvolver o sistema informático, no qual vai funcionar o programa, vai provavelmente ter acesso ao IBAN do contribuinte que está registado no Portal das Finanças, o que no entender do mesmo, pode pôr em causa a proteção de dados.
“Esse acesso é perigoso do ponto de vista da sua vulnerabilidade porque pode dar azo a sistemas de fraude, de burla, pois estamos a falar de informação muito sensível. Não faço ideia que salvaguardas é que o Estado pôs nestes contratos, mas o Ministério das Finanças tem de esclarecer que garantias quer no contrato, quer depois da execução do mesmo, foram estabelecidas em termos de fiscalização e de acompanhamento e o que está a ser feito para que os dados não sejam mais usados”.
O responsável vai mais longe, ao considerar que “este tipo de precauções infelizmente não tem tendência para estar no radar de quem faz processos de contratação pública, porque está à procura de um serviço específico, que neste caso, é complicado pela complexidade do programa”.
Uma preocupação que, tanto neste caso como em outras medidas deste género, não pode ser posta de lado: “O Fisco sabe informação sobre nós que nem nós próprios sabemos, porque consegue cruzar informação: determinar eventualmente padrões de consumo que não nos apercebemos porque gerimos as nossas vidas e as nossas compras de forma inconsciente”.
Esse tipo de dados, considera João Paulo Batalha não interessa à Autoridade Tributária, empenhada em evitar a fuga ao Fisco. “Mas se começa seja no âmbito deste programa ou de outro a transferir dados para outras organizações, essas outras organizações se forem empresas com fins lucrativos podem ter um interesse gigantesco nessa informação.
É fundamental perceber que contratos é que a Autoridade Tributária ou o Ministério das Finanças tem com essa entidade externa, que tipo de dados estão a ser transmitidos e que salvaguardas é que existem em relação ao uso, à gravação e à guarda dessas informações, nomeadamente no que diz respeito à sua revenda ou reutilização por parte da empresa ou de outras”, refere ao i.