Costa acusa Parlamento de legislar sobre matérias do Governo

Costa acusa Parlamento de legislar sobre matérias do Governo


Em causa estão dois diplomas, já promulgados, referentes aos professores. Governo já pediu a fiscalização sucessiva ao Tribunal Constitucional.


O Governo de António Costa requereu ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva dos dois diplomas referentes à vinculação dos professores. Na ótica do Governo, ao aprovar os ditos diplomas, a Assembleia da República terá legislado sobre matérias que são da competência exclusiva do Governo.

Recorde-se que, em entrevista publicada na última edição do Expresso, o primeiro-ministro advertiu: “No nosso sistema de governo quem governa é o Governo. E o nosso sistema tem várias subtilezas só aparentemente irrelevantes, mas são essenciais à estabilidade institucional. Uma delas é a lei-travão, outra é a reserva de administração por parte do Governo e não creio que seja saudável para as nossas instituições transferir para a Assembleia da República competências que são próprias do Governo e que devem exclusivamente exercidas pelo Governo”.

No entender de António Costa, “não se trata desde Governo, mas de cumprir e fazer cumprir a Constituição”, sendo que o seu dever, como primeiro-ministro, “é assegurar que não há uma alteração do equilíbrio da separação e inter-dependência de poderes”.

Também o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, considerou as duas leis emanadas pelo Parlamento um “exemplo de um reiterado desrespeito” por parte dos deputados. “Continuamos, infelizmente, a assistir a um reiterado desrespeito por parte da Assembleia da República, como sucedeu ainda recentemente com a aprovação de dois decretos sobre o recrutamento de professores. Esses diplomas interferem naquilo que é um domínio específico de atuação governamental, violando jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional. A Constituição não prevê um governo de Assembleia da República”, rematou o secretário de Estado.

Os diplomas em causa, promulgados por Marcelo Rebelo de Sousa nos dias 2 e 15 de julho, respetivamente, são dois: o primeiro obriga o Governo a abrir um concurso de vínculo extraordinário de docentes nas escolas de ensino artístico especializado; o segundo incumbe o Governo de negociar com as estruturas sindicais a revisão do regime de recrutamento e mobilidade dos docentes dos ensinos básico e secundário. Na promulgação do segundo, Marcelo sustentou-se nas “mesmas razões invocadas aquando da promulgação” do primeiro, explicando tê-lo feito “como fez noutras ocasiões em que o parlamento aprovou soluções de caráter programático, na fronteira da delimitação de competências administrativas, como foi o caso com a Lei do Orçamento do Estado para 2021, em ambos os casos, pacificamente, fazendo doutrina”.

JURISPRUDÊNCIA DÁ RAZÃO AO GOVERNO Recorde-se que o Tribunal Constitucional, numa situação, subscreveu a tese de António Costa segundo a qual o Governo é, constitucionalmente, o “órgão superior da administração pública” e “é autónomo no exercício da função governativa e da função administrativa”. Também em julho, o mesmo Tribunal considerou – após um pedido de fiscalização sucessiva – inconstitucionais um conjunto de normas presentes em diplomas que procuravam reforçar os apoios sociais. Na altura, à SIC, Marcelo, questionado acerca de ter perdido um “braço de ferro com o Governo” nesta matéria, admitia que a decisão do Tribunal Constitucional significou um derrota jurídica, embora considerasse ter ganhado politicamente.