Incêndios. “Os drones pouco adiantam. O problema dos Kamov arrasta-se há anos”

Incêndios. “Os drones pouco adiantam. O problema dos Kamov arrasta-se há anos”


Em Espanha, várias comunidades recorrem aos drones para prevenir incêndios florestais. Em Portugal, já ocorreram três acidentes durante a sua utilização. E se juntarmos os “muitos problemas” dos Kamov…


Tal como os polémicos helicópteros Kamov que em 2006 custaram ao Estado 50,9 milhões de euros, os 12 drones adquiridos pela Força Aérea no ano passado por 4,5 milhões de euros parecem não ser tão úteis no combate aos incêndios como se pensava.

A queda de um destes aparelhos há uma semana fez com que a Força Aérea Portuguesa suspendesse todos os voos de drones das missões de vigilância florestal e deteção de incêndios. “Creio que os drones pouco adiantam nos incêndios florestais, a não ser para um trabalho mais pontual. Hoje, com simuladores, podemos fazer o mesmo. Ajudam tal como o sistema de videovigilância. Servem mais para apoiar a tomada de decisão em situações críticas. Não vejo que sejam muito úteis”, diz ao i Emanuel Oliveira. O consultor para organismos do Estado na área dos Riscos Naturais e dos Incêndios Florestais lembra que esta é a segunda vez que a Força Aérea suspende o voo dos drones no combate aos incêndios, até porque foram registados quatro incidentes desde o verão passado, quando o programa de vigilância teve início. Até 31 de julho de 2021 foi possível realizar 25 planos de voo, 13 dos quais em Beja e 12 na Lousã.

“Enquanto em Portugal a coordenação dos incêndios é feita em terra, em Espanha é feita pelo meio aéreo, têm um campo de visão completamente amplo”, explica Emanuel Oliveira.

De acordo com o jornal El Español, a comunidade de Madrid destinou 41 milhões à luta contra os incêndios. A unidade de drones do corpo de bombeiros, criada em 2019, conta com cinco bombeiros, um chefe, dois drones pesados (com seis motores e hélices) e outros três ligeiros (de quatro motores e hélices) capazes de substituir os meios aéreos durante a noite.

Por sua vez, o Governo Regional da Galiza pôs em marcha a nova Unidade de Investigação de Incêndios Florestais, composta por 15 profissionais cujo principal objetivo é identificar e parar os pirómanos, percebendo, em primeira instância, as causas de cada fogo, localizando a frente inicial e entendendo se o incêndio foi intencional.

Para reforçar a prevenção de incêndios, a Galiza conta com uma frota de 12 drones e instalou 22 câmaras de vigilância (para expandir uma rede de 142), que têm um alcance de até 15 quilómetros e podem rodar 360 graus, para tentar cobrir 70% do território da região.

Estes meios são disponibilizados pelo Serviço de Agentes Rurais do Ministério do Interior espanhol, que dispõe de 490 agentes, 259 viaturas, 18 drones e um helicóptero.

“Competência externa à força aérea” “Há dois aviões que nos ajudam a tomar decisões com câmaras de infravermelhos. Até porque tem de haver pessoal especializado para controlar os drones e não sei se é um investimento que compensa tanto”, explica Emanuel Oliveira.

Depois da suspensão dos voos, estes aparelhos não tripulados que estavam parados devido a vários acidentes voltaram a voar. Segundo a Força Aérea, o motivo da avaria identificada no drone acidentado na quarta-feira tem reduzida probabilidade de voltar a acontecer. Deste modo, os dispositivos foram reativados para reforçar a capacidade de vigilância aérea na deteção de fogos e voltaram a operar a partir das bases de Beja e da Lousã.

Recorde-se que, há um mês, foi publicado em Diário da República o despacho que autoriza a GNR a utilizar 13 câmaras portáteis de videovigilância, instaladas em drones para proteção da floresta e deteção de incêndios, até 31 de outubro, nas áreas florestais dos concelhos e freguesias identificadas como prioritárias e com risco elevado de incêndio rural. Na segunda-feira, devido às temperaturas elevadas, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) colocou os distritos de Castelo Branco, Faro, Portalegre e Guarda em estado de alerta especial de nível vermelho, tendo em conta o agravamento do risco de incêndio.

“A aquisição de sistemas aéreos não tripulados para vigilância aérea no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais foi determinada pelo Governo Português através da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 38-A/2020 de 18 de maio de 2020”, explicou o Estado Maior da Força Aérea em resposta ao i, indicando que ”neste sentido, qualquer alteração à RCM é de competência externa à Força Aérea, que apenas a faz cumprir nos termos preconizados” e apontando que a operacionalidade daqueles sistemas aéreos diz respeito ao Estado-Maior-General das Forças Armadas. A Resolução determinava, além da compra dos aparelhos, que a Força Aérea podia realizar em 2020 a despesa até ao montante de 4 milhões e 545 mil euros, considerando urgentes e de interesse público os procedimentos de contratação pública, de maneira a assegurar a disponibilidade de utilização dos UAS “em momento anterior ao nível de maior empenhamento operacional reforçado, nível IV, do DECIR 2020”, ou seja, 1 de julho, mas esta data não foi cumprida, o que valeu uma redução em 20% do preço contratual, isto é, menos 900 mil euros.

“Os seis Kamov estão parados e continuarão assim” “O problema dos Kamov arrasta-se há anos”, declara o consultor sobre os helicópteros adquiridos pelo Ministério da Administração Interna, então liderado por António Costa, há 15 anos. “Os seis estão parados e continuarão assim porque há muitos problemas, incluindo com a Heliportugal. São questões de contratação e manutenção”, recorda Emanuel Oliveira acerca da empresa que intermediou a venda dos seis helicópteros de combate a incêndios. 

“É um helicóptero que não é muito usado em termos de combate em equipa. E é pesado. Para o tipo de território montanhoso que temos, é mais fácil optarmos por helicópteros médios e ligeiros que têm outro tipo de respostas. Principalmente, quando temos de levar pessoas para o teatro de operações e dar uma primeira resposta”, finaliza, exemplificando que, em 2015, quando o contrato terminou entre o Estado e a empresa, um conjunto de peças das aeronaves estavam nos fabricantes em revisão, pelo que a Heliportugal as substituiu por equipamentos temporários. Posteriormente, a ANEPC argumentou que a Heliportugal nunca tinha devolvido as peças originais.