Itália-Bélgica. No jogo a que Portugal faltou, ninguém sentiu falta de Portugal

Itália-Bélgica. No jogo a que Portugal faltou, ninguém sentiu falta de Portugal


Grande espectáculo em Munique, com ambas as equipas a esgotarem-se na vontade de ganhar, mas com a rapidez dos italianos a fazer a diferença (2-1) por entre a lenta defesa belga.


MUNIQUE – Esperei, na Arena de Munique, por_Portugal, e Portugal não veio, ainda a contas com o caos tático em que se envolveu nos oitavos-de-final de Sevilha, frente à Bélgica, e que conduziu, mais uma vez, a um adeus definitivo demasiado precoce para quem usava os galões de campeão da Europa. Sou, portanto, neste Europeu, um português sem Portugal, algo que já me aconteceu vezes demais parecendo que não há maneira de resolver esta fixação pela vertigem e pelo abismo, uma fixação bisonha e triste como a letra de um fado vadio inventado no momento.

No jogo a que Portugal faltou, ninguém sentiu falta de Portugal. Nem eu, confesso, metido como me vi num espetáculo soberdo de duas equipas sem medos e decididas desde o primeiro minuto a lutar até à exaustão por um lugar nas meias-finais deste Europeu. O início dos belgas foi estrepitoso. “Scattenatos”, como gostam de dizer os italianos, caíram sobre o meio-campo do adversário com a força dos velhos marinheiros de Antuérpia, do tempo das cidades Hanseáticas, esses corajosos homens de Antuérpia que tinham como sonho poder, um dia, bater Hamburgo.

Pelo que tinha visto até agora, e sempre pela televisão, infelizmente, já que este Campeonato da Europa da Burocracia exige tantos testes, tantos documentos, tanta papelada que ir a uma cidade e regressar no dia seguinte se transforma numa tarefa praticamente impossível, a Itália é taticamente a mais rica seleção da prova. Finalmente, na sexta-feira, in loco, pude confirmá-lo. Durante os noventa minutos, teve a capacidade de se desdobrar em diversos esquemas e, mais ainda, a autoridade de os impor a um adversário que não teve Eden Hazard mas não deixou, por isso, de ter uma sólida categoria e uma disponibilidade física para não apenas dominar os movimentos imprevisíveis de De Bruyne e de Lukaku como também para deixar a cabeça em águas aos habituais três centrais da Bélgica.

 

Mancini Roberto

Mancini, agora chegado à já bonita idade de 56 anos foi, como jogador, um amante da estética. Fazia golos bonitos, era fundamental na qualidade das equipas por onde passou, sobretudo na Sampdória e na Lazio. Trouxe para esta nova equipa italiana, que mistura veteranos como Chielini (36 anos) com garotos como Raspadori (24) uma arquitetura que consegue conciliar o jogo bonito com a histórica capacidade italiana de transformar os espaços abertos nas defesas contrárias no local ideal por onde passar o seu bisturi.

Com Insigne, Barella e Chiesa soltando-se das suas posições para surgirem nas costas de Witsel e de Tielemans, ficavam apenas pela frente com aquele trio de jarras, Alderweireld, Vermaelen e Vertongen, todos eles de uma lentidão comprometedora – valeu, em vários lances, uma ou outra defesa fantástica de Courtois para que a vantagem italiana não chegasse mais cedo.

A estratégia encaixou na perfeição. Witsel e Tielemans andaram perdidos por completo durante o tempo que estiveram em campo. Tielemans acabou por dar lugar a Chadli que teve tanto ou tão pouco azar que se lesionou uns cinco minutos depois de entrar em campo e teve de sair. Os golos italianos foram exemplares: o primeiro por Nicollo Barella, numa das tais jogadas que, aproveitando as costas de Witsel, entrou pela área, fez o que bem lhe apeteceu, e chutou cruzado da direita para a esquerda num gesto todo ele belíssimo. A Itália, que já tinha visto um golo anulado por fora de jogo, consolidou-se. Recuou mas sem nunca deixar De Bruyne livre, sabendo que era essa a maior fonte de perigo do adversário. Por outro lado, Lukaku, apesar de alguns lances vistosos, esteve sempre encaixado entre os centrais Bonucci e Chielinni.

Aos 44 minutos, Lorenzo Insigne, fez um golo “à brasileira”, mais uma vez aproveitando o espaço aberto entre os médios-defensivos e os centrais, surgindo junto da meia lua para, depois de ter deixado dois adversários para trás, desferir um remate em curva, uma elipse perfeita para a qual nem o enorme Courtois pode fazer fosse o que fosse. Dois minutos mais tarde, já nos descontos, Lukaku reduziu de penálti e levou a diferença mínima para o intervalo. O problema é que a diferença mínima estava à frente de todos nos placares de informação, mas a superioridade italiana entrava pelos olhos dentro de quem os dirigia para o relvado. Não houve mais golos, mas a segunda parte foi jogada com a excitação e o fascínio da primeira. Venceu a Itália e venceu bem – tem uma equipa que pode evoluir muito e não se dedica ao embirrento “cattenaccio” com que Helenio Herrena infetou o “calcio”. O seu próximo embate, com uma Espanha também reconstruída, é digno de Wembley. Carregando às costas uma enorme veterania, fica a dúvida se esta Bélgica ainda sobreviverá até ao final de 2022 e ao Mundial do Qatar. E se será, finalmente, capaz de deixar pelo caminho os grandes nomes. Eliminatórias como esta parecem conter certa dose de complexo…