Itália. O sonho azul do campeonato do mundo do fascismo

Itália. O sonho azul do campeonato do mundo do fascismo


A “squaddra azzurra” foi a mais longa campeã mundial de sempre – ganhou a taça em 1934 e só teve de devolvê-la em 1950.


MUNIQUE – Itália: eis um nome que não deixa indiferente nenhum adepto de futebol. As camisolas azuis da sua seleção trazem consigo mais de um século de lutas bravas, grandes vitórias e gloriosas derrotas. Depois de o Uruguai ter sido campeão do Mundo em 1930, num Mundial no qual as seleções europeias não se fizeram representar em condições, uns reclamando contra a longa viagem feita, na altura, por navio, outros escudando-se nas despesas a que essa viagem obrigava para uma delegação, foi a Itália que insistiu com a FIFA na organização do primeiro Campeonato do Mundo no continente Europeu. Mussolini, que se alcandorara ao topo do poder no país lançando à terra as sementes duradouras do fascismo, percebeu cedo que o futebol era um dos espetáculos que mais entusiasmava o povo e passou a dar futebol aos italianos como Júlio César mandava distribuir pão aos que se deslocavam ao Circo Máximo.

Nos anos-30, a força italiana no panorama do futebol europeu era indiscutível. Beneficiando do auto-isolamento das seleções britânicas, que continuavam a não querer misturar-se com a plebe, e da forma como se habituaram a desviar os melhores jogadores sul-americanos, naturalizando-os italianos (os chamados “oriundi”) – na seleção de 1934, a Itália contava com três argentinos, Monti, Orsi e Guaita – a equipa comandada por Vittorio Pozzo dominava claramente os acontecimentos. Durante toda a década apenas perderia sete jogos e viveria o período compreendido entre 1930 e 1948 com apenas uma derrota em território transalpino: coube à Espanha a proeza de vencê-la em Bolonha por 3-2.

Perante a recusa uruguaia de disputar os mundiais de Itália (1934) e de França (1938), bem como as olimpíadas de Berlim (1936), como represália pela ausência das grandes seleções da Europa no “seu” campeonato do Mundo, e do envio pela Argentina de uma seleção de trazer por casa (em 1938 e 1936 nem sequer esteve presente) como resposta ao roubo dos seus internacionais, compreende-se ainda melhor como o domínio da “squadra azzurra” se estendeu à escala universal.

O Campeonato do Mundo foi organizado para glória de Benito Mussolini, Il Duce, e para provar ao mundo que a raça italiana continuava a ser uma raça superior, valorosa descendente dos que tinham erguido o Império Romano. O general Giorgio Vaccario, embaixador plenipotenciário de Mussolini, garantiu aos dirigentes da FIFA que havia 3,5 milhões de liras para investir na prova. Ao contrário do que acontecia com os imperadores, que desfilavam nas quadrigas por entre a multidão em ovações com um pendura que lhe sussurrava de vez em quando ao ouvido – “Lembra-te de que és humano!” – Benito tinha um exército de gente em seu redor que seria capaz de se atirar ao Tibre de mãos e pés algemados gritando em altos berros a divindade de Il Duce.

 

O mais longo campeão

É apenas uma curiosidade digna do respeitoso Borda d’Água, mas a Itália foi o campeão do mundo mais longo de toda a história. Ganhou a taça em 1934 e só teve de a entregar em 1950. Porque foi campeã duas vezes seguidas e porque, no entretanto, a Europa voltou a encher-se de trincheiras e os homens, recusando-se a ser irmãos, abatiam-se aos milhares nos campos de batalha.

16 seleções surgiram em Itália, mas a desorganização era de tal ordem que decidiram desenvolver a competição em modelo de taça, com oito eliminatórias iniciais o que fez com que metade das equipas presentes jogasse apenas uma partida e regressasse a casa. A grande Itália despachou, logo para começar, os Estados Unidos por 7-1, com golos de Schiavo (3), Orsi (2), Ferrari e do grande Guiseppe Meazza, o franzino artista da bola que os italianos adoravam. Claro que, para Mussolini, poder jogar a final no Olímpico de Roma contra a Alemanha nazi era um sonho. Mas os alemães depois de abaterem a Bélgica (5-2) e a Suécia (2-1), caíram aos pés da Checoslováquia (1-3). Quanto aos italianos, sofreram por um lado e foram empurrados pelos árbitros por outro, para ultrapassarem a_Espanha em dois jogos (1-1 e 1-0, no desempate) e a Áustria (1-0) nas meias-finais. A final foi uma enorme manifestação política de apoio a Benito Mussolini – “Ganhem ou morram!”, dissera na véspera aos jogadores. Não tinham muito por onde escolher. As ruas das cidades de Itália explodiram de bandeiras tricolores. Quatro anos depois a festa seria repetida em Paris. Um ano mais tarde, a capital da França era uma cidade ocupada pelos soldados de Hitler.