MUNIQUE – De repente, não mais que de repente, como diria Vinicius de Moraes, o Campeonato da Europa de 2020, ao qual continuamos a chamar Campeonato da Europa de 2020 embora estejamos já a meio de 2021, ficou reduzido a metade das equipas que se apuraram para a fase final. Os oitavos-de-final foram demais para Portugal, o campeão da Europa ainda em título, pelo menos até dia 11, e a seleção nacional das mil promessas voltou para casa envolta num manto de tristeza pesado e negro como a mantilha da fadista que estica a sua voz até ao Tejo num assomo de saudade. Mas, ia a escrever para compensar, como se alguma coisa compensasse uma derrota que continuo a achar perfeitamente evitável, a França, campeã do mundo, também não conseguiu estar à altura do seu título, afastada pela Suíça depois de um empate de 3-3 e um desempate de 4-5 nas grandes penalidades. Diga-se, no entanto, já que entrámos neste campo nem sempre muito simples de atravessar das comparações, que há muito do jogo França-Suíça que nos ficou grudado nas memórias e há muito pouco do Portugal-Bélgica que queiramos verdadeiramente recordar.
Há uns dias escrevi aqui que cada um entra pela porta do Europeu como quer e sai dele da forma como escolhe. Equipas houve que quiseram sair pela porta da valentia, como a Croácia, por exemplo. Dir-se-ia o mesmo da Suíça se Mbapé não tivesse falhado aquela grande penalidade e os parceiros de Seferovic tivessem ficado pelo caminho. Pode igualmente dizer-se que a Holanda foi eliminada pelos checos presa a uma ideia de jogo que lhe abriu brechas por toda a retaguarda, excelentemente aproveitados por uma equipa que dá a sensação de ser das mais consistentes que restaram.
Um a um, caíram mais oito, sendo que dois deles tinham de se considerar óbvios candidatos, a França e a Alemanha. Portugal era a incógnita que sempre é quando chega a uma fase final de grandes competições. Queremos crer, mas não é apenas a crença dos adeptos que ajuda a ganhar. É sobretudo a perspicácia dos técnicos e o empenho e a arte dos jogadores. Faltou-nos disso por demais. Partimos e não deixámos saudades, pelo menos aos que cá ficaram e não são portugueses que, a cada contacto e a cada conversa sobre futebol, encolhem os ombros e falam do que vai vir e não do que já foi.
Não se pode dizer que, a partir de hoje, não sejam abertas as portas de um belos quartos-de-final. A Suíça que afastou os franceses e deu cabo dos sonhos dos que já se viam perante um Espanha-França, vai encontrar agora um adversário bem diferente, menos duro, menos alto e menos forte, mas mais artístico na maneira como envolve os adversários numa teia de aranha gigante antes de os devorar, e se havia quem se queixasse, ao início, da sua pouca queda para marcar golos, aí teve dois seguidos com cinco cada – 5 à Eslováquia e 5 à Croácia.
Surpresas
República Checa-Dinamarca e Inglaterra-Ucrânia não deixam de ser surpresas. Abatidos no primeiro jogo pelo que aconteceu ao seu capitão Christian Dannemann Eriksen, tombado no relvado como não fosse voltar a erguer-se, os dinamarqueses parecem ter encontrado o equilíbrio emocional e a vontade de vencer que lhes permitiu despacharem os galeses sem espinhas, por 4-0, depois de terem garantido o segundo lugar do grupo graças a outra goleada, esta frente à Rússia, por 4-1.
A Ucrânia (vencedora do nosso grupo de qualificação, recorde-se) pode ter o seu quê de Portugal-2016. Os ingleses, que vão defrontá-los, chamam a estes “outsiders” de Cavalos Negros. As pilecas nas quais ninguém aposta mas que, no fim, surpreendem os mais cotados. Essa velha Inglaterra que, apesar de toda a empáfia, apresenta no currículo apenas um grande título internacional, o que foi conquistado na “glorious mud” da Grande Ilha para lá da Mancha, no ano em que lhes coube organizar um Campeonato do Mundo (1966), tem quase tudo a seu favor. Ainda por cima porque, no caso de eliminarem os ucranianos em Roma, estarão em casa por completo, com ambas as meias-finais e a final a serem disputadas em Wembley, perante, segundo notícias recentes, 60 mil espetadores, depois de a UEFA ter teimosamente insistido que era necessário ter mais gente no estádio do que as 15 mil dos primeiros jogos. “Football is coming home”, poderão cantar até desgraçarem as cordas vocais. Mas, ao mesmo tempo, estamos sempre de pé atrás com os ingleses – nisso são um pouco como nós, prometem bem mais do que cumprem. A partir de amanhã ficarão a faltar apenas três jogos para o Europeu fechar as suas portas. E todos voltarmos à vida que nos espera para lá do futebol.