A quinta dos animais


Por cá, quando não estamos a discutir a interrupção voluntária da gravidez ou a despenalização das drogas, os temas de referência recaem sobre o bem-estar animal.


Quando uma sociedade demonstra mais empatia com o sofrimento dos animais do que com as suas crianças ou embriões, “algo está podre no reino da Dinamarca”. A corrupção moral que grassa e se espalha por todos os quadrantes sociais é sinónimo de uma pobreza de espírito que não tem memória, por tão absurda que se revela.

A Alemanha acaba de aprovar um projeto de lei que proíbe a matança de pintos machos por estes serem muito sensíveis à dor. Esta medida entrará em vigor em 2022, confirmando a urgência que a Ministra da Agricultura deposita na erradicação desta prática que se desenrola há décadas na indústria avícola. A imposição deste curto prazo foi autista às reclamações dos empresários do setor que reivindicaram um adiamento da entrada em vigor desta norma, pelo menos, até que fosse encontrada uma alternativa aos métodos que são hoje utilizados na seleção dos pintos machos e no seu abate, evitando desvantagens económicas para os avicultores e consequente encerramento de indústrias que necessitam urgentemente de investimento para continuarem no ramo, cumprindo com as novas condições exigidas pelo ministério da tutela.

A sensibilidade da ministra para estas matérias é de louvar, e saber que ainda há pessoas que se preocupam com o sofrimento das espécies e que dão o seu contributo para melhorar o bem-estar animal é um conforto que nos deveria sossegar. Ainda a este propósito, importa referir que, em 2019, o Tribunal Administrativo Federal considerou que os interesses económicos dos criadores não poderiam estar acima das preocupações com o bem-estar animal, pelo que confirmou que o período de transição teria que ser o mais breve possível.

Não fosse a Alemanha um dos países onde o aborto é permitido até às 12 semanas e sobressairia a impressão de que o direito à vida é amplamente contemplado pelos germânicos.

Ainda lá por fora, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que declara o acesso ao aborto como um direito humano, seja em que circunstância for, sem qualquer excecionalidade inscrita. Em comunicado, o grupo de centro-esquerda Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas regozijou-se pelo Parlamento ter, finalmente, reconhecido os direitos reprodutivos das mulheres e ter ficado do lado das mulheres (numa matéria que é transversal à sociedade, envolvendo os homens e os nascituros). Num momento em que a tensão ideológica sobre género e sexualidade está a subir de tom no espaço europeu, com vozes discordantes quanto à imposição da ideologia de género instituída por minorias governantes, esta resolução soube a vitória para os defensores e apologistas destas posições fraturantes na sociedade europeia.

Por cá, quando não estamos a discutir a interrupção voluntária da gravidez ou a despenalização das drogas e a necessidade de aumentar o número de salas de chuto, apesar dos casos de morte por overdose terem subido nos últimos 5 anos, os temas de referência recaem sobre o bem-estar animal. O mais recente projeto de lei do PAN (Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza) proíbe que os animais fiquem sozinhos mais de 12 horas, que estejam acorrentados por períodos superior a 3 horas e que sejam limitados a varandas, alpendres e espaços semelhantes. Uma iniciativa que revela, à semelhança da ministra alemã, uma sensibilidade ímpar para com os animais de estimação, ambicionando um tratamento diferente daquele que existe para cães e gatos que dois milhões de portugueses acolhem nas suas casas.

A satisfação que seria possível de sentir perante tanta bondade e empatia nunca chega a manifestar-se, por que no momento em que leio estas notícias só me vem à cabeça as crianças que ficam em “casa” sozinhas, horas a fio, enquanto os pais fazem turnos duplos para que haja pão e água na mesa; as jovens grávidas que chegam à Clínica dos Arcos sem qualquer perspetiva, que não seja a do aborto, para resolverem uma gravidez não planeada; as crianças que aguardam que lhes seja atribuída uma casa, anos a fio, até deixarem de ser crianças. Os recursos financeiros que são desviados para estas leis, que vão sendo aprovadas no Parlamento por iniciativa de partidos políticos minoritários, traduzem o desgoverno em que nos afundamos, enquanto pessoas, enquanto comunidade, mas acima de tudo, enquanto sociedade que valoriza e permite a priorização de animais sobre pessoas. Não se compreende como se pode arranjar tempo e dinheiro para resolver problemas de pintos machos, de cães e de gatos, mas ainda hoje sejamos incapazes de chorar e manifestar pelas imensas famílias que estão sem apoio e sem voz na casa mãe da democracia portuguesa. Por princípio, todas as leis são bondosas, contudo, a nossa razão compreende que existem projetos de lei que não podemos acompanhar pela irresponsabilidade que acarretam e pelo perigo que representam na sobreposição das prioridades. E isso não quer dizer que não gostemos de pintainhos, de cães e de gatinhos; mas sim que nos importamos com o nosso semelhante e que são a nossa prioridade no futuro, conquanto que são a preocupação do presente.

 

Escreve quinzenalmente


A quinta dos animais


Por cá, quando não estamos a discutir a interrupção voluntária da gravidez ou a despenalização das drogas, os temas de referência recaem sobre o bem-estar animal.


Quando uma sociedade demonstra mais empatia com o sofrimento dos animais do que com as suas crianças ou embriões, “algo está podre no reino da Dinamarca”. A corrupção moral que grassa e se espalha por todos os quadrantes sociais é sinónimo de uma pobreza de espírito que não tem memória, por tão absurda que se revela.

A Alemanha acaba de aprovar um projeto de lei que proíbe a matança de pintos machos por estes serem muito sensíveis à dor. Esta medida entrará em vigor em 2022, confirmando a urgência que a Ministra da Agricultura deposita na erradicação desta prática que se desenrola há décadas na indústria avícola. A imposição deste curto prazo foi autista às reclamações dos empresários do setor que reivindicaram um adiamento da entrada em vigor desta norma, pelo menos, até que fosse encontrada uma alternativa aos métodos que são hoje utilizados na seleção dos pintos machos e no seu abate, evitando desvantagens económicas para os avicultores e consequente encerramento de indústrias que necessitam urgentemente de investimento para continuarem no ramo, cumprindo com as novas condições exigidas pelo ministério da tutela.

A sensibilidade da ministra para estas matérias é de louvar, e saber que ainda há pessoas que se preocupam com o sofrimento das espécies e que dão o seu contributo para melhorar o bem-estar animal é um conforto que nos deveria sossegar. Ainda a este propósito, importa referir que, em 2019, o Tribunal Administrativo Federal considerou que os interesses económicos dos criadores não poderiam estar acima das preocupações com o bem-estar animal, pelo que confirmou que o período de transição teria que ser o mais breve possível.

Não fosse a Alemanha um dos países onde o aborto é permitido até às 12 semanas e sobressairia a impressão de que o direito à vida é amplamente contemplado pelos germânicos.

Ainda lá por fora, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que declara o acesso ao aborto como um direito humano, seja em que circunstância for, sem qualquer excecionalidade inscrita. Em comunicado, o grupo de centro-esquerda Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas regozijou-se pelo Parlamento ter, finalmente, reconhecido os direitos reprodutivos das mulheres e ter ficado do lado das mulheres (numa matéria que é transversal à sociedade, envolvendo os homens e os nascituros). Num momento em que a tensão ideológica sobre género e sexualidade está a subir de tom no espaço europeu, com vozes discordantes quanto à imposição da ideologia de género instituída por minorias governantes, esta resolução soube a vitória para os defensores e apologistas destas posições fraturantes na sociedade europeia.

Por cá, quando não estamos a discutir a interrupção voluntária da gravidez ou a despenalização das drogas e a necessidade de aumentar o número de salas de chuto, apesar dos casos de morte por overdose terem subido nos últimos 5 anos, os temas de referência recaem sobre o bem-estar animal. O mais recente projeto de lei do PAN (Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza) proíbe que os animais fiquem sozinhos mais de 12 horas, que estejam acorrentados por períodos superior a 3 horas e que sejam limitados a varandas, alpendres e espaços semelhantes. Uma iniciativa que revela, à semelhança da ministra alemã, uma sensibilidade ímpar para com os animais de estimação, ambicionando um tratamento diferente daquele que existe para cães e gatos que dois milhões de portugueses acolhem nas suas casas.

A satisfação que seria possível de sentir perante tanta bondade e empatia nunca chega a manifestar-se, por que no momento em que leio estas notícias só me vem à cabeça as crianças que ficam em “casa” sozinhas, horas a fio, enquanto os pais fazem turnos duplos para que haja pão e água na mesa; as jovens grávidas que chegam à Clínica dos Arcos sem qualquer perspetiva, que não seja a do aborto, para resolverem uma gravidez não planeada; as crianças que aguardam que lhes seja atribuída uma casa, anos a fio, até deixarem de ser crianças. Os recursos financeiros que são desviados para estas leis, que vão sendo aprovadas no Parlamento por iniciativa de partidos políticos minoritários, traduzem o desgoverno em que nos afundamos, enquanto pessoas, enquanto comunidade, mas acima de tudo, enquanto sociedade que valoriza e permite a priorização de animais sobre pessoas. Não se compreende como se pode arranjar tempo e dinheiro para resolver problemas de pintos machos, de cães e de gatos, mas ainda hoje sejamos incapazes de chorar e manifestar pelas imensas famílias que estão sem apoio e sem voz na casa mãe da democracia portuguesa. Por princípio, todas as leis são bondosas, contudo, a nossa razão compreende que existem projetos de lei que não podemos acompanhar pela irresponsabilidade que acarretam e pelo perigo que representam na sobreposição das prioridades. E isso não quer dizer que não gostemos de pintainhos, de cães e de gatinhos; mas sim que nos importamos com o nosso semelhante e que são a nossa prioridade no futuro, conquanto que são a preocupação do presente.

 

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