Era um espeto que florescia. Magro, tinha nos gestos um tal ímpeto que crescia ganhando altura ao ponto de meter medo às aves de longo curso. Carlos Miguel tinha uma graça impertinente, e foi na televisão, com o popular “Fininho” (nome da personagem que interpretava nos sketches do concurso 1, 2, 3, da RTP) que se transformou num dos atores mais queridos em Portugal entre as décadas de 70 e 90. Mas tinha já um grande balanço, uma escola feita no teatro, nomeadamente em revistas do Parque Mayer. Trabalhou em todos os teatros desse bairro de alma popular, incluindo o Maria Vitória, tendo feito ali grandes amizades. Vivia há vários anos no Granho, na zona de Almeirim, concelho de Salvaterra de Magos, e sofria desde há alguns de doença prolongada. Internado no Hospital de Santarém, morreu no sábado, aos 77 anos, esquecido. “Num país com uma indústria cinematográfica sólida, Carlos Miguel teria sem dúvida sido também um impagável “característico” do cinema de comédia”, escreveu o crítico de cinema Eurico Barros.
Em Outubro de 2011, numa conversa com o actor José Raposo, no Centro Cultural do Cartaxo, manifestou-se “um grande defensor do teatro de revista e dos atores portugueses, sobretudo daqueles que ficam esquecidos, depois de tanto terem feito pelo teatro na vida”. Para Carlos Miguel, porém, a importância estava na cultura: “É a alma das coisas, sem cultura não há futuro”.
Ator, artista plástico, escritor, Carlos Miguel construiu uma carreira de cerca de 40 anos, e foi devido a um cancro nas cordas vocais, em 1998, que se viu afastado da profissão e de Lisboa, onde nascera, para se fixar naquela aldeia do Ribatejo. Regressou aos palcos, pontualmente, para encenar Não passa disto, que escreveu para o Teatro Taborda, de Santarém, e para participar em “Três na mesma cama”, no Teatro Azul, de Nuno Miguel Henriques.
Para se compensar do vazio que significou o abandono dos palcos, Carlos Miguel virou-se para a pintura, que ficou do curso da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, que também frequentou, a par do Conservatório, e a formação na área de literatura. Os 23 anos sem fazer teatro tornaram-se assim uma condenação e, ao mesmo tempo, um incentivo para que explorasse outras vias de expressão artística.
Numa nota de pesar, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou “profundamente” a morte do ator, recordando o seu percurso profissional, iniciado no final da década de 1950, tendo-se destacado “sobretudo no Parque Mayer e no teatro de revista”. “Homem do espetáculo completo, com uma dedicação incansável à arte da representação, Carlos Miguel é um dos nomes inesquecíveis da comédia portuguesa, não apenas pelo seu percurso teatral, mas também pelo seu trabalho em televisão”, sublinhou a ministra.
“A cultura portuguesa perde um artista talentoso”, prossegue Graça Fonseca, acrescentando que Carlos Miguel era “visto como imaginativo e generoso por muitos dos que com ele trabalharam e que muito fez pelo humor em Portugal, tanto nos palcos como nos ecrãs”.