Tranquilo, silencioso, reservado, um pouco tímido também, Ricardo Carvalho nunca gostou de falar para a imprensa. Tem cuidado nas palavras e no discurso, detesta ser mal interpretado. Mas tem sempre algo de diferente para dizer. Pela estima que tenho por ele, falo-lhe menos do que devia ao longo de um ano. Mas isso não faz que a gente se esqueça das conversas que tivemos, sobretudo uma que pelos vistos o marcou após termos perdido o primeiro jogo com a Grécia, no Porto, no Euro-2004. E o tempo passou, entretanto. Sempre com pressa. Ricardo perdeu com a França, em 2006 (penalti cometido por ele sobre Thierry Henry e que nunca negou), ganhou em 2016. Esteve no Mónaco, Foi adjunto de Villas-Boas no Marselha. A França já faz parte dele. Por isso, nada como trazê-lo, agora, de novo, às páginas do jornais. Vem a tempo. Vem a calhar…
Só tu e o Ronaldo estiveram em duas finais de Europeus: 2004 e 2016. Que significa isso para ti?
Primeiro é o cumprir de um sonho: jogar pela Selecção Portuguesa e ganhar uma grande competição. 2004 foi fantástico, um ambiente muito bonito à nossa volta, mas não vencemos. Uma oportunidade única desperdiçada. Andei anos a sofrer por dentro com isso. Pensei que não voltaria a ter a mesma chance. Felizmente tive. E vencemos! Podes ter a certeza de que trocava todos os outros títulos da carreira por esse de 2016!
Que sentes quando pensas na final de 2004?
Tínhamos uma ilusão enorme e não vencemos. Uma equipa que misturava alguns mais antigos, como o Figo, o Rui Costa ou o Fernando Couto, e outros mais jovens como eu, o Ronaldo, o Jorge Andrade, o Deco, etc. À distância, penso com tristeza que essa geração dos mais velhos, pela categoria que tinha, devia ter ganho algo como nós. Mereciam-no. Na altura pensei: sou novo ainda, vou ganhar uma prova como o Europeu, mais tarde ou mais cedo. Depois os anos passaram e isso não aconteceu. Não conseguíamos essa vitória. E dei por mim a pensar que, se calhar, tinha perdido de vez, em 2004, a minha grande oportunidade.
2016 serviu para vingar o 2004?
Para já, tenho de aceitar que é necessário dar um grande mérito ao Fernando Santos. Ele acreditou como ninguém. Disse, logo à partida, que só voltava a casa depois da final e isso transmitiu-nos força. Começámos a acreditar nele. Depois tínhamos, outra vez, uma equipa de grande qualidade, Mesmo não jogando bem muitas das vezes, sentíamos que os adversários tinham medo de nós. Fomos interiorizando que iríamos ganhar, etapa após etapa. E cada jogo que ganhávamos dava-nos mais confiança e preocupava mais os que tinham de jogar contra nós. Fomos ganhando força. A força que nos permitiu bater a França em casa.
A França que nos eliminou nas meias-finais do Mundial de 2006. Deve ter tido um significado especial vencer a final em Paris…
Sim, em Munique, naquele penalti do Thierry Henry. A França tem sempre grandes equipas e tinha uma equipa fortíssima. Mas eu acho que é importante, que acima do futebol e acima desta rivalidade que temos sempre com a França, dizer que a França é um país muito importante para nós, portugueses. Ao longo dos anos, recebe-nos e dá-nos trabalho… Serviu para que muitos compatriotas nossos pudessem conseguir levar vidas dignas e melhores do que em Portugal. Não gosto da forma como se olha para a França pelos olhos do futebol. A França é muito mais do que isso. Um grande país ao qual devemos muito.
Ainda te lembras bem dessa meia-final de 2006?
Sim, claro. Depois da final do Euro-2004, seguir-se a meia-final do Mundial-2006, provava a qualidade da nossa equipa. Mas a derrota de 2004 foi muito mais dura do que a de 2006. Vendo o jogo à distância, a verdade é que, contra a França, não conseguimos criar grandes oportunidades de golo. Sobretudo depois de nos vermos a perder. Trabalhámos muito, fizemos um esforço tremendo, mas não existiram oportunidades claríssimas de golo, tirando talvez uma de cabeça do Figo, à beira do fim. Por isso tenho de dizer: a França gahou bem. Já a derrota de 2004, na final, essa sim, continua a incomodar-me. Por ter sido em casa e por termos uma equipa melhor do que a deles. Custou muito.
Na véspera de jogarmos outra vez com a França, como vês esta selecção francesa? Conhece-la bem…
Vejo uma equipa muito forte em todas as fases do jogo. Muita qualidade colectiva e qualidade individual de dois ou três jogadores que desequilibram o jogo a qualquer altura. Mas também acho que vai encontrar pela frente um Portugal muito forte…
Era por aí que ia a seguir. Como vês a equipa de Portugal? Se tivesses de apostar, apostavas em quem?
Apostava em Portugal! Não era capaz de apostar contra a minha equipa, contra a selecção do meu país. Isso não. Mas, entrando no jogo em particular, diria que vai ser de grande equilíbrio e decidido nos pormenores. Duas equipas desta qualidade estarão preparadas para tudo. Aquela que cometer menos erros vai ter vantagem sobre a outra. E provavelmente ganhar.
Acreditas sinceramente que Portugal tem qualidade, força e estaleca para ganhar dois Europeus seguidos?
Repara que ainda há bem pouco voltámos a jogar em França para a Liga das Nações e podíamos ter vencido. Teria sido muito importante essa vitória, porque é a continuidade das vitórias que provoca nos adversários uma sensação de medo de nós. É verdade que perdemos depois e não chegámos outra vez à final dessa competição. O facto de termos começado a ganhar troféus é importantíssimo para o crescimento da Selecção Nacional. Essas vitórias provocam a admiração geral pela nossa equipa. Neste momento, temos uma grande equipa que ganha. E eu acredito que podemos ganhar mais e mais ainda nos tempos que se seguem porque quebrámos esse complexo das derrotas.
Tens saudades de jogar pela Selecção?
Sempre! Sempre! Tenho uma ideia muito firme de que a Selecção é a representação do meu país e poder servir o meu país é algo que me provoca muito orgulho. Por isso digo que trocava todas as taças que ganhei na vida pela Taça de Campeão da Europa que ganhei por Portugal, em Paris. Não quero ser mal interpretado e desprezar o que ganhei em termos de clubes. Mas num clube somos um funcionário, um profissional, cumprimos com as nossas obrigações. A chamada à Selecção é elevar-te aos melhores dos melhores do teu país. E, por isso, a alegria é indescritível. O orgulho que sempre senti de cada vez que vesti a camisola de Portugal não é fácil de explicar, mas sei que tu compreendes. Portugal é a minha família, o meu povo, uma parte tão enorme da minha vida. Tenho saudades, sim. Tenho tantas saudades!