Alemanha-Portugal. ‘Furor teutonicus’

Alemanha-Portugal. ‘Furor teutonicus’


Até os organizados exércitos de Roma receavam a fúria das tribos germânicas do norte. E foi Júlio César que inventou a expressão.


por Afonso de Melo, em Munique

MUNIQUE – Quem pode adivinhar o que se passa, nestes dias, na cabeça dos jogadores da seleção da Alemanha que nos esperam, hoje, na Arena de Munique, depois de terem sido derrotados pela França na primeira jornada? Certamente, um sentimento de revolta e de necessidade de vingança. Nem as antigas legiões romanas escondiam o medo que tinham quando as tribos germânicas do norte da Europa entravam em ebulição e forçavam a sua entrada através das fronteiras do império. Júlio César, que sempre alimentou um orgulho muito íntimo pela qualidade da sua escrita, inventou a expressão: «Furor teutonicus!». A raiva dos teutões, esse grupo étnico que se fartou da pequenez do seu lugar de origem, a Jutlândia, e caminhou para sul, juntando-se com os cimbros para tomarem conta da Gália e se tornarem num incómodo permanente para as cortes dos imperadores de Roma.

Em cima do Alemanha-Portugal desta tarde, a partir das 17h de Lisboa, não há grande margem para não crer que o Furor Teutonicus nos espera. Os alemães não podem adiar fazer pontos sob o risco de caírem já nesta fase do Europeu, o que seria no mínimo humilhante para um conjunto que tem andado pelas ruas da amargura como aquele 0-6 frente à_Espanha, para a Liga das Nações, tão eloquentemente exibiu.

Fernando Santos é, como todos sabemos, um treinador ponderado e cauteloso, às vezes até demais, ao ponto de bulir com os nervos dos adeptos lusitanos que estão convencidos que têm, neste momento, a melhor seleção nacional de todos os tempos. Não vou discuti-lo aqui, embora tenha uma opinião muito clara sobre a matéria. Basta dizer que considero esta equipa de Portugal perfeitamente capaz de vencer o jogo de hoje, em Munique, ajudando a equilibrar uma contabilidade terrível para as nossas cores: 10 vitórias alemãs, três portuguesas, e cinco empates. Uma superioridade absoluta que nos faz saber de cor as tão escassas vitórias portuguesas: 1-0 em 1983, num particular no Restelo, golo de Dito; 1-0 em Estugarda, em Outubro de 1985, com aquele golo vindo de Marte de Carlos Manuel; 3-0 na fase final do Euro-2000, fase de grupos, com o hat-trick de Sérgio Conceição. Pouquinho, na verdade.

Habituámo-nos a ver a Alemanha como um papão terrível e invencível que se ergue na nossa frente imundo e grosso como o mostrengo de Fernando Pessoa, voando macabramente sobre os destroços das nossas tão dolorosas derrotas, tal como sucedeu no último confronto que disputámos, o de 16 de junho de 2014, na estreia do Mundial do Brasil, em que fomos barbaramente arrasados por 4-0, dando os germânicos a sensação de que tiraram o pé do acelerador para não nos sujeitarem a vergonha ainda maior.

 

Superioridade mental

Não custa aceitar como boa a ideia que, neste momento, Portugal possui um grupo de jogadores superior ao da Alemanha. Mas também é do conhecimento de todos nós que a grande força dos alemães está no seu arsenal psicológico capaz de transformar situações negativas em positivas seja em que momento for, seja onde for. Contra a França ficou, também, na retina de quem viu o jogo com a máxima atenção possível, mudanças feitas por Joachim Löw incluídas, que esta é uma equipa sem ponta-de-lança. Gnabry jogou claramente nesse posto como um desenrasque, muito provavelmente porque Löw tem sobre Timo_Werner a mesma opinião do que nós: não faz ideia onde ficam as balizas o que lhe vale movimentos absolutamente ridículos quando deviam ser inequivocamente perigosos.

Se Portugal souber utilizar os seus jogadores fisicamente adultos na luta do meio-campo (o que faz pensar que a dupla Danilo/William Carvalho se irá repetir) e permitir aos alemães que tenham bola naqueles lugares do terreno nos quais não sabem o que fazer com ela (contra a França a posse de bola foi de 62% contra 28% a favor dos alemães), dará o primeiro passo para não perder o jogo e, com isso, garantir praticamente a qualificação nem que seja como um dos quatro melhores terceiros.

Neste momento, e depois da sua volumosa derrota em casa, a Hungria foi posta fora das cogitações, mas estamos para saber se ainda será capaz de ir buscar uma réstia de orgulho ao fundo da alma para tirar pontos a franceses e/ou a alemães, algo que não pode ser posto de parte só por causa da de ter perdido frente à seleção nacional. Um sinal para que não façamos contas para já e esperemos pelo fim da jornada de hoje para entender e que ponto ficarão todos os quatro membros deste grupo ao qual alguns chamaram o ‘Grupo da Morte’.

Outro pormenor que não se pode deixar em claro foi o de algum caos na manobra ofensiva de Portugal, com os quatro da frente – Bruno Fernandes, Bernardo Silva,_Jota e Ronaldo a meterem teimosamente o seu jogo para dentro, permitindo aos húngaros criar uma espécie de casca de tartaruga em frente à baliza de Gulácsi.

Já se sabe que Cristiano Ronaldo é, se quiser, o melhor avançado-centro do mundo (com perdão de Lewandowski). Mas não quer sê-lo. Quer poder andar livre para vaguear do meio-campo para a frente, agora, felizmente para Fernando Santos, já não recuando tanto como era hábito para se lançar nas suas cavalgadas tão típicas. O problema desta mecânica é que, de cada vez que Ronaldo caía para as alas – onde também pode ser fatal como se viu no terceiro golo contra a Hungria – não havia ninguém que surgisse no centro da ária contrária para tirar proveito das bolas que vão lá cair. Bruno Fernandes sente-se bem mais atrás, vagueando por junto da meia-lua dos adversários, e é daí que costuma desferir os seus pontapés venenosos;_Bernardo Silva tem uma certa alergia à finalização para golo, pelo que é Diogo Jota o homem que tinha de estar onde Ronaldo não está. E mesmo sabendo a simpatia que Jota tem pelas balizas adversárias, está longe, muito longe de ser o animal de área que é Ronaldo.

Vamos enfrentar, muito certamente, dificuldades e problemas que não surgiram face aos húngaros. Se estes se posicionaram para começar por não perder, procurando aqui e ali um lance longo que tirasse proveito do adiantamento crescente da equipa portuguesa, em Munique exigir-se-á um conjunto que comece a jogar mais atrás e preocupado com o início bruto que não deixará de ser o da Alemanha, a menos que de Alemanha já só tenha o nome e não a seiva guerreira que sempre os fez resolver através do sangue questões que poderiam ter sido resolvidas por palavras. Mas este Euro não está para conversas! Foi feito para que os mais fortes ditem a sua lei!