Alemanha-Portugal. Alegremente recebidos pelos nossos amigos nazis!

Alemanha-Portugal. Alegremente recebidos pelos nossos amigos nazis!


Foi há 83 anos, em Frankfurt, a primeira vez que jogámos na Alemanha, e o jogo terminou empatado: 1-1. O vice-presidente da Federação Alemã sublinhava: “É grande a afinidade de ideias políticas vigentes nos nossos dois países!”.


MUNIQUE – No dia 24 de abril de 1938, em pleno nazismo, Portugal fez o seu primeiro jogo na Alemanha, já há anos dominada pelo punho de Adolf Hitler. No grupo de jogadores escolhido pelo selecionador Cândido de Oliveira, estreia-se um jovem de 20 anos, nascido em Humpata, no concelho de Lubango, em Huíla, Angola. O seu nome era Fernando Peyroteo e iria marcar uma época no futebol português. Seguem com ele: Azevedo (Sporting), Madueño (Carcavelinhos), Simões (Belenenses), Gustavo (Benfica), o capitão da equipa, Amaro (Belenenses), Albino (Benfica), Carlos Pereira (FC Porto), Mourão (Sporting), Soeiro (Sporting), Espírito Santo (Benfica), Pinga (FC Porto), Cruz (Sporting), Galvão (Sporting), Gaspar Pinto (Benfica), Pireza (Sporting) e Valadas (Benfica). Os enviados-especiais dos jornais portugueses são já habituais acompanhantes das deslocações de Portugal, mas pela primeira vez uma rádio, a Emissora Nacional, dispõe-se a fazer um relato em direto do estrangeiro. Ayala Boto é o escolhido para a missão.

É uma Alemanha eufórica que os espera. Há menos de um mês que Hitler fizera a sua marcha triunfal de Linz até Viena, num carro aberto acompanhado por quarenta tanques. O “Anschluss” estava concluído. Hitler, que abandonara o país como um pseudo-artista pobre na sua juventude, clamava ameaçadoramente: “O momento que estamos a viver já foi vivido por outros povos alemães. Aconteça o que acontecer, o Reich alemão como existe hoje não voltará a ser dividido!” Na receção organizada em honra da delegação portuguesa, o Dr. Erbach, vice-presidente da Federação Alemã, rejubilava com a visita lusa: “Há uma necessidade absoluta de estreitar o intercâmbio desportivo entre a Alemanha e Portugal. Sobretudo por causa da grande afinidade de ideias políticas vigentes nos nossos dois países”. A máxima popular tinha aplicação a preceito: diz-me quem são os teus amigos e dir-te-ei quem és.

Perante 60.000 pessoas (nunca Portugal jogara num ambiente assim), o “team” das quinas enfrenta os alemães de peito aberto. Joga energicamente e imprime uma velocidade aos lances ofensivos que os germânicos não conseguem contrariar. Aos 17 minutos, Artur de Sousa, o Pinga, acorre a um centro de Mourão e, com um pontapé certeiro, faz o 1-0. Há um português transtornado de alegria que invade o campo com uma bandeira vermelha e verde. O jogo endurece, os alemães reagem com a sua habitual tenacidade, vão à procura do empate com um vigor físico ao qual não conseguimos responder na mesma moeda. Resta-nos a malícia, a inteligência e a habilidade de dominar a bola. É essa a estratégia. E o público assobia a incapacidade da sua própria equipa. Por mais de uma vez Portugal está à beira de novo golo. Mas Peyroteo, o homem de todos os golos, acusa por demais a sua estreia internacional e perde duas oportunidades fáceis. A fadiga instala-se no conjunto luso e a pouco mais de um quarto-de-hora do final, Siffling faz o empate. Apesar de tudo é ainda um resto de dignidade dos homens que vestem de vermelho que obriga Jakob a uma defesa notável a remate de Cruz.

Elogios O Völkisher Beobachter sublinhará nas suas páginas: “Impulsivos e resistentes, os portugueses são treinados segundo os princípios mais modernos do futebol latino, dispondo de táctica e recursos técnicos importantes. O Frankfurter Zeitung ajunta: ”O grupo português pode muito bem comparar-se com os melhores “onzes” da Europa central. E o seu guarda-redes, Azevedo, lembrou, em alguns momentos, o período áureo do espanhol Ricardo Zamora”.

Uma onda de amizade junta as delegações de ambos os países num banquete bem regado. Estamos com os nossos, disso não restam dúvidas. Já assim fora dois anos antes, a 27 de fevereiro de 1936, quando a Alemanha desembarcara em Lisboa por entre a alegria geral de quem recebe um grupo de amigos próximos, de verdadeiros companheiros de estrada. Foi a primeira vez que portugueses e alemães se defrontaram num jogo de futebol e, apesar de Vítor Silva ter igualado, aos 34 minutos, o golo de Karl Hohmann (aos 20), a Alemanha venceu sem grande dificuldade com mais dois golos, apontados por Kitzinger (48m) e por Ernst Lehner (52m). A II Grande Guerra não tardaria a explodir por toda a Europa, seria preciso esperar dezasseis anos para voltarmos a enfrentar os alemães. Em dezembro de 1954 – exibiam eles orgulhosos a sua condição de campeões do Mundo conquistada na Suíça no Verão anterior.