Hungria-Portugal. Mostrem que são melhores se não a malta desconfia

Hungria-Portugal. Mostrem que são melhores se não a malta desconfia


Hoje (17h de Lisboa), Portugal começa a defender frente à Hungria, que joga em casa e com estádio cheio, o seu título de campeão da Europa. Somos melhores? Somos! Sem dúvida. Mas convém começar já a mostrá-lo.


É aqui, no centro da Europa, nas margens do Danúbio, nascida da fusão entre a metade direita (Buda) e a metade esquerda (Peste, ou Pescht, como eles dizem – já que é o cabo dos trabalho para perceber a letra, que se decore a música) – no coração que faz viver a Hungria, que Portugal vai começar a defesa do seu tantas vezes ansiado e tantas vezes adiado título de campeão europeu de futebol, aqui para nós uma herança deixada pela Espanha (vencedora em 2008 e 2012), como se nos tivéssemos irmanado para impedir que a Taça Henry Delaunay deixasse a Península Ibérica, esse quadrado a ocidente do continente que teve, um dia, o atrevimento de dividir o mundo em partes iguais tendo o Papa como árbitro.

Não se pode afirmar, por aquilo que o povo vai dizendo, aqui e ali, que haja do lado dos adeptos húngaros grande dose de optimismo. A opinião generalizada daqueles com que fomos trocando conversas de circunstância é que a Hungria tem uma equipa e Portugal uma espécie de constelação de estrelas, que os dados já foram lançados e a selecção magiar não está destinada a atravessar este Rubicão português, nem que esteja aí a boiar na memória, o empate de Lyon, em 2016, tirado em cima da linha de chegada, para ensinar que as coisas não serão obrigatoriamente como se imaginam.

Népstadion Estádio do Povo: era assim que se chamava quando foi construído entre os anos de 1948 e 1953, à custa da mão de obra popular e, sobretudo, militar. O lugar onde a grande Hungria trucidou tantos adversários, a começar pela presunçosa Inglaterra, em 1954 (7-1), depois de no ano anterior ter ido a Wembley vergar a cerviz aos ingleses por 6-3. Mas até os gigantes se abatem.

E uma Alemanha Ocidental, ao tempo insignificante, tirou das mãos húngaras, no Mundial da Suíça, precisamente nesse ano de 54, a Taça do Mundo que ninguém acreditava poder vir a ter outro dono senão aquele que passara mais de três anos e meio sem conhecer o amargo sabor da derrota. O estádio tem, hoje, o nome de um dos heróis desse tempo, Ferenc Puskás (Puschkásch) e os húngaros ainda têm essa derrota marcada na pele como ferro em brasa, o que os faz ser um pouco como nós, descrentes à superfície mas com uma luzinha de esperança lá no fundo que sentem vergonha de exibir publicamente.

Hungria-Portugal rescende a História como os campos de Portugal rescendem a rosmaninho nestes dias em que parecemos todos querer regressar à vida com uma voracidade compreensível, fartos que estamos de controlos e inspecções, de estigmas e proibições que pareciam não ter fim e ainda estamos para ver se o terão ou não. O jogo que nunca perdemos e já tem 95 anos de existência, como contámos aqui, nestas páginas, desde 26 de Dezembro de 1926 (3-3), até 3 de Setembro de 2017 (1-0, o último), nove vitórias e quatro empates, e que daria jeito não abrir excepções para logo à tarde, quando forem 17h em Lisboa e as duas equipas subirem ao relvado.

Chatices Desde o sorteio para a fase final do Euro-2020 chutado para 2021 por via da maldição da covid, que sabemos que o grupo onde fomos cair iria trazer uma quantidade de chatices dignas de uma infestação de piolhos e lêndeas – ou seja, não temos forma de nos coçarmos.

Com Alemanha e França a resolverem, em Munique, as questões que têm para resolver – e como são antigas e permanentes as questões entre ambos em tantas facetas da existência – sabemos que um deles, ou os dois, irão perder pontos. E assim sendo, três pontos para a Equipa-de-Todos-Nós, como lhe chamou Ricardo Ornellas, agora à beirinha de comemorar o seu centenário, pôr-nos-ia na confortável posição de um arranque proveitoso em todos os aspectos.

Que Portugal teremos em campo, independentemente dos nomes que irão compor o onze do engenheiro Fernando Santos, é a pergunta que se faz pelos cafés de terra em terra, lá do alto de Meixedo aos fundilhos de Moncarapacho. No geral andamos sempre pelas meias-tintas.

A um jogo em cheio, daqueles de ficarem colados às retinas, a outros bocejantes, de voltas e voltinhas sem grande objectividade, temos vivido nos últimos anos, embora se reconheça que cumprindo minimamente as obrigações inerentes a um campeão da Europa – poder-se-ia dizer que o Mundial da Rússia teve algo de frustrante e que era evitável o segundo lugar no grupo de qualificação, com três pontos a menos do que a Ucrânia. 

A ainda recente derrota em casa com a França (0-1), para a Liga das Nações, mostrou-nos que, se calhar, também não somos assim tão bons como nos convencemos. E o empate com a Espanha (0-0), no primeiro dos jogos de preparação, também assentou numa amostra sensaborona de uma equipa à qual não deviam faltar nem temperos nem especiarias. Ainda por cima dois golos a zero, quando a maior virtude de Portugal é a sua capacidade de criar oportunidades de golo.

Bem, é só a Hungria, dirão alguns, ferrando os pés no chão. Verdade insofismável. Mas com o senão de não ser só a Hungria, pois os outros dois jogos seguem-se num abrir e fechar de olhos. O facto de os quatro melhores terceiros também acederem aos oitavos-de-final põe-nos no ritmo do Europeu do nosso contentamento, o de França, há cinco anos, onde as críticas (várias absolutamente justas) tiveram de ser engolidas com o travo a prata da taça que foi para Lisboa. Mas, se a história muitas vezes se repete, há que recordar que a nossa vida não.

Este é daqueles momentos em que um campeão mostra a sua garra, o seu estilo, e tira tudo o que puder tirar das suas virtudes. No jogo que nunca perdemos, cumpramos a estatística, se não pudermos tirar dele mais qualquer coisinha..