O título poderia ainda ser “a estirpe britânica e as outras mutações” ou como gostamos de nos enlear em listas estratosféricas, sem cuidar de quem tem os pés bem assentes na terra e não consta de nenhuma lista com ordem de prioridades de acesso a bens e serviços.
Em Portugal gostamos de listas, das que são elaboradas por ação e das que resultam da inação, da desatenção ou da irrelevância dos assuntos para quem tem poder de influenciar ou decidir. Somos assim, temos listas de espera na saúde, na habitação, no acesso aos apoios do Estado e até para aceder à reforma; constamos de muitas listas, algumas positivas, na segurança, algumas negativas, na dívida pública.
Ter listas e fazer parte de listas faz parte do nosso quotidiano como cidadãos, comunidades e coletivo erigido em nação. Portugal é um país às listas. O problema estrutural, logo, de sempre, é quando a lista não resulta da vontade própria, mas dos impulsos de terceiros e embarcamos na rabugice de querer agradar ao decisor num misto de desespero pelo estado de necessidade e exacerbada intenção em querer exportar a sublime arte do desenrasca.
Há muitas listas que não resolvemos por ausência de vontade política e de ação consequente sólida, sustentada e focada nas pessoas e nos territórios, vistos numa lógica de interesse geral. A lista do desequilíbrio entre o litoral e o interior, entre a forma como são tratados Lisboa e o Porto e os restantes, entre os que estão no público e os que trabalham no privado, entre os que se relacionam com a justiça na lógica das garantias e os que apenas a ele acedem no quadro dos deveres, entre os que estão integrados no sistema e os que gravitam à margem, sem voz, atenção e expressão. As listas negativas são extensas, ao ponto de convergir para a realidade nacional a tirada de Vasco Santana na Canção de Lisboa: “Listas há muitas!”.
E depois há as listas que não dependem da nossa vontade, embora alguns queiram fazer passar a imagem e concretizem demonstrações de serviço entre a boa vontade e a sabujice, com narrativas internas que insultam qualquer ajuntamento de neurónios presente em qualquer português, num exercício de tragicomédia política com maus resultados efetivos.
Dois confinamentos severos e outros tantos picos de ocorrências que fustigaram o Serviço Nacional de Saúde em limiares de exaustão e de rotura tiveram relevantes impactos sociais e económicos num país excessivamente dependente do turismo para a sobrevivência e para a vivência em crescimento gerador de receitas para o investimento e a redistribuição.
O país começou a desconfinar e a vaca que voa começou a querer manifestar-se sob a forma de crença cega no bom senso geral, quiçá universal, de circunstâncias e oportunidades em que essa característica não está presente, por sobreposição da emoção em relação à racionalidade.
Os inevitáveis festejos do título do Sporting em Lisboa foram mal-organizados. Lisboa foi fustigada a norte com os tradicionais e bacocos epítetos Norte/Sul, ao que se seguiu uma oportunidade para reafirmarem a excelência da “cumbersa” no concreto: a final da Champions, na Oporto Wine City, com duas equipas inglesas e charters de ingleses alegadamente em bolhas.
O Bolhão britânico, de bolha, não do mercado em obras, correu mal, como seria de esperar num país de fronteiras abertas e de desestabilizações do controle de fronteiras em cursos, por teimosia e inabilidade política. Uns perderam uma oportunidade para estar calados, muitos viram ampliada lista de exemplos de dois pesos e duas medidas na imposição de limitações a uns e libertinagem para outros, com evidentes prejuízos para a autoridade do Estado, a legalidade e legitimidade para continuar a impor sacrifícios em matérias de liberdades.
O Estado, pela mão do Governo e de mãos dadas com a Câmara Municipal do Porto, pode ter feito um agrado turístico aos agentes locais e aos britânicos e um salamaleque desportivo à UEFA, em véspera de apresentação de candidatura ao Mundial de 2030, mas para a generalidade dos portugueses, pelo exemplo e pelas consequências, a Champions não passou dos Distritais.
Ampliou-se lista da irresponsabilidade e os britânicos retribuíram com exclusão de Portugal da lista dos corredores verdes, remetendo a nação para um exercício político que alterna entre os ziguezagues e os solavancos, qualquer um dos dois, incómodos para a coluna vertebral, para quem a tem ou tenta manter.
Portugal está na lista amarela, dizem. Há muito que, em demasiadas coisas da gestão da res publica, estamos no semáforo vermelho ou na lista negra. Mais coluna, senso e visão, além da espuma dos dias, evitávamos a profusão de listas e o Portugal às listas, às vezes por inação, outras por estarmos de cócoras, dentro e fora do território. Os princípios, os valores e a democracia estão com demasiadas mutações, por gente de todas as estirpes. No fim, pagam os de sempre, medram os populismos.
Notas Finais
Passadeiras. Governar está a transformar-se num leilão em que o interesse geral, a floresta das realidades, é sacrificada por interesses particulares, nichos eleitorais e imposições de gosto de alguns em relação ao todo, sem pingo de respeito pela diversidade. O problema é que a pulverização promovida pelas soluções governativas e pelas oportunidades geradas aos populismos vão fazer chegar o registo ao nível local. Nos Açores já está em vigor.
Zebras. Depois de tantas expressões de unilateralismo é positivo que o G7 tenha aprovado a aplicação de uma taxa mínima de 15% sobre empresas que atuam a nível global como a Google, Facebook e a Amazon. As dinâmicas globais precisam de respostas multilaterais globais. O princípio é positivo, a aplicação vai confrontar-se com os interesses particulares, os egoísmos nacionais que, no caso da Irlanda, até tem o ministro das finanças a presidir ao Eurogrupo.
Mira Técnica. O funcionamento do mercado pode ser selvagem. Agora, ter um regulador do mercado selvagem é mais uma singularidade nacional. Com o leilão do 5G em curso (100 dias!!!), o regulador ANACOM resolveu mudar as regras do jogo a meio. É um misto entre selvajaria e incompetência, perante a complacência da República.