Copa América. Afinal, vai-se dançar o samba e não o tango

Copa América. Afinal, vai-se dançar o samba e não o tango


A maior competição de futebol de seleções no continente americano arranca a 13 de junho, no Brasil. O país vai acolher o evento pela segunda vez consecutiva, e os argentinos não gostaram nada de perder a vaga por causa da covid. Só que o Brasil não é o melhor exemplo no combate à pandemia..


A maior competição de futebol de seleções no continente americano arranca a 13 de junho, no Brasil. O país vai acolher o evento pela segunda vez consecutiva, e os argentinos não gostaram nada de perder a vaga por causa da covid. Só que o Brasil não é o melhor exemplo no combate à pandemia…

O Brasil vai repetir o papel de anfitrião na Copa América, que recebeu também em 2019, tirando assim a vaga à Argentina. Os vizinhos do sul acabaram por desistir da organização do evento, semanas antes do arranque. No duelo entre os dois grandes rivais sul-americanos, desta vez, os brasileiros ficaram com a parte maior do osso da sorte… isto é, se a competição não causar um aumento de casos de covid-19 no país, que se debate com uma das situações mais alarmantes da pandemia desde o seu início.

Órfã de anfitrião após a retirada da Argentina e da Colômbia, a Copa América encontrou o seu Messias, literalmente. Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil, aprontou-se a oferecer o país como palco para a competição, a cerca de duas semanas do apito inicial.

Se os brasileiros se mostraram contra a realização do evento no país, por receio do aumento do número de casos de covid-19, a seleção argentina também mostrou o seu desagrado pela mudança da sede do campeonato. Os albicelestes – que não vencem a Copa América desde 1993 – mostraram-se furiosos com a Federação de futebol do país, por deixar escapar a organização do evento. A Argentina – que é o país que mais vezes recebeu a organização da Copa América (9) – viu assim escapar-lhe por entre os dedos a possibilidade de tentar acabar com o jejum de títulos em casa, perdendo esse fator de “vantagem” para os vizinhos brasileiros. Tal foi a raiva que, segundo avançaram alguns meios desportivos internacionais, os jogadores argentinos estão em complô para realizar um boicote à competição, contactando colegas de outras seleções com o objetivo de levar a cabo um protesto global, ao não surgir em campo.

Uma das vozes que se levantou contra a realização do evento no Brasil foi a de Sergio Agüero, o argentino recém-contratado pelo FC Barcelona. “Se está complicado no Brasil, não dá para jogar. É preciso achar um lugar bom, mas não há tempo. Como jogadores, queremos jogar. Hoje, há muitas infecções por covid-19 aqui e temos que cuidar de nós mesmos”, revelou na chegada ao país natal para se juntar aos colegas de seleção. Já Chilavert, antigo guarda-redes da seleção paraguaia, definiu como “uma loucura” e “uma aberração” a organização do evento no Brasil, apelando ao boicote dos jogadores.

 

Governo confiante

Distrito Federal (onde fica Brasília), Rio de Janeiro, Mato Grosso e Goiás vão ser o palco dos jogos da Copa América, que arranca a 13 de junho, e que não deverá ter público nas bancadas, segundo avançou o Executivo brasileiro.

“O Brasil sedia jogos da Libertadores, Sul-Americana, sem falar nos campeonatos estaduais e brasileiro, não poderia virar as costas para um campeonato tradicional como este”, defendeu Luiz Eduardo Ramos, ministro da Casa Civil. Este é, aliás, o maior argumento do Executivo de Jair Bolsonaro, que garante que o Brasil está “preparado” para receber este evento, graças à experiência na área.

Os anúncios levantaram polémica, e várias vozes no país – desde cientistas e especialistas em saúde até outros políticos – fizeram ouvir as suas críticas à chegada da competição. Aliás, já deram até entrada no Supremo Tribunal Federal brasileiro várias petições para anular a autorização do Executivo brasileiro, que ficou obrigado a apresentar, nos próximos dias, o plano de como irão ser preparados os jogos da competição no país.

Ainda assim, Jair Bolsonaro mostrou-se certo de que o torneio irá seguir avante no Brasil. “Considero, da parte do Governo federal, […] assunto encerrado. Todos os meus ministros são favoráveis à Copa América no Brasil com os mesmos protocolos das Eliminatórias (da Copa do Mundo) e da Libertadores. Caso encerrado”, concluiu o Presidente brasileiro.

 

Pedidos de boicote

Uma das figuras mais críticas do Governo de Bolsonaro, e da decisão de levar a Copa América ao Brasil, é o senador Renan Calheiros, que definiu a competição como o “Campeonato da Morte”. Calheiros fez um apelo público ao internacional brasileiro Neymar Jr., a quem pediu que não pisasse o relvado na Copa América “enquanto seus amigos, seus parentes e seus conhecidos continuam a morrer e a vacina não chega ao país”. Cada vez mais se cria um ambiente semelhante àquele que levou, em 1978, Johan Cruijff, a negar-se a participar no Campeonato Mundial de futebol, que se jogava na Argentina, país então debaixo da ditadura de Jorge Videla.

“Não é esse o campeonato que precisamos agora de disputar”, continuou o senador, que deixou ainda mais dicas: “Precisamos disputar o campeonato da vacinação. É esse o campeonato que precisamos disputar, ganhar.”

No campeonato da vacinação, o Brasil ocupa “um dos últimos lugares”, continuou, enquanto que no campeonato da morte, é “campeão”. “A seleção brasileira não pode concordar com isso. UTIs e cemitérios estão lotados. Em que condições vamos comemorar um golo do Brasil?”, concluiu ainda Calheiros.

 

Sindicato contra

O sindicato internacional de jogadores profissionais de futebol (FIFPro) levantou também algumas dúvidas sobre a organização do evento com tão pouca antecedência no país. “Além de ser curto prazo, o host alternativo está a lidar com um número alarmante de casos COVID-19. Realizar um torneio nessas circunstâncias requer uma preparação avançada extremamente boa. Portanto, esta decisão pode ter sérias implicações para a saúde dos jogadores de futebol profissionais, funcionários e público em geral”, pode-se ler num comunicado oficial do sindicato, que garantiu ainda que “apoiaria totalmente qualquer jogador que decida retirar-se do torneio por razões de saúde e segurança”.

 

Mudança de última hora

A Copa América 2020 foi adiada para o ano de 2021, devido à pandemia mundial da covid-19. A Colômbia, que deveria ser um dos países-anfitriões, perdeu os direitos de organização do evento após fortes protestos no país. O mesmo aconteceu algumas semanas depois com a Argentina, devido à incidência do novo coronavírus no país.

O Brasil, com os seus 210 milhões de habitantes, conta 68 milhões de doses da vacina contra a covid-19 aplicadas. Desde o início da pandemia, foram registados mais de 16 milhões de casos, e mais de 465 mil óbitos, o que coloca o Brasil em oitavo lugar na lista de mortes por covid-19 per capita. Agora, o país enfrenta o desafio de organizar um evento da magnitude da Copa América em pouco mais de duas semanas. Sem público nas bancadas, ou pelo menos é essa para já a informação avançada pelo Executivo, a chegada de centenas de jogadores e equipas técnicas causam na população o receio de um ainda mais intenso aumento de novos casos no país, que, avançam alguns especialistas, poderá estar à porta de uma nova vaga de infeções.