Dia 20 de junho celebra-se o Dia Mundial dos Refugiados. No final do ano de 2019, segundo os dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), registavam-se 26 milhões de refugiados em todo o mundo e 45,7 milhões de pessoas deslocadas internamente, em resultado de guerras, conflitos armados ou violação dos direitos humanos. Em 2018, os números de deslocações forçadas alcançaram o expoente máximo, desde que o ACNUR começou a monitorizar estes movimentos migratórios, sendo que a pandemia possa ter sido a causa de estabilização dos números e, até mesmo, de diminuição casuística – o que inquieta os responsáveis políticos e as organizações humanitárias quando a normalidade estiver restabelecida e as rotas marítimas e as terrestres voltarem a ser o caminho para muitos dos que procuram melhores condições de vida e um futuro mais promissor.
Por cada dois segundos que passam, existe uma pessoa que se torna deslocada, com maior incidência nos países mais pobres do mundo; um em cada dois refugiados, tem menos de 18 anos; e, em 2018, registaram-se 111 mil crianças refugiadas que estavam completamente sozinhas, sem pais ou acompanhantes adultos que fossem responsáveis por elas.
Entre junho e dezembro de 2019, ocorreram cerca de 2600 mortes no Mediterrâneo, consequência de embarcações que não foram socorridas atempadamente ou de estados de saúde fragilizados de quem conseguiu desembarcar em terra firme, mas não sobreviveu ao final da viagem. Com a pandemia, esta situação agravou-se, seriamente, com o encerramento dos portos marítimos dos países de destino (Itália, Malta, Grécia, Espanha), com os países da União Europeia a reduzir significativamente as operações de busca e salvamento e com as ONG’s a serem impedidas de resgatar náufragos em alto-mar.
Um cenário que passou a fazer parte dos nossos jornais diários, com fotografias arrepiantes de cadáveres a darem à costa, perante a indiferença da maioria dos governos da União Europeia. A resistência dos países membros da UE aos requerentes de asilo e refugiados contrasta com os números que atestam que os países em desenvolvimento são responsáveis por acolher um terço de todos os refugiados do mundo, sendo que, em média, os países mais ricos acolhem 2,7 refugiados por cada mil habitantes, enquanto que os países em desenvolvimento têm um rácio de 5,8 refugiados por cada mil habitantes. Obviamente que a questão da proximidade geográfica e o facto de muitos refugiados procurarem asilo nos países vizinhos, contribuem para que haja uma maior concentração destas populações migrantes em países de acolhimento, como a Turquia, o Paquistão, Uganda, Líbano e Irão. Cerca de 80% dos refugiados vivem em países vizinhos aos de origem.
Segundo o ACNUR, em 2019, apenas 10% dos refugiados e uma porção das pessoas deslocadas internamente viviam as suas vidas na União Europeia, o que significa que a percentagem de refugiados na UE representava 0,6% da população total. Se em 2018 se verificaram 2,2 milhões de pessoas a imigrar para o espaço europeu, também se constatou que quase um milhão escolheu emigrar; mais, registaram-se 4,2 milhões de nascimentos e 4,7 milhões de óbitos, o que representou um saldo negativo em meio milhão de habitantes, não fosse o fluxo imigratório compensar este recrudescimento da população envelhecida.
A linguagem dos números é muito evidente e facilmente cumpre todos os requisitos para um argumento bem-sucedido em matérias que apoiem a causa dos refugiados e o papel que a União Europeia deve assumir no acolhimento destas pessoas. Mas é também a mais básica e pobre quando nos referimos a vidas humanas, ao sofrimento e às futuras gerações que nascem sem qualquer esperança, proteção e com acesso a bens essenciais ao seu crescimento.
É inacreditável que com todos os discursos humanitários e de igualdade de direitos que proliferam pelos mais variados meandros políticos, económicos e sociais, este assunto não esteja na agenda do dia e com prioridade máxima. Poderia aqui, facilmente, atribuir a total desresponsabilização política aos partidos de esquerda europeus e nacionais que preferem causas muito mais mediáticas, mas das quais não dependem a sobrevivência de vidas penduradas por fios tão ténues que são quase invisíveis. A simples razão de não apontar o dedo à esquerda política é porque considero que não pode ser uma questão política e de agenda partidária, mas sim de congregação de todas as forças políticas responsáveis e humanistas.
A conivência instalada de um cinismo político que insiste em não querer assumir uma posição clara sobre o acolhimento destas pessoas tem que terminar e deve começar a ser exigida uma política justa que não só apoie os países recetores que estão numa primeira frente do problema (Itália, Malta, Grécia, Espanha) como também os países devem honrar e cumprir os compromissos legais que assumiram em matéria de recolocações. A maioria dos estados-membros está muito aquém do cumprimento dos compromissos que foram estabelecidos. No caso de Portugal, assumimos a receção de 2951 pessoas, contudo os últimos números disponíveis indicavam que tínhamos acolhido pouco mais de 1500 pessoas; França comprometeu-se a receber 19.714 e só contava com cerca de cinco mil, em Espanha passa-se o mesmo, assim como na Polónia e na Holanda e muitos mais. Só Malta e a Irlanda superavam o número que haviam estabelecido para acolhimento.
As falhas que estão na base da prorrogação desta calamidade são de responsabilidade partilhada, quer entre a União Europeia – e aqui há uns que dificultam a convergência para as medidas necessárias à resolução desta crise – e das autoridades líbias. Mas não só, há inequivocamente uma ausência da sociedade civil em acompanhar com profundidade o que se passa nas águas azuis do Mediterrâneo e nas praias de areia fina que ficam distantes do roteiro turístico e onde desembarcam os desafortunados deste mundo, sem outra alternativa possível, a não ser a de fugir da guerra, da fome e da perseguição de que são alvo.
Escreve quinzenalmente