Por que temos de importar tantos alimentos?

Por que temos de importar tantos alimentos?


Quando as fronteiras nacionais fecharam por causa da pandemia, muitos pensaram que a autossuficiência alimentar seria uma boa ideia para o país. Mas dois responsáveis da indústria agro-alimentar explicam por que teremos sempre de importar alimentos – seja de Espanha, seja dos antípodas.


Com o avanço da pandemia de covid-19, sobretudo no início, com fronteiras fechadas, incerteza nos abastecimentos, correrias aos produtos essenciais – até a algo tão elementar como o papel higiénico –, não faltou gente a pensar que a autossuficiência alimentar talvez fosse um objetivo relevante para Portugal. Se houve, de facto, uma quebra nas importações em 2020, olhando para os dados, não é esse o rumo do país. Sim, houve um aumento das exportações na última década, mas continuamos a importar muito mais, com as importações alimentares a rondar os 3 mil milhões de euros e as exportações nos 2,8 mil milhões de euros.

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Basta entrar num supermercado para reparar que, mesmo no que toca a produtos frescos, como hortícolas, fruta, carne, boa parte deles vem de longe – seja de Espanha, aqui ao lado, seja do outro lado do planeta, até da Nova Zelândia, com todos os custos ambientais que o seu transporte acarreta. Contudo, muitas vezes, não é apenas porque esses produtos venham de sítios com mão de obra mais barata – apesar de mesmo os produtos portugueses poderem ser resultar de condições de trabalho pouco dignas, como o surto de covid-19 em Odemira deixou bem claro. Frequentemente, o problema é não resistirmos àquele produto delicioso que nos deixa com água na boca. Mesmo que não esteja disponível na produção nacional.

Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), sabe por que Portugal importa tantos alimentos. “Sem estar com rodeios, uma parte da resposta tem a ver com os ciclos da natureza”, começa por explicar. “Você agora vai ao supermercado, estão lá uvas, mas as uvas têm de vir do Peru ou do Chile, porque no hemisfério norte não há uvas nesta altura, é impossível. Mas o consumidor quer essas uvas, logo são importadas. E ele compra e come aquilo. O mesmo com as cerejas no Natal. Nessa altura não há cerejas, as cerejas vêm do hemisfério sul. Com a globalização do transporte e da economia, isso acontece”, resume o responsável.

“Você tem cereja aqui, no Natal, a 25 euros o quilo. Como eu costumo dizer, é só para senhoras grávidas comprarem, para os miúdos não nascerem com a boca aberta, de resto ninguém compra”, brinca o secretário-geral da CAP. “Provavelmente irá observar o contrário no hemisfério sul, com a uva que exportamos daqui para lá, na altura das vindimas cá, quando eles não tem, para os consumidores mais ricos”.

Mas essa não é ainda a história toda. “Essa é uma parte da razão. A outra tem que ver com os protocolos de transporte das cadeias, a maioria das quais são hoje multinacionais, que aproveitam compras de produtos num país para levar outros. Por exemplo, se um supermercado for comprar produtos na Polónia pode aproveitar para, no caminho, levar produtos para lá. É uma forma de rentabilizar os transportes, em vez de vir um camião vazio”.

Contudo, muitas vezes não é só uma questão de conveniência, é mesmo de necessidade, faz questão de salientar Pedro Queiroz, diretor-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares. “Apesar de poder dizer, sem hesitações, que somos um país que produz com muita qualidade, às vezes falta dimensão, o que rapidamente afeta a questão do preço”, refere Queiroz.

“Acho que há potencial para Portugal apostar no valor acrescentado, admito que no retalho haja espaço para tudo, também para produtos de maior volume a preços mais baixos, mas tem de haver, cada vez mais, uma boa articulação na cadeia de valor. Para que aquilo que são produtos de valor acrescentado possa estar no retalho com uma distribuição justa desse valor”, salienta o dirigente da indústria agroalimentar. “Compreendo que as empresas de retalho procurem encontrar vantagem comercial, ou até que, em alguns produtos, não consigam abastecer-se o suficiente em Portugal. Mas sinto que – apesar de não representar as empresas de retalho – ainda estão a abastecer-se muito fora do país”.

“E, ao abastecermo-nos mais a nível de proximidade, no que toca a matérias-primas, vamos estudando novas oportunidades de intensificar a produção. Porque os agricultores, para produzirem, precisam de confiança no seu escoamento das matérias-primas”.

 

Da produção à mesa

Entre as empresas do setor que responderam às questões do i – o Auchan Retail Portugal, o Pingo Doce e o DIA, através da sua diretora comercial, Helena Guedes –, todas sublinham o compromisso com a venda de produtos nacionais, por motivos ambientais, sociais. E notando crescente procura da parte dos consumidores portugueses por estes produtos.

“Em 2020, cerca de 80% das compras totais do Grupo em Portugal (cadeias Pingo Doce e Recheio) foram feitas a fornecedores nacionais”, disse, em email, fonte do grupo Jerónimo Martins. “Na Auchan damos preferência à produção nacional, sendo que cerca de 90% dos nossos produtos frescos são comprados a fornecedores nacionais”, notava outra das respostas enviadas ao i. “Temos uma forte aposta na produção nacional que se traduz em mais de 90% de compras”, garantiu o DIA.

E os produtos de origem estrangeira? Os responsáveis do retalho explicam o que pode estar na origem da importação de alimentos. Dada a “extrema qualidade” da produção portuguesa, “a procura de produtos fora do mercado português apenas ocorre quando a oferta local não garante as quantidades que necessitamos”, ressalva o DIA. “Optamos por fornecedores internacionais somente quando determinado produto não se encontra em Portugal ou complementa um diferente momento de comercialização (ex: camarão de Madagáscar, Salmão da Noruega)”, acrescenta o Auchan.

“Nem sempre é possível encontrar em Portugal os produtos e as condições que os consumidores esperam encontrar nas nossas lojas, tornando-se necessário recorrer à importação”, admite o Pingo Doce. Exemplificando que isso pode acontecer por “motivos de sazonalidade”, por falta de existência do produto – “salmão, bacalhau, algumas frutas tropicais” – ou “quando a quantidade produzida em Portugal é insuficiente para abastecer as mais de 400 lojas Pingo Doce”.