Michael Collins, o homem mais sozinho do mundo

Michael Collins, o homem mais sozinho do mundo


Morreu, aos 90 anos, o astronauto que ficou em órbita em 1969 enquanto Neil Armstrong e Buzz Aldrin desciam e se tornavam os primeiros homens a pisar a superfície da Lua.


«Vão com calma, rapazes», foi o que ele disse pelo rádio aos companheiros, que estavam prestes a experimentar o sabor de fazer História. Enquanto Neil Armstrong e Buzz Aldrin davam os primeiros passos pela humanidade inteira na superfície da Lua, Michael Collins foi o astronauta que ficou em órbita, aguardando o regresso dos seus parceiros nessa missão épica que foi a Apolo 11, e isto atravessado pelos piores receios aos comandos da nave-mãe,  tendo confessado mais tarde, nas suas memórias (Carrying the Fire), publicadas em 1974, que o maior «terror secreto» que levava debaixo da pele era a ideia de ter de deixar Armstrong e Aldrin para trás, regressando sozinho à Terra. Levava o espírito carregado por esse cenário catastrófico, e o pior era a consciência de que cumpriria a sua missão, fosse como fosse. O suicídio ficaria com ele, em suspenso, como uma unha a raspar na parte mais desolada da sua alma, caso regressasse a casa sozinho, sabendo que isso iria transformá-lo num «homem marcado para toda a vida». Que morreu, aos 90 anos, nesta quarta-feira e que fica conhecido não tanto por ser um dos primeiros três homens a chegar à Lua em 1969, mas pela solidão terrífica que experimentou ao ter ficado para trás, enquanto os companheiros prosseguiram a bordo do módulo Eagle para pisar o solo lunar. Diante da última fronteira, Michael Collins surge-nos como o ‘homem mais solitário do mundo’, aquele que foi mastigado no seu íntimo pelas piores dúvidas enquantoArmstrong e Aldrin reclamavam aquele pequeno passo para o Homem, mas gigantesco para a Humanidade.

Foram mais de 21 horas as que passou sozinho até ao regresso dos outros dois, e mesmo o sucesso da missão fez dele, de volta à Terra, a personagem mais recuada nesse triunfo, acabando muitas vezes por ser descrito como o astronauta ‘esquecido’ da histórica missão Apolo 11. Em certos momentos, ao passar pelo lado negro da Lua, Collins não apenas perdia o contacto com os dois homens que deixara lá em baixo como a ligação ao controlo em Terra, em Houston. «Desde Adão que nenhum humano conheceu tanta solidão quanto Mike Collins», lia-se no relatório da missão, referindo esses períodos de alguns minutos que Collins passou na zona mais funda do silêncio, sem saber o destino dos outros dois tripulantes.

Até ao fim, Collins teve de se debater com essa pedra que o silêncio assenta na zona mais baixa, mais funda que se encontra num homem, e a família adiantou nas redes sociais que Collins acabou por sucumbir depois de «uma corajosa batalha» contra um cancro. «Ele passou os seus últimos dias pacificamente, com a sua família ao lado. O Mike sempre enfrentou os desafios da vida com graciosidade e humildade, e enfrentou isto, o derradeiro desafio, da mesma maneira».

Ao registar a sua perspectiva da alunagem, Collins teve uma das mais clarividentes impressões do que haviam deixado para trás. Achou o nosso planeta muito belo e sereno, mas também  se deu conta do seu aspecto «frágil». «Acredito mesmo que, se os líderes políticos deste mundo pudessem olhar para o planeta a uma distância de 160 mil quilómetros, mudariam profundamente a sua visão. Perceberiam que essas fronteiras importantíssimas são invisíveis».

Nascido em Roma, a 31 de Outubro de 1930 – o mesmo ano em que nasceram Aldrin e Armstrong -, Collins era filho de um general norte-americano e frequentou a mesma escola militar que o pai, em Nova Iorque, onde se formou em 1952. Começou a sua carreira como piloto de testes na Força Aérea norte-americana e, em 1963, foi escolhido pela NASA para o então embrionário programa de astronautas, que ambicionava colocar o primeiro homem na Lua até ao final da década, como viria a acontecer. Os EUA estavam a tentar recuperar o atraso na corrida espacial com a União Soviética, que foi a primeira nação a chegar à superfície lunar em 1959, com a sua missão não tripulada Luna 2. Seguiu-se o enorme triunfo de Iuri Gagarin,  aos comandos da Vostok 1, no primeiro voo tripulado ao Espaço. A viagem que ocorreu no dia 12 de abril de 1961 durou apenas 108 minutos, o tempo necessário para completar uma órbita ao redor da Terra e aterrar, com sucesso, na Rússia. A partir daí, os EUA tomaram a dianteira da exploração do Espaço.

O primeiro voo espacial de Collins foi feito em julho de 1966 enquanto piloto da missão Gemini X. A segunda vez foi a Apolo 11. Depois do regresso triunfante da Lua, Collins, tal como Aldrin e Armstrong, rapidamente deixou a NASA e seguiu uma carreira pública prolífica. Foi nomeado subsecretário de Estado para os Assuntos Públicos pelo Presidente Richard Nixon. Em seguida, dirigiu a construção do National Air and Space Museum em Washington, assumindo a sua presidência entre 1971 e 1978. Posteriormente, tornou-se consultor e escreveu livros relacionados com a aventura espacial.