Transportes. Por mares desde sempre navegados, mas agora com a inovação dirigida à neutralidade carbónica

Transportes. Por mares desde sempre navegados, mas agora com a inovação dirigida à neutralidade carbónica


A descarbonização dos transportes é uma das bases do  desenvolvimento atual. A sua implementação implica avanços em áreas diversas, como por exemplo o aperfeiçoamento dos sistemas de armazenamento e a melhoria das infraestruturas de transporte. Para que sejam eficazes no aproveitamento de todo o potencial das renováveis.


Os transportes do futuro sempre fizeram parte do imaginário humano. Desde a ficção científica aos desenhos animados, a forma como pessoas e mercadorias se movem pelo mundo, ou mesmo além dele, sempre foi visualizadas de diversas formas e feitios. Mas, a par da imaginação, ao longo da História, a humanidade tem feito avanços extraordinários na mobilidade, com a energia como um dos pilares da evolução.

Com o atual estado da tecnologia e perspetivas de médio prazo, especialistas e estudiosos apontam que, em 2050, as viaturas ligeiras que circulam nas estradas vão utilizar eletricidade como combustível. As baterias serão bastante mais leves do que atuais e aguentarão também bastante mais carga, dando uma autonomia renovada a este tipo de veículos. Os camiões pesados, os navios e os aviões serão movidos por uma combinação energética de combustíveis líquidos ou gasosos, painéis solares, motores elétricos, células de hidrogénio ou reatores nucleares.

A descarbonização dos transportes é um imperativo atual e a sua implementação implica avanços em áreas diversas, como por exemplo, o aperfeiçoamento dos sistemas de armazenamento e das infraestruturas de transporte para que sejam eficazes no aproveitamento das renováveis.

Várias formas
de andar no mar

Na Alemanha, desde fevereiro deste ano, que o ferryboat Rheinfähre Mondorf, é alimentado por dois motores elétricos com 290 kW em vez dos antigos motores a diesel. Neste ponto, o rio Reno tem 400 metros de largura e a travessia é feita de ferryboat. A energia vem de uma bateria com 1.000 quilowatts por hora (kWh), o que corresponde à capacidade da bateria de 14 carros elétricos. À noite, a bateria é então recarregada no cais com eletricidade produzida por energias renováveis. Cerca de 600 kWh chegam para as 14 horas de operação diária.

A tendência na Alemanha, e um pouco por todo o mundo, é para que os ferryboats e navios de passageiros em lagos e rios interiores tenham motores elétricos. De acordo com dados recentes da Maritime Battery Forum (MBF),_mais de mil dos 109 mil navios do mundo já são movidos por propulsão elétrica ou híbrida.

E o número está a crescer, uma vez que o levantamento da organização noruguesa MBF abrange apenas uma parte dos navios elétricos e há quase 500 navios elétricos em construção atualmente.

A Noruega lidera no transporte marítimo elétrico, promovendo há décadas esta tecnologia para os ferryboats, cargueiros, barcos de pesca, embarcações de manutenção para a indústria offshore e até para navios de cruzeiro. Até 2030, o Governo norueguês pretende terminar as emissões de CO2 no transporte marítimo e, neste momento, 80 dos 199 ferryboats são elétricos.

O maior de todos os ferryboats elétricos – o Hull 096 – foi lançado este mês. Construído na Austrália, tem capacidade para 2,1 mil passageiros e 225 veículos, deverá percorrer um trajeto de 50 km pelo Rio da Prata entre a Argentina e o Uruguai.

A sua bateria tem uma capacidade de armazenamento de 43.000 kWh, o que corresponde à capacidade da bateria de 570 carros elétricos.

No entanto, a atual capacidade dos sistema de armazenamento em baterias é insuficiente para distâncias muito longas. É por isso que alguns navios elétricos também podem ser movidos auxiliados por motores de combustão que atualmente funcionam a gasóleo, gás natural liquefeito (GNL) ou biodiesel. E que no futuro poderão usar outros combustíveis.

Um exemplo é o ferryboat híbrido-elétrico Saint-Malo, que cruza o Canal da Mancha desde fevereiro. A embarcação, com capacidade para 1.300 pessoas, 330 carros e 60 camiões leva entre quatro e seis horas para percorrer o trajeto de 260 km.

Mas entretanto, os navios elétricos já conseguem percorrer distâncias muito maiores se usarem contentores de baterias intercambiáveis.

É este o caso dos dois cargueiros elétricos no Yangtze, o maior rio da China. Com capacidade para 700 contentores, percorrem os quase 300 km entre a cidade de Nanquim e o porto de Yangshan, em Xangai com 36 contentores de baterias, capazes de fornecer até 57.700 kWh de energia. Quando descarregadas no final da viagem, são trocadas no porto.

Na Holanda, dois navios porta-contentores também operam com contentores de bateria intercambiáveis. O objetivo é que, até 2050, Holanda, Bélgica, França e Alemanha tenham 400 embarcações elétricas com contentores de bateria. Para atingir essa meta, será necessário construir muitas mais estações de troca de baterias – uma operação que demora 15 minutos – nas próximas décadas.

Nova infraestrutura

O uso da rede elétrica local permite que os grandes navios de cruzeiro e cargueiros sejam abastecidos enquanto estão atracados nos portos. Mas aqui a procura de eletricidade é enorme, uma vez que um navio de cruzeiro no porto precisa da mesma eletricidade que 12 mil residências.

Mas construir uma infraestrutura abrangente com conexões de energia em portos, contentores de baterias e estações de carregamento para navios é um grande desafio: é necessário instalar novos cabos e construir novos transformadores e pontos de carga.

De acordo com a Comissão Europeia, o transporte marítimo é responsável por cerca de 2,8% das emissões globais de CO2. Ao mudar para motores elétricos, as emissões de CO2 podem ser reduzidas e pode haver reduções de custo.

Parece haver um consenso entre os especialistas que “a perspetiva para o transporte marítimo elétrico é positiva. A procura por aplicações híbridas e totalmente elétricas aumenta ano após ano” e que “o transporte marítimo elétrico será moldado nas próximas duas décadas por inovações revolucionárias em tecnologia de baterias, um aumento nos sistemas de propulsão híbridos e um mercado em rápido crescimento.

A principal vantagem da eletricidade como energia de propulsão é sua alta eficiência em comparação com outras opções ecológicas, como combustíveis produzidos sinteticamente a partir do hidrogénio verde.

Para 1 kWh de energia do motor, navios movidos a bateria precisam apenas de uma quantidade de energia (inicial) de 1,09 kWh. Para combustíveis líquidos como o amónio, o metanol ou o hidrogénio a quantidade é de 4 a 9 kWh.

De acordo com a Organização Marítima Internacional (OMI), as emissões de gases de efeito estufa provenientes do transporte marítimo deverão ser reduzidas em 30% até 2030, em 80% até 2040 e em 100% até 2050.

A expectativa é que a região da Ásia-Pacífico domine o mercado global de navios elétricos, uma vez que é aí que está a ser construída a maioria destes navios. A Europa vem a seguir, impulsionada pelas metas europeias de descarbonização para o transporte marítimo.

No entanto, a tecnologia de baterias continuará limitada para distâncias muito longas. Um estudo publicado na revista Energy Conversion and Management, revela que distâncias de até 15.000 km são tecnicamente viáveis para navios porta-contentores elétricos a bateria. No entanto, aponta o estudo, o âmbito do transporte marítimo em águas profundas com impacto neutro no clima é reduzido a um “máximo de 10.000” km.

A travessia do Atlântico entre Nova York e Lisboa (aproximadamente 8.300 km) certamente seria possível com um navio porta-contentores elétrico. Mas a rota entre Xangai e Veneza (30.000 km) sem parar para recarregar é inviável.

Energia nuclear

nos mares: o futuro dos navios de carga

No entanto, há uma outra forma de de energia que está a ser explorada para impulsionar os cargueiros para zero emissões de carbono até 2050. A energia nuclear de quarta geração pode ser a chave para o futuro dos navios de carga sem emissões de carbono, com várias iniciativas para introduzir essa tecnologia no transporte marítimo global nos próximos 15 anos.

Estima-se que a indústria naval queime 300 milhões de toneladas de combustíveis fósseis por ano, gerando 3% das emissões globais de gases de efeito estufa.

Estão a ser exploradas diversas alternativas, mas os reatores nucleares de quarta geração são vistos por muitas empresas como uma solução mais prática. Atualmente, existem cerca de 200 reatores nucleares em operação em 160 navios e submarinos militares ao redor do mundo, com um excelente histórico de segurança.

No entanto, esses reatores militares não são adequados para navios civis. Mas há um grande investimento em reatores avançados para grandes navios porta-contentores e embarcações similares.

Entre os modelos mais promissores estão o reator de sal fundido alimentado por tório, o reator rápido resfriado a chumbo e o reator de leito de esferas arrefecido a hélio. Estes reatores são menos complexos, operam a temperaturas mais baixas e são inerentemente seguros, com reações nucleares controladas e solidificação em caso de acidente. Também a propulsão nuclear mostra sinais de desempenhar um papel fundamental nesta transição energética.