A força do não na ida para o Governo


Começou a formação do XXV Governo Constitucional e os telefones tocam. Aqui se deixam conselhos úteis a putativos governantes-sol, governantes-sombra e governantes à sombra.


Ser membro do Governo já não suscita uma generalizada cobiça, por parte de bons e maus, competentes e ignaros, honestos e pilha-galinhas. As recusas, negas, desculpas e esquivas há muito que se vão acumulando. O papel do Primeiro-Ministro como treinador e principal responsável pela formação da equipa ministerial é uma memória pretérita. Na composição do Governo mandam actualmente os responsáveis da Sociedade Anónima Política (SAP), os que investiram os cabedais no Partido e nos respectivos membros e que esperam a justa remuneração pelos anos de travessia do deserto da oposição ou, pior, da inexistência política. No recrutamento dos atletas ministeriais há que contar com os “olheiros” que se encantam com as juventudes partidárias e que estão em permanente descoberta de novas promessas, capazes de cumprirem, em tempo recorde, o cursus honorum: jotinha, assessor, adjunto, Secretário de Estado, Ministro e fornecedor de soluções para os problemas do mundo. No recrutamento para os Governos pontificam os agentes e super-agentes, em tempos conhecidos como barões, capazes de fornecerem, no mesmo local e à mesma hora, dez autocarros cheios de militantes embandeirados e dois gabinetes ministeriais completos, já com os suplentes para os primos, primas, amantes, arguidos e “preventivamente averiguados”. O crescendo das dificuldades de recrutamento para os sucessivos Governos fez surgir empresas de trabalho temporário que fornecem, a preços módicos e com descontos de quantidade, equipas inteiras de prestimosos colaboradores governamentais, muitos deles usados com garantia.

Neste quadro de grande perigo, o leitor amigo deve estar prevenido para quando o telefone toque. Prepare uma desculpa cabeluda mas com um pé assente na realidade. Comece diplomaticamente, agradecendo o convite que muito o honra e que tanto gostaria de poder aceitar. Introduza com naturalidade, mas de forma firme, a justificação para a recusa: está a acabar um curso online de treinador de futebol e espera conseguir aproveitar a próxima chicotada psicológica no Sport Lisboa e Benfica.

Pode também adoptar um registo confessional: andam pelas redes sociais uma imagens suas, muito favorecedoras, mas cujo número de visualizações poderá disparar caso aceite ir para o Governo, apoucando, a partir do sector público, e literalmente como Pessoa Politicamente Exposta (PEP), o vedetismo de Érica Fontes.

As desculpas mais comezinhas (“Agora vem aí o 10 de Junho, metem-se os Santos Populares e já tinha combinado uma ida ao Algarve.”) são perigosas porque alimentam a lista dos activos para suprir remodelações. Parafraseando o alerta propinado pela cabalística ferroviária: o toque de um telefone pode esconder outro.

Se houver insistência no convite, recorra aos grandes meios e anuncie: pratica com frequência o Blackface e está a preparar, num Centro de Exposições Transfronteiriço, uma exposição fotográfica, com grandes planos à escala natural dos seus êxtases. Se ainda assim o telefone não parar de tocar, confesse, em voz baixa, ter sido diagnosticado com cleptomania, tendo por objecto edições encadernadas da II Série do Diário da República. Recentemente foi retido contra vontade numa biblioteca municipal por trazer (mal) escondido na fralda da camisa o querido volume do jornal oficial do saudoso ano de Março de 1975, na encadernação clássica e com os ferros ainda bem marcados num dourado de lei.

A força do não na ida para o Governo


Começou a formação do XXV Governo Constitucional e os telefones tocam. Aqui se deixam conselhos úteis a putativos governantes-sol, governantes-sombra e governantes à sombra.


Ser membro do Governo já não suscita uma generalizada cobiça, por parte de bons e maus, competentes e ignaros, honestos e pilha-galinhas. As recusas, negas, desculpas e esquivas há muito que se vão acumulando. O papel do Primeiro-Ministro como treinador e principal responsável pela formação da equipa ministerial é uma memória pretérita. Na composição do Governo mandam actualmente os responsáveis da Sociedade Anónima Política (SAP), os que investiram os cabedais no Partido e nos respectivos membros e que esperam a justa remuneração pelos anos de travessia do deserto da oposição ou, pior, da inexistência política. No recrutamento dos atletas ministeriais há que contar com os “olheiros” que se encantam com as juventudes partidárias e que estão em permanente descoberta de novas promessas, capazes de cumprirem, em tempo recorde, o cursus honorum: jotinha, assessor, adjunto, Secretário de Estado, Ministro e fornecedor de soluções para os problemas do mundo. No recrutamento para os Governos pontificam os agentes e super-agentes, em tempos conhecidos como barões, capazes de fornecerem, no mesmo local e à mesma hora, dez autocarros cheios de militantes embandeirados e dois gabinetes ministeriais completos, já com os suplentes para os primos, primas, amantes, arguidos e “preventivamente averiguados”. O crescendo das dificuldades de recrutamento para os sucessivos Governos fez surgir empresas de trabalho temporário que fornecem, a preços módicos e com descontos de quantidade, equipas inteiras de prestimosos colaboradores governamentais, muitos deles usados com garantia.

Neste quadro de grande perigo, o leitor amigo deve estar prevenido para quando o telefone toque. Prepare uma desculpa cabeluda mas com um pé assente na realidade. Comece diplomaticamente, agradecendo o convite que muito o honra e que tanto gostaria de poder aceitar. Introduza com naturalidade, mas de forma firme, a justificação para a recusa: está a acabar um curso online de treinador de futebol e espera conseguir aproveitar a próxima chicotada psicológica no Sport Lisboa e Benfica.

Pode também adoptar um registo confessional: andam pelas redes sociais uma imagens suas, muito favorecedoras, mas cujo número de visualizações poderá disparar caso aceite ir para o Governo, apoucando, a partir do sector público, e literalmente como Pessoa Politicamente Exposta (PEP), o vedetismo de Érica Fontes.

As desculpas mais comezinhas (“Agora vem aí o 10 de Junho, metem-se os Santos Populares e já tinha combinado uma ida ao Algarve.”) são perigosas porque alimentam a lista dos activos para suprir remodelações. Parafraseando o alerta propinado pela cabalística ferroviária: o toque de um telefone pode esconder outro.

Se houver insistência no convite, recorra aos grandes meios e anuncie: pratica com frequência o Blackface e está a preparar, num Centro de Exposições Transfronteiriço, uma exposição fotográfica, com grandes planos à escala natural dos seus êxtases. Se ainda assim o telefone não parar de tocar, confesse, em voz baixa, ter sido diagnosticado com cleptomania, tendo por objecto edições encadernadas da II Série do Diário da República. Recentemente foi retido contra vontade numa biblioteca municipal por trazer (mal) escondido na fralda da camisa o querido volume do jornal oficial do saudoso ano de Março de 1975, na encadernação clássica e com os ferros ainda bem marcados num dourado de lei.