Por todo o lado, os decisores políticos têm estado centrados no intenso e urgente combate à covid-19. Essa é a prioridade número um. A questão é que o tempo vivido hoje, neste dia, não contempla apenas os desafios do presente mas também os do futuro. Pensar, projetar, planear a cidade para o pós-pandemia. Essa é uma das tarefas mais estimulantes e mais exigentes com que qualquer eleito se confrontará.
Não sei dizer como será a cidade do futuro. Mas sei dizer que valores determinarão se os municípios serão bem-sucedidos no horizonte pós pandémico. Com base na experiência de Cascais, estes são os cinco valores chave para um futuro de prosperidade coletiva.
Abertura. A cidade é o espaço de realização de todo o potencial dos indivíduos e das comunidades. Os municípios são hoje os principais motores da inovação e da ciência, da educação e da cultura, do combate ao terrorismo e às alterações climáticas. São o músculo económico e o farol dos direitos e liberdades das nações. Como aqui já escrevi, o século XXI consagrará a cidade como unidade política mais decisiva, da mesma forma que o século XX foi o tempo do Estado Nação e o século XIX a era dos impérios.
Para que as cidades mantenham esta vantagem sobre todas as outras formas de organização política, importa restaurar a sua alma de abertura, tolerância e interdependência. Muitos dos que alinharam em derivas nacionalistas não o fizeram por radicalismo político. Pelo contrário. São apenas pessoas que sentem que o bem comum global deixou de funcionar para si.
Para estes, o regresso ao soberanismo é uma inevitabilidade. Com as suas redes que não conhecem fronteiras, com as suas mini-sociedades de nações dentro de bairros ou freguesias, com as suas empresas, universidades e agentes culturais, as cidades são o melhor antídoto para essa crescente tendência isolacionista. Em Cascais temos prova disso mesmo, com a atração de centenas de estrangeiros de todas as nacionalidades, que aqui criaram os seus projetos de vida, empregos, espaços de cultura e até de culto. Uma predisposição de abertura ao mundo que nos confere uma vantagem incalculável.
Resiliência. Manter a cidade de portas abertas exige resiliência. Manter a cidade a funcionar exige resiliência. Governar a autarquia é testar os níveis de resiliência. As cidades estiveram na linha da frente no combate à covid-19. Como estão no nível de decisão mais próximo dos cidadãos, não podem fechar os olhos perante os problemas porque eles acabam invariavelmente por lhe bater à porta. Sobre elas é exercida enorme pressão social. Deste ponto de vista, há três níveis onde a resiliência é crítica: a resiliência social, no sentido de ter comunidades fortes, livres, independentes e não condicionáveis pelos poderes instituídos; a resiliência económica, tanto do ponto de vista da força e da diversificação do tecido económico (onde temos vindo a apostar estrategicamente com projetos como a Nova SBE ou na ex-Legrand), como do lado do Governo, com finanças saudáveis e contas certas; e, por último, a resiliência das instituições de Governo.
Solidariedade. A dívida pública está em níveis estratosféricos. Este deve ser um potente sinal de alerta para o país. Mesmo com os dinheiros europeus, hão de pedir-nos contas. Quando esse tempo chegar, temos de estar preparados. A pressão sobre as finanças é dramática. Cada vez mais estarão nas cidades as respostas sociais que os Governos Centrais serão incapazes de oferecer com tempo, qualidade e constância. Qualquer autarquia de olhos postos no futuro tem de se equipar com as competências, com o talento e com os recursos para, sozinha ou com parceiros privados, do sector social e com organismos do estado central, criar soluções para os problemas das pessoas. Em Cascais estamos na fase de lançamento de um revolucionário Sistema Local de Saúde e Solidariedade Social que reforçará todos os pilares da Providência cirando um verdadeiro Estado Social de base Local. Não teremos mais Estado – porque não cobraremos mais impostos para financiar esse programa. Mas teremos certamente melhor Estado, oferecendo índices de proteção de saúde e outros de padrão verdadeiramente europeu.
Figital. O termo, cunhado por uma jornalista britânica no início da década passada, remete para a fusão do meio físico e digital nas nossas sociedades. O que os últimos meses mostram é que este é um caminho que não tem retorno. Na educação, na cultura, nos serviços, no consumo, tudo será uma mistura entre vivência no mundo físico e no mundo digital. A cidade do futuro tem de criar a infraestrutura de suporte a esta nova realidade – decisiva para a afirmação internacional dos territórios – e ao mesmo tempo garantir que a tecnologia é motor de criação de oportunidades e da inclusão do maior número
Sustentabilidade. A pandemia e os confinamentos obrigaram-nos a repensar o valor que damos aos espaços públicos e ao ambiente. A autarquia com maior horizonte de prosperidade é a que tiver mais e melhores espaços verdes públicos, as populações mais engajadas nas políticas ambientais e os agentes económicos mais socialmente responsáveis. Em Cascais temos orgulho da aliança verde que forjamos com a esmagadora maioria dos cidadãos e com os stakeholders mais importantes. Quando regressaram do confinamento, os cascalenses descobriram que tínhamos ampliado e requalificado quatro bosques (Outeiro dos Cucos, Ribeira dos Mochos, Alto Castelhana e 25 de Abril), ao mesmo tempo que tínhamos lançado as bases para 6 hectares de novo Parque Verde Urbano na Quinta da Carreira, São João do Estoril, e para a transformação de uma pedreira numa zona verde, na Abóboda.
Abertura, resiliência, solidariedade, físico+digital, sustentabilidade. Estes são os cinco princípios básicos para lançar o desenvolvimento da cidade do futuro.
A covid-19 mudou as cidades. Mas não tenho dúvidas de que serão as cidades a moldar o futuro do planeta no pós-pandemia.