Os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa já estão anunciados e, na sua maioria, dispensam apresentações. Chegou o momento de se começar a apresentar propostas e ideias para o próximo mandato, que poderá ser muito diferente do que estamos à espera. A imprevisibilidade do vírus que se instalou entre nós determinará, em grande parte, a atuação do próximo executivo e as políticas que desenvolverá e aplicará no município.
Ainda assim, cumpre-nos, enquanto lisboetas, elaborar um diagnóstico do que vai menos bem em determinadas áreas, para que os responsáveis políticos possam incorporar as nossas preocupações e dificuldades nos seus programas eleitorais.
Uma cidade como Lisboa nunca está terminada. Há sempre muito a fazer, sejam manutenções, sejam alterações profundas para articular o conjunto das 24 freguesias às necessidades dos residentes e dos que entram em Lisboa diariamente para estudar, trabalhar ou para tratar de assuntos diversos.
Julgo pertinente começar por apontar uma preocupação séria, para não dizer que se trata de uma falha crítica e inconcebível, que é transversal a milhares de lisboetas: a questão dos médicos de família. Bem sei que as USF (Unidades de Saúde Familiar) não são da competência municipal, mas também sei que com a reorganização administrativa, foram várias as competências do poder central que passaram para os municípios (câmaras e juntas de freguesia) e que, quando se impõe esta necessidade, o executivo pode apresentar uma proposta concreta e diligenciar no sentido de contribuir para a resolução de um problema, para o qual o governo central ainda não foi capaz de dar resposta.
Por exemplo, há um ano atrás, no coração de Lisboa, em plena USF da Alameda, 21 mil pessoas não tinham um médico de família atribuído. A estas dezenas de milhar, juntar-se-ão outras tantas por todas as freguesias. As consequências deste direito básico, que não se verifica, traduzem-se em atrasos nas consultas nas USF, em filas de espera intermináveis para o agendamento de uma consulta e, obviamente, na ausência de um número proporcional de médicos de família relativamente às famílias de Lisboa.
Estes números passam despercebidos a muitos de nós que usufruímos de sistemas de seguros de saúde, dispensando-nos da necessidade de um médico de família para numerosas situações. Mas a realidade, para muitos outros que não têm acesso a estas alternativas, é que este direito primário não se verifica, condicionando a sua qualidade de vida. Lisboa é muito mais do que isto e os lisboetas importam-se com a inclusão e com o acesso aos direitos e oportunidades por igual.
Não se trata de defender a municipalização da saúde, mas sim de exigir ao município que avance com uma solução, ainda que temporária ou transitória, relativamente à falta de médicos de família, que obriga os utentes a recorrerem às urgências, ou ao setor particular, ou ao corporativo e social para consultas de rotina, para uma simples prescrição de um exame de diagnóstico, para a prescrição de receitas ou até para um atestado indispensável para a matrícula dos filhos na escola.
Num primeiro atendimento às famílias, que hoje não têm onde se dirigir para uma consulta familiar, a CML poderia providenciar um espaço onde se encontrassem profissionais de saúde que atendessem os munícipes e, de seguida, os serviços administrativos encaminhariam a família para a integração no SNS, indicando qual o médico de família que seria designado. Se não houver tempo para pôr em prática esta estrutura, a alternativa de uma linha de saúde municipal, que possa auxiliar os utentes em questões mais práticas, mas que ainda assim dependem de um especialista em medicina geral e familiar, pode ser uma alternativa, desde que seja colmatada esta falha no sistema.
O que o município não pode fazer é ignorar o agravamento desta situação, que em contexto de pandemia, se tornou ainda mais evidente. Se há falta de médicos, abram-se mais vagas para Medicina. Mas até lá, não se pode considerar normal a inacessibilidade a um direito primário, como este.
O acesso aos cuidados de saúde tem que ser repensado num cenário pós-pandémico, já que ficou comprovado que tem que haver uma triagem das situações clínicas, para evitar que os hospitais fiquem sobrecarregados e deixem de ter condições para assistir os utentes da melhor forma.
Consultadas as áreas do governo municipal de Lisboa, verifica-se que não há nenhuma que tenha a designação de Saúde, o que é indicador da relevância que o executivo dá às suas áreas de intervenção, relegando a Saúde para uma extensão integrada nos Direitos Sociais. O próximo executivo já não o poderá fazer, atendendo às circunstâncias que vivemos que não desaparecerão nos próximos 4 anos. A criação de um pelouro específico para a Saúde na organização administrativa do executivo camarário é imprescindível e ditada pela nova realidade da saúde pública e pelas ameaças iminentes que pairam sobre nós. Se Lisboa puder dar o seu contributo no combate ao vírus e no restabelecimento da normalidade, seria de um enorme valor para todos os outros municípios vizinhos e que estão nas mesmas condições.
O compromisso de Lisboa passar a ter cobertura total nos cuidados de saúde primários seria muito bem recebido pelos lisboetas.
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