Apesar da pandemia, os direitos dos consumidores não ficam para segundo plano. Até pelo contrário: os portugueses estão mais atentos e isso acaba por se refletir no número de reclamações que fazem. Só no ano passado, o livro de reclamações eletrónico registou “182 mil reclamações, quando no ano de 2019 teve sensivelmente 87 mil”. As contas são do secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor. “Isto significa que houve um aumento de quase 100 mil reclamações”, afirmou João Torres. Ou seja, registou-se um aumento de 109% do número de reclamações no livro eletrónico.
E para celebrar o Dia Mundial do Consumidor que se comemora hoje, o Portal da Queixa conclui que, num ano marcado pela covid-19, os níveis de confiança dos consumidores baixaram em 2020. Os resultados do estudo – que avalia a performance das marcas no Portal da Queixa em 2020 –, evidenciam uma quebra de confiança dos consumidores, com apenas 37% dos portugueses a admitir voltar a comprar em determinada marca, após passar por uma má experiência. A insatisfação é ainda visível na média de recomendações, onde apenas 3 em 10 assumem voltar a recomendar a marca à qual apresentaram reclamação. Em 2019, este indicador era superior (4 em 10). A taxa de retenção (do consumidor à marca) registada em 2020 (37,49%), também sofreu um decréscimo comparativamente com o ano de 2019 (41,51%).
Setores com mais queixas
De acordo com as contas de João Torres, as telecomunicações são o setor com mais reclamações. O que vai ao encontro dos últimos dados divulgados pela Anacom. As reclamações escritas contra prestadores de serviços de comunicações subiram 28% no ano passado, face a 2019, para 125,5 mil, com o serviço postal a ser responsável por 30%. As comunicações eletrónicas “foram o setor mais reclamado” (87,6 mil reclamações), o que corresponde a 70% do total, “mais 25% face a igual período de 2019. Já os serviços postais foram responsáveis por cerca de 30% das reclamações – 37,9 mil –, “tendo registado um crescimento de 37%”, referiu o regulador.
Também a DECO garantiu que recebeu quase 400 mil reclamações em 2020, mais 16% face ao ano transato. “Desde o turismo ao comércio eletrónico, passando pelos espetáculos e lazer, os portugueses enfrentaram conflitos que, até 2020, eram ocasionais. O impacto social e económico da pandemia na vida dos consumidores foi tal que muitas das medidas excecionais, publicadas desde março de 2020, não foram suficientes para proteger os seus direitos e legítimos interesses”, refere a associação.
Em relação ao turismo, a DECO recebeu 6838 pedidos de ajuda. Por outro lado, problemas com compras em linha, dificuldades com o reembolso de bilhetes de espetáculos, concertos e festivais, pagamento de mensalidades e outros serviços em creches e jardins-de-infância, taxas cobradas nos serviços de saúde pelo uso de equipamentos de proteção individual constituíram os casos mais emblemáticos das 23 745 mediações efetuadas pela DECO. “A pandemia marcou indubitavelmente o cenário das reclamações no nosso país”, diz a entidade.
Além dos conflitos motivados pela pandemia, os setores mais reclamados, à exceção do turismo, pouco mudam em relação ao anos anteriores. O setor das telecomunicações recebeu mais de 37 mil queixas. Os bens de consumo totalizaram mais de 32 reclamações, enquanto os bens de serviços financeiros ultrapassara, as 24 mil queixas, a energia e água quase totalizaram as 14 mil, os transportes (maioria aéreo) rondaram as 12 mil. “Há 13 anos que as telecomunicações são o setor mais problemático para os consumidores. Conflitos relacionados com o período de fidelização, refidelização, práticas comerciais desleais e dificuldades no cancelamento do contrato têm sido uma constante, mas a crise pandémica acrescentou problemas, como os comprovativos para efeitos de cancelamento ou suspensão dos contratos”.
A DECO diz ainda que, num ano marcado pelo confinamento, as compras em linha foram o problema principal do setor compra e venda. “O setor alimentar mereceu, em 2020, um destaque, juntando-se a encomendas não entregues ou tardias, reembolso de valores pagos, problemas nos pagamentos e dificuldade de contactos com o apoio ao cliente”, refere.
Em relação à banca, 2020 ficou marcado por questões relacionadas com o crédito ao consumo, crédito à habitação e cartões de crédito: pagamentos, juros, informações sobre contratos, comissões. Quanto aos seguros, realçamos as denúncias sobre os seguros de saúde (comparticipações, coberturas e exclusões), seguros de proteção ao crédito (situações de desemprego e incapacidade) e seguro automóvel (atualizações de prémios).
COMPRAS
Trocas só são obrigatórias se o bem tiver defeito
Comparar preços é uma das regras de ouro para o consumidor e, como tal, o custo de um produto ou serviço deve estar bastante explícito, com impostos e taxas incluídos. Mas os seus direitos não acabam na altura de pagar. Garantias e trocas são um território de dúvidas para o consumidor que não presta atenção ao pós-venda. Regra geral, o reembolso é feito apenas se o produto tiver um defeito ou se vier nas mesmas condições em que foi comprado, embalagem inclusive – um direito que se mantém mesmo em saldos. O melhor é informar-se junto do comerciante. Em caso de avaria de um produto sem motivo aparente, a garantia deve cobrir o arranjo no prazo indicado que geralmente é de dois anos.
TELECOMUNICAÇÕES
30 dias para reclamar junto da ANACOM
Além da mensalidade publicitada, deve ter em atenção os custos de adesão e de equipamento de uma operadora e não se esqueça que as empresas são obrigadas a apresentar ofertas sem fidelização. Já se pretende mudar de operadora, saiba que pode manter o mesmo número de telemóvel. A portabilidade fica a cargo da nova empresa, que tem o prazo de um dia útil para a implementação. O atraso neste processo equivale a uma compensação de 2,5 euros por dia de atraso. Mais: se caiu num serviço de SMS ou MMS com custos associados que não quer, deve ligar para a sua operadora, que irá cancelar a subscrição sem custos em 24 horas. Além disso, a operadora nunca pode suspender o serviço com base
na falta de pagamento destes serviços.
ÁGUA E LUZ
Reguladores têm 15 dias para responder
Tem direito a perguntar como é calculado o montante fixo de algumas faturas de serviços energéticos. Caso envie uma reclamação ou pedido de informação ao fornecedor de eletricidade, saiba que este tem 15 dias úteis para lhe responder. Se a resposta não chegar, tem direito a uma compensação de 18 euros por dia, a descontar na própria fatura. Pode mudar de fornecedor de eletricidade ou gás sem quaisquer custos as vezes que pretender, mas tenha em conta as condições do contrato em vigor. Em caso de reclamação, pode fazer a mesma junto da ERSE (luz) e da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos se houver problemas com os serviços de abastecimento público, saneamento de águas residuais, gestão de resíduos urbanos, etc.
FÉRIAS
Turismo de Portugal pode acionar fundo
O Tribunal de Justiça da UE considera que os passageiros de voos com escalas que tenham chegado ao destino com um atraso igual ou superior a três horas devem receber uma indemnização que pode ir dos 250 aos 600 euros, dependendo da distância do voo e da hora a que chega o passageiro ao último destino. Se comprou uma viagem organizada e não teve direito a tudo o que ficou acordado, deve pedir o reembolso do dinheiro pago pelos serviços que não lhe foram prestados, bem como uma indemnização. Para isso, o consumidor deve reclamar junto da agência de viagens. Se nada ficar resolvido, tem 20 dias após o fim da viagem para expor a situação ao Turismo de Portugal e pedir para este acionar a caução do fundo disponível para estes casos.
RESTAURANTES
Recorra ao livro de reclamações
Inicialmente o livro de reclamações eletrónico surgiu apenas para os serviços públicos essenciais: eletricidade, gás natural, água e resíduos, comunicações eletrónicas ou serviços postais, mas desde 2018 alargou-se a outros setores. Em caso de reclamação, a empresa tem 15 dias úteis para responder ao consumidor. Se não recebeu resposta neste prazo, o consumidor poderá contactar a entidade reguladora do setor e/ou recorrer a uma entidade de resolução alternativa de litígios de consumo, a fim de solicitar apoio na mediação ou arbitragem do conflito. Podem aceder à informação o consumidor que a tiver apresentado bem como o prestador de serviços/fornecedor de bens reclamado e a entidade competente para apreciar a queixa.
TRANSPORTES
Celebração de um contrato entre cliente e operador
A compra de um título de transporte configura, na prática, a celebração de um contrato de transporte entre o cliente o operador, sendo um instrumento necessário para assegurar a certeza jurídica das relações entre as partes intervenientes e garantir aos passageiros uma proteção em caso de atrasos e cancelamento de viagens. O incumprimento, por parte do operador, dos deveres de informação sobre os serviços alternativos em caso de cancelamento, bem como a recusa de emissão de documento comprovativo de atraso por parte do operador de transporte rodoviário de passageiros, nas viagens superiores a uma hora, constitui contraordenações puníveis, em ambos os casos, com coima de 750 euros a 3740 euros.
BANCOS E SEGUROS
Reclame junto do BdP ou ISP conforme o produto
A banca é obrigada a apresentar em todos os produtos financeiros a taxa anual efetiva global (TAEG) associada. Mas na hora de contrair um empréstimo, o consumidor deve estar atento não só a este valor, que permite comparar juros entre ofertas, mas também a outros custos associados, como impostos, comissões e prémios. Depois de analisado e assinado o contrato, o consumidor dispõe de 14 dias para reflexão, durante os quais pode revogá-lo. No caso do seguro automóvel, o consumidor pode terminar o contrato a qualquer momento, mediante um aviso prévio de 30 dias. Não se esqueça que a seguradora terá de devolver a parte do prémio correspondente ao prazo que falta até ao fim do contrato.
VENDA AGRESSIVA
Multas podem chegar até aos 45 mil euros
Recebeu em casa bens que não pediu? Ganha prémios de concursos em que não participou? Então é provável
que esteja a ser vítima de venda agressiva ou de publicidade enganosa. Desde 2008 que este tipo de práticas são proibidas na União Europeia. No caso de ter assinado um contrato deste género, deve enviar uma carta ao prestador de serviço a pedir a anulação do contrato nos 14 dias seguintes. Já se tiver provas de que existiu algum tipo de coação, o prazo alarga-se até a um ano, mas terá de recorrer a centros de arbitragem, julgados de paz ou tribunais. Reclame também junto da ASAE: as multas para os infratores podem chegar quase aos 45 mil euros, além de outras sanções acessórias.
CONDOMÍNIOS
Recorra ao tribunal ou aos julgados de paz
Se não pode ir a uma reunião de condomínio, saiba que pode nomear um procurador para o representar – basta redigir uma procuração em que especifica o seu sentido de voto. Mesmo que não possa ser representado, pode comunicar ao condomínio por escrito se concorda ou não com uma decisão – até ao limite de 90 dias após saber o que foi decidido na reunião. Os condóminos que estão contra um novo regulamento podem pedir uma reunião extraordinária ao administrador, no prazo de dez dias, para propor alterações. As decisões devem ser comunicadas a todos os condóminos no prazo de 30 dias após o registo no livro de atas. Em caso de conflito, recorra aos tribunais ou aos julgados de paz.
ONLINE
Período de arrependimento é de 14 dias
Quando compra um produto ou serviço à distância, o consumidor tem direito a saber a identidade e morada do vendedor, bem como os valores referentes a despesas de entrega e quais as modalidades de pagamento. Estas compras implicam a existência de um período de arrependimento de 14 dias, dentro dos quais pode pedir o reembolso do valor do produto. Caso o fornecedor seja de outro país europeu, este período pode ser reduzido para sete dias. Tenha em atenção que, para reaver custos de envio, terá de o solicitar por escrito. O fornecedor tem 30 dias para executar a encomenda ou reembolsar. Terminado este prazo, o reembolso será a dobrar.