Vários estudos indicam que as crianças são as menos afetadas pela covid-19. Mas isso não significa que os mais novos não tenham opinião formada sobre a pandemia.
Crispim, Salomé, Ângelo, Esmeralda, Salvador, Leonor e Gabriel concordam numa coisa: o “bicho” é mau e já está na altura de nos “deixar em paz”. Mas o que acham que esteve na sua origem? Como lidam com a privação da liberdade? Será que esta pandemia lhes trouxe o real sentido da saudade?
De onde veio o “bichinho”? “Eu não gosto nada do coronavírus. É um bichinho que infeta as pessoas e as deixa doentes… Até podem morrer!”, afirma Ângelo, de quatro anos. Além disso, “é muito perigoso, porque é invisível, e eu não o vejo”, acrescenta Gabriel, de cinco. Gabriel está bem informado. Diz que o vírus apareceu de repente e que ninguém sabe o porquê: “Estava tudo calmo! Agora está tudo mau e confuso”.
Crispim (8 anos), Leonor (10 anos) e Salomé (14 anos) conhecem a história do senhor que comeu um morcego e ficou infetado. Afirmam que a origem esteve na China, pelo facto de “os chineses nos quererem fazer mal”. Outros têm uma explicação que nos leva a viajar pela inocência e ingenuidade infantil.
“Acho que ele veio do lixo, porque as pessoas não sabem as regras para o dividir. Antes estava tudo limpo, agora está tudo sujo”, comenta Clara, de cinco anos. Mas enquanto para Clara nós somos os principais culpados, por não sabermos as regras da reciclagem, há quem julgue que o vírus veio do frio. É o caso de Ângelo. Questionado sobre a origem do “bichinho”, faz referência ao Pólo Norte, arrependendo-se no minuto a seguir: “Ups, se calhar não, porque está lá muito frio e ele não ia sobreviver!”.
Salvador, de cinco anos, tem outra teoria: “As abelhas podem ter sido as causadoras de toda esta confusão, já que são perigosas e ferram as pessoas”. Por sua vez, Esmeralda de quatro anos, reflete sobre o facto de o vírus poder ter vindo do mesmo sítio de onde vêm as máscaras que usamos para nos protegermos.
A vida colorida antes da Covid-19 Na vida anterior à Covid-19, o cenário de colocar o termómetro perto da lâmpada da mesinha de cabeceira, de fingir uma dor de barriga ou encenar uma birra não era de todo invulgar. É bem conhecida a “alergia” que muitas crianças sempre tiveram à escola…
Agora, com o confinamento e as aulas online, as crianças anseiam o momento de voltar a pisar o recreio, abraçar os amigos e correr em liberdade. “Passar muito tempo em casa é uma seca, tenho vontade de ir para a escola. A escola online é muito diferente da escola presencial: a chamada pode cair a qualquer momento e é difícil perceber aquilo que os professores e os meus colegas dizem, perceber a matéria… Presencialmente é muito mais fácil compreender tudo. Parece que explicam de outra forma”, desabafa Leonor, de dez anos.
Apesar de admitir gostar de estar em casa e brincar muito com os seus brinquedos, Esmeralda conta que tem muitas saudades da escola, dos seus “amiguinhos” e da sua professora, tal como Clara, que diz entreter-se muito com os trabalhos manuais: “Faço slime, colares, pulseiras, pinto!”, enumera. Ainda assim, gostava muito mais da vida antes do covid, que não a afastava da sua “escolinha” e dos seus “amiguinhos”. Por outro lado, Salvador, de cinco anos, afirma que só tem saudades de ir à praia: ”É só isso, porque eu gosto de estar sozinho em casa com os meus pais. Ainda por cima agora tenho uma mana mais nova. Eu gosto de brincar sozinho e já estou cansado de aprender muitas coisas, tenho muito trabalho”.
O olhar atento e a ânsia por poder abraçar a família O olhar atento ao que acontece em redor e a capacidade inata de absorção de informação faz com que, apesar da tenra idade, as crianças compreendam o que está certo e o que está errado: “No outro dia fui ao parque e vi lá um grupo de pessoas grandes a conviver muito perto e sem máscara, não achei nada bem”, condena Clara. Gabriel, também de cinco anos, tem uma lição a dar:“Eu vou explicar o que o Marcelo presidente explica, eu não sou ele, mas é como se fosse, por isso têm de estar muito atentos ao que eu vou dizer! As regras são: ficar em casa, usar máscara, desinfetar as mãos e ter cuidado com o corona. Quando eu desinfeto as mãos estou a proteger o meu corpo e se eu levar uma vacina o corona já não me afeta”.
Apesar do dia-a-dia dos mais pequenos ser passado entre brincadeiras, filmes, trabalhos manuais e aulas online, a ânsia por poder voltar a correr, conviver e abraçar já se faz sentir. “O que eu tenho mesmo mesmo, mesmo muitas saudades é da família. Tenho de poder dar abracinhos aos meus amigos. Se acabasse o corona já podíamos voltar a ser todos felizes, porque isto está a atrapalhar-nos”, diz Salvador, de cinco anos. Os corpos pequeninos escondem corações grandes e Salvador acredita que podemos todos contar com um final feliz. Com saudades cada vez mais fortes da família, decidiu tentar a sua sorte: “Lancei uma moedinha à fonte dos desejos aqui perto da minha casa e pedi que o vírus acabasse.”
* editado por José Cabrita Saraiva