Ainda que os valores da criminalidade violenta e grave, tal como da geral, tenham descido em 2020, no início do ano corrente, as burlas online aumentaram 71% face a janeiro do ano passado.
Mas, presencial ou virtualmente, a GNR já divulgou que, até à data, os burlões aproveitaram-se dos grupos mais fragilizados para cometerem 11 crimes relacionados com o coronavírus, 73 em que se fazem passar por funcionários de empresas de telecomunicações e 184 em que vestem a pele de funcionários de entidades como a Segurança Social.
“Arranjam sempre forma de enganar as pessoas. Com os meus pais o esquema passou pela assinatura de documentos para supostamente serem inoculados e ficaram sem dinheiro, achando que pagavam para receber a vacina”, começa por explicar Joana (nome fictício), residente em Faro. “Era só um homem e isto aconteceu no dia 4 de fevereiro, mas já fiz queixa às autoridades”, diz.
“Entre 1 de janeiro e 1 de fevereiro, a Guarda registou 11 crimes de burla relacionados com a covid-19”, esclarece o tenente-coronel João Fonseca, da GNR, alertando que “se alguém bater à porta dos cidadãos para fazer um rastreio à covid-19 ou agendamento da vacinação, os mesmos devem desconfiar e contactar as autoridades, pois serão contactados pelo Serviço Nacional de Saúde para esse efeito e nunca através de uma abordagem no domicílio”.
Além da burla de que os pais de Joana foram alvo, o porta-voz da força de segurança também reforça que, noutras situações, “o burlão aborda a vítima junto da sua residência, procurando saber se já tem a vacina contra a covid-19 e, no seguimento do diálogo, pergunta à mesma se tem notas de 20 euros e de 50, argumentando que estas necessitam de ser trocadas e ficarão fora de circulação”.
A mesma fonte acrescenta que “o burlão também pode abordar as vítimas junto da sua residência, procurando saber se tem dinheiro na sua posse alegando ser necessário fazer a desinfeção do mesmo”.
Falsos funcionários da EDP
Em janeiro de 2020, antes do surgimento da pandemia, foram detidos, nos distritos de Castelo Branco, Coimbra e Guarda, seis indivíduos que se faziam passar por funcionários da EDP e cobravam aos idosos pela contagem de contadores e consumo de eletricidade, sendo que, à época, haviam sido registadas 50 ocorrências de burla tentada ou consumada.
Todavia, este esquema tem continuado a ser desenvolvido. De acordo com João Fonseca, da GNR, “o burlão telefona à vítima fazendo-se passar por funcionário da EDP, alegando que derivado à situação pandémica a vítima tem um determinado valor monetário a ser reembolsado e solicita dados pessoais da vítima”.
Na Linha de Cascais, uma idosa de 78 anos, Mariana (nome fictício), foi abordada, em setembro de 2020, por dois jovens ”que deviam ter no máximo 35 anos”, como conta ao i, que “mostraram um cartão falso da EDP, tinham um ar simpático” e pediram para ver o quadro da eletricidade porque podia ter de ser marcada uma data de substituição do mesmo para um mais moderno.
“Aquilo que eles queriam era espreitar a minha casa, ver se vivo sozinha”, assegura. “Mas tiveram azar porque o meu filho, que vive comigo, apercebeu-se daquilo que estava a acontecer, veio à porta questioná-los e eles disfarçaram, disseram que voltariam noutro dia e nunca mais os vi”, revela.
Venda fantasma de Equipamentos de proteção individual
O Portal da Queixa analisou o volume de reclamações recebidas, relacionadas com burlas online. Assim, verificou que, no mês de janeiro, registou uma média de 20 reclamações por dia, num total de 621 queixas, o que revela um aumento de 71% face a janeiro de 2020.
Consequentemente, os dados recolhidos indicam prejuízo para os consumidores num valor que ultrapassa os 100 mil euros, só num mês.
Equipamentos individuais
A Organização Mundial de Saúde chamou a atenção dos governos para a “escassez crónica” de materiais médicos e equipamentos de proteção individual. Entre os dias 7 de fevereiro e Tedros Ghebreyesus, diretor-geral do organismo mundial, falou em materiais “insuficientes para atender todas as necessidades”.
Em Portugal, o cenário não era diferente e, em abril do ano passado, Ana Pinheiro – que mudava frequentemente de nome na rede social Facebook – vendia caixas de 50 máscaras cirúrgicas a 25 euros, valor que, à época, situava-se abaixo do de mercado.
“Tomem cuidado com esta mulher. Trata-se de uma burlona que anda a publicar nos grupos de estética e cabeleireiros a venda de máscaras cirúrgicas. É tudo mentira, pois fica com o nosso dinheiro e, depois de confortada, bloqueia-nos”, pode ler-se numa mensagem publicada no grupo “Unhas de gel – Técnicas Portugal”, todavia, não enganou somente profissionais do universo da estética.
“Trocámos mensagens, encomendei-lhe duas caixas de máscaras. Depois do pagamento feito, nada. Nunca mais consegui falar com ela porque, quando é confrontada, bloqueia os clientes”, desabafa uma vítima, Raquel, enquanto outra, Susana avisa que “essa pessoa já se apresentou como Ana Ribeiro, Jéssica Martins e outros tantos nomes. Usa diversas identidades para se proteger e nunca ser descoberta pelas autoridades, até porque esta história tem-se vindo a arrastar há quase um ano”.
Os relatos não surpreendem o tenente-coronel João Fonseca que tem conhecimento de que “o burlão através da plataforma Facebook faz-se passar por vendedor de equipamentos de proteção individuais, como máscaras e álcool gel, em que a vítima, após o pagamento, não chega a receber a encomenda”.
E as telecomunicações?
Como já havia sido noticiado pelo i, na edição da último fim de semana, Manuela (nome fictício) reside na região da Grande Lisboa e nem a idade quer revelar por medo de cruzamento de dados. É idosa, viúva e vive sozinha num apartamento. Como tal, tenta ter cuidados redobrados naquilo que diz respeito à sua segurança. Contudo, há três semanas tocaram à campainha e não foi à janela verificar quem era.
“Não sei por que motivo não tive essa reação, porque vivo num primeiro andar e poderia ter visto se conhecia a pessoa em questão, mas não me lembrei”, recorda, confessando que pensou “que se tratava do carteiro” e abriu a porta da entrada do prédio.
“Um homem bateu à minha porta e disse que era da Vodafone e que substituiria o meu router por um mais moderno. Não percebo muito de tecnologias e achei que pudesse ser uma ordem superior, da chefia, uma simples atualização dos equipamentos do cliente”, lembra a mulher, que contrata estes serviços para ter internet disponível para os netos, que a visitam regularmente.
“O indivíduo vinha com uma mochila, tirou várias ferramentas da mesma e passou-me um cabo elétrico para as mãos”, afirma, adiantando que ele esclareceu que “ia ver algumas ligações e foi para a sala”.
Numa “questão de segundos”, disse “que estava tudo bem e não era preciso fazer nada”. Todavia, quando o burlão se foi embora, Manuela teve “uma sensação estranha” porque se lembrou de que não havia pedido qualquer identificação ao alegado funcionário.
“Tive o instinto de me dirigir à minha mala e constatei o pior: não tinha os cartões de crédito, de débito nem dinheiro. Só fiquei com os documentos”, elucida a vítima do golpe.
Segundo a GNR, os principais alvos deste género de burla são os idosos “que vivem em zonas isoladas”, sendo o objetivo dos criminosos “furtar ou roubar as poupanças de uma vida”.
“Sinceramente, não faço ideia de como ele foi capaz de me ‘cegar’ e mexer nos meus pertences”, diz Manuela. “As pessoas a quem conto aquilo que me aconteceu dizem-me que, dentro do azar, tive muita sorte, porque ele podia ter-me feito mal se mostrasse resistência ou até ter-me asfixiado com o cabo que segurava”, declara com amargura.
“Já fiz queixa e, se visse esse homem à minha frente, saberia identificá-lo. Desde esse dia fiquei em pânico, tranco a porta, volto a verificar se está trancada e estou sempre ansiosa”, conclui.
“Foram registadas 73 burlas em que os burlões se faziam passar por colaboradores de empresas de telecomunicações e 184 em que os burlões se faziam passar por falsos funcionários da Segurança Social, Câmara Municipal ou serviços de fornecimento de energia”, informa a GNR.