Joaquim Evangelista. “Há jogadores a quem os clubes estrangeiros retêm o passaporte e são ameaçados”

Joaquim Evangelista. “Há jogadores a quem os clubes estrangeiros retêm o passaporte e são ameaçados”


O sindicato dos jogadores tem tido a tarefa de resgatar futebolistas em situações difíceis, além de pagar as viagens de regresso a casa a jogadores sul-americanos.


É um homem convicto e frontal e apesar de só ter tido experiências noBragança e no Mãe d’Água, com uma passagem rápida pelo futebol sénior, Joaquim Evangelistas está à frente do Sindicato dos Jogadores de Futebol desde 2005. Com a alcunha de Varilhas, conheceu na faculdade, e tornou-se amigo, de Luís Neves, atual diretor da Polícia Judiciária. Nesta longa entrevista, Evangelista faz uma radiografia do que tem sido o papel do sindicato e de como procura defender os jogadores enquanto profissionais e como pessoas.

Quando se fala nos jogadores de futebol, o que nos vem à imagem são grandes carros e grandes joias. Mas isso é uma realidade que não representa, de todo, o mundo do futebol. No Campeonato de Portugal, noticiámos ainda esta semana que os testes à covid-19 são praticamente inexistentes e há pessoas a recibos verdes. É uma situação um pouco dramática aquela que nos chega. É verdade? 

O mundo do futebol não é um mundo de sonho, por isso é que o sindicato foi constituído. Vai fazer 50 anos no próximo ano. O António Simões, o Artur Jorge, o Eusébio, o Vasco Gervásio, o José Eduardo, o Couceiro e o António Carraça, entre outros, foram de facto obreiros na construção de um modelo que garanta direitos e deveres aos jogadores. Isto é um processo que importa recordar, como é que chegámos aqui. Faço parte deste processo desde 2005 e sei bem, porque vivi confrontos e conflitos com os clubes por causa do incumprimento salarial, na Primeira e Segunda Liga. Foi um processo duro em que dei sempre a cara. Houve várias ameaças de greve e conseguimos introduzir no futebol português um modelo de licenciamento, nomeadamente financeiro, que permitiu acabar com o incumprimento salarial na Primeira e na Segunda Liga. Hoje temos o controlo financeiro em quatro momentos da competição, temos uma comissão de auditoria e temos uma coisa fundamental que veio alterar por completo o incumprimento salarial em Portugal, que é o facto de a obrigatoriedade do pagamento salarial ser comprovada pelo revisor oficial de contas. Ou seja, não chega uma declaração do jogador a dizer que recebeu, que era aquilo que acontecia. E muitos deles eram coagidos ou tinham uma relação de dependência do presidente ou do treinador, e acabavam por subscrever essas declarações. E o incumprimento ia-se acumulando. Na Primeira e na Segunda Liga, nas competições profissionais, nós conseguimos. E foi um trabalho difícil. Estou a lembrar-me do Estrela da Amadora e do Vitória de Setúbal. Estive sempre na primeira linha. Tinha jogadores que não davam a cara, mas eu estive lá sempre. Sempre nos problemas. Lembro-me do Boavista, com as claques e os confrontos diários, mas conseguimos mudar essa matéria. E depois conseguimos também encarar o jogador de outra forma, olhando para a sua proteção social, saúde e educação. O que fizemos nessa altura? Impus no sindicato que, todos os jogadores – fossem profissionais ou não – teriam uma resposta nossa. Ou seja, numa lógica de solidariedade, porque os amadores não podem ser sócios do sindicato – na altura criou-se a Associação Portuguesa de Jogadores Amadores. Mas nunca deixámos de estar ao lado dos jogadores amadores. Aliás, nos últimos anos vemo-lo no Oliveirense, no Leiria, no Fátima, e no Setúbal agora.

Os jogadores do Campeonato de Portugal não são sindicalizados?

São sindicalizados aqueles que têm contrato profissional. Na competição profissional só pode haver jogadores com contrato de trabalho, por isso é que se chamam competições profissionais. Nas competições não profissionais, que são o Campeonato de Portugal e os Distritais, pode haver jogadores com ou sem contrato de trabalho. A esmagadora maioria dos jogadores não tem contrato de trabalho. Só um número residual. E os que têm podem ser associados, os outros não. Mas, como digo, não deixamos de ajudar esses jogadores nem de estar presentes. Diria que fomos a única instituição que foi ao terreno, esteve ao lado dos jogadores e identificou problemas como o falso amadorismo e os vínculos precários. Ou seja, os jogadores recebem umas ajudas de custo e cria-se a ilusão de que são jogadores profissionais. E não é verdade. Têm de ter uma alternativa para fazer face à sua condição económica. Muitas das vezes ficam na mão dos clubes e dos empresários. São instrumentalizados. Ficam vulneráveis e sem direitos. Estamos a falar de jovens. Este é um problema grave, porque já não é só os que vêm de fora. Vêm muitos jogadores iludidos, com o sonho de serem atletas, da América do Sul e de África. Chegam cá porque estão feitos com os clubes. Há uns clubes barrigas de aluguer, criam-lhes expectativas, os miúdos pagam para ter esse sonho concretizado e depois são enganados e abandonados.

Pagam como?

Para vir. 

Digamos que são como os migrantes que pagam para fugir da Síria?

Exatamente. Os casos de tráfico que existem neste momento, nomeadamente colombianos, argentinos e brasileiros, pagam na origem a agentes portugueses, que são redes organizadas. Pagam entre 1000 e 5000 euros. E não vem só um. Vêm cinco, dez. Estou a lembrar-me do Mirandês, em que foram inscritos 11 argentinos que pagaram, chegaram lá, ficaram dentro de uma casa com a expectativa de que iam jogar futebol e depois foram abandonados. Depois nós tivemos, além de os ajudar, de pagar a passagem à maioria deles, de volta ao seu país para saírem em segurança. Qual é a gravidade da situação? É que isto acontecia normalmente com os estrangeiros. Agora está a acontecer dentro de Portugal, ou seja, há um conjunto de empresários e agentes que colocam estes miúdos em clubes que controlam, alimentam-lhes a expectativa e dizem-lhes que vão ser profissionais. O campeonato amador é esta mentira. Cria-se a ideia a jogadores que vão ser profissionais quando não têm condições para o ser. E, portanto, os miúdos ficam fragilizados. Um dos maiores problemas é que logo à partida não está clarificada a relação laboral, porque se tivessem um contrato de trabalho a questão era simples. Como não existe um contrato de trabalho, pagam as ajudas de custo e a estadia, e eles ficam muito vulneráveis. A questão do incumprimento salarial aqui é manifesta, porque depois não há um modelo de controlo. A Federação trabalhou agora na Liga 3 [atual Campeonato de Portugal] e vai haver essas regras quando entrar em vigor a nova competição. Mas neste momento os clubes são maioritariamente incumpridores. Pagam quando acham que devem pagar e é muito difícil depois, em tribunal, ser ressarcido. Nós aqui trabalhamos normalmente com o fundo de garantia salarial.

Como é que sabe quanto eles ganham? Há alguns que estão a recibos verdes.

Sim. Mas temos aqui duas formas de intervir. No plano jurídico, olhando para a relação que existe, identificamos os sinais que permitem configurar uma relação laboral para o tribunal do trabalho. Quais são os sinais? É de facto o dinheiro que eles recebem na conta regularmente, apesar de não terem contrato. Conseguirmos demonstrar que recebem 400 ou 500 euros todos os meses. Ou há o recibo. Portanto, por essa via, conseguimos. Quando não é assim, é mais difícil. Aí o jogador tem muita dificuldade em fazer prova e portanto normalmente não recebe. Aí intervimos noutro nível, que é social.

Há muitos relatos de jogadores estrangeiros que vêm para Portugal e passam fome?

Desde que começou a pandemia, nomeadamente em março, casos de alguém mesmo a passar fome e a precisar, no Campeonato de Portugal nunca constatei. E senti-me incomodado porque há um conjunto de pessoas que tenta explorar a miséria humana para tirar vantagem, ou seja, para dizer que faz alguma coisa pelas pessoas. 

Está a falar do movimento Futebol Para a Vida?

Algumas dessas pessoas exploraram esta miséria humana para dizerem que têm uma atividade. Tive o cuidado, durante a pandemia, de falar com todos os capitães de equipa e pedir-lhes que se houvesse algum jogador do plantel que estivesse a passar fome para comunicarem. Porque não tenho acesso a todos. Quando é público, intervimos imediatamente e os meus delegados vão lá, nomeadamente ter com estrangeiros que estão cá sozinhos. Nos outros casos, se há alguém a passar fome e nós não temos conhecimento, é difícil atuar. O capitão de equipa não pode ser só para ter a braçadeira. É alguém que no balneário tem uma obrigação para com o plantel, com os seus colegas, na relação com o treinador, com o clube e sobretudo com a sua profissão. E não me foram relatados casos desses.

Mas há tantos casos de africanos que vêm para cá e que nem sequer chegam a ser inscritos. Andam ali a treinar com situações dramáticas…

Esses casos nós ajudámos. Tiveram sempre uma resposta. O que estou a dizer é que nos casos dos colombianos, do Mirandês, desses africanos, etc., nós identificamos e o que é que fazemos? Disponibilizamos o fundo de garantia salarial. 

Li várias histórias de africanos e asiáticos que vieram para cá e foram abandonados em vários clubes. E passaram mal.

O que não aceito é olharmos para uma competição que tem estes problemas e, em vez de os identificarmos e atuarmos, potenciarmos a miséria humana. No Setúbal ou no Leiria, havia jogadores com problemas, não recebiam salário. E o que fazíamos imediatamente era garantir que, ao não ser pago o salário, havia um mecanismo alternativo que lhe permitia fazer face às dificuldades. Não houve ninguém a passar fome. Aliás, nos casos que foram identificados, no Leiria, no União da Madeira e no Setúbal, o sindicato esteve sempre presente.

Mas a situação dessas pessoas era dramática.

Foram adiantados estes valores aos clubes e aos jogadores. O Setúbal, por exemplo, teve dificuldades e o sindicato adiantou dois meses. Nos outros clubes, exatamente a mesma coisa. Não aceito que alguém diga que há pessoas que estão a passar fome e que nós não intervenhamos, identifiquemos os casos e sinalizemos. Se o Setúbal não recebe, nós temos de atuar. Temos de perceber porque é que não recebem e temos de fazer chegar mecanismos de apoio a esses jogadores. Acho que o futebol tem todas as condições para que fenómenos destes não aconteçam. Se há uma atividade que pode garantir condições mínimas aos seus agentes desportivos, ao contrário de outros setores de atividade social, é o futebol. Pelos mecanismos de solidariedade que deviam existir entre competições. Se há alguém que é solidário socialmente é o futebol. Eu não deixo jogadores para trás. Se me identificar agora um jogador nós imediatamente damos-lhe uma resposta. Nunca deixámos de ajudar os jogadores amadores, apesar de não serem sócios. É uma atitude genuína. O que quero no desporto é que haja pessoas com coragem. Não é para estarem calados, mas é para darem a cara e se incomodarem com estes fenómenos. Não posso aceitar que um clube não pague e depois não o denuncie. Não posso aceitar que haja um jogador a passar mal e que depois não tenha a capacidade de dizer que aquele agente é culpado porque não esteve ao lado dos jogadores. Nós para mudarmos comportamentos temos de ter a coragem e a independência para dizer que aquele clube está a mais no futebol.

Imagine que tinha familiares na casa dos 20 e poucos anos que estavam a jogar no Campeonato de Portugal. Se vivesse com eles em casa, sentia-se seguro quando eles regressassem dos treinos, uma vez que são praticamente inexistentes os testes à covid-19?

Já lá vamos à covid-19. Outro problema grave é o investimento estruturado, ou seja, o que está a acontecer é que há um conjunto de pessoas que veem no desporto português uma oportunidade. E não é pelas melhores razões. Eles não vêm para valorizar o desporto nacional, mas sim porque têm interesse próprio. E há fenómenos preocupantes que põem em causa a credibilidade do futebol português, porque todo o tipo de gente está a entrar por esta via, pelo Campeonato de Portugal. A pergunta é esta: porque é que de repente as pessoas se lembraram de investir no Campeonato de Portugal e no Distrital? O que leva estas pessoas a montar empresas complexas neste patamar? Acho que isto devia deixar-nos alerta. O sindicato tem chamado a atenção para isso. Porque há outros fenómenos associados.

O sindicato está atento às apostas, por exemplo?

Um dos temas associados é obviamente o match fixing, a manipulação dos resultados. Por que há tantos chineses a vir para Portugal e argentinos ligados a empresas? Nós temos de ter a coragem de denunciar e garantir que o campeonato é sério, justo, igual para todos e íntegro. E isso não está a acontecer. E não está a acontecer porque exatamente ao colocarem os jogadores nesta situação de precariedade, tornam-nos mais vulneráveis, mas também torna os clubes mais frágeis. Os clubes que não têm capacidade financeira estendem a mão. A maioria dos clubes, fruto de uma gestão amadora, também é preciso dizê-lo, quando viram as Sociedades Anónimas Desportivas, o investimento estrangeiro, escancararam as portas a esses investidores que não resolveram nenhum problema, só agravaram. Este fenómeno é completo nesta medida: jogadores vulneráveis que se colocam nesta situação de estado de necessidade e depois há quem explore essas fragilidades. Dos jogadores e dos clubes. Isto é feito com a cumplicidade portuguesa. São agentes portugueses, são dirigentes portugueses, que estão envolvidos em muitos destes casos. O Campeonato de Portugal é preciso que dê um passo em frente no sentido da sua regulação, de regras que permitam erradicar estes fenómenos e credibilizar a competição. O não cumprimento das obrigações, o recurso aos PER’rs – plano especial de recuperação –, as insolvências como mecanismo de não pagamento de dívidas, o match-fixing, o licenciamento financeiro, o amadorismo e os seguros. Vamos à questão da pandemia e dos testes. Em março, o Governo decidiu suspender as competições, exceto a Primeira Liga. Qual foi a reação: todos os clubes se insurgiram contra o Governo. “Isto é a morte do futebol” e eu próprio também fiquei incomodado, na medida em que percebi que, estando o futebol como estava, o não competir e a não possibilidade de gerar receitas para lá da prática desportiva ia criar graves problemas. Mas foi uma decisão do Governo sustentada nas regras de saúde. Houve até manifestações na Federação porque se entendia que era fundamental para a sobrevivência e até para a questão mental dos jogadores ser assim. E o que aconteceu agora: houve uma decisão do Governo outra vez que permitiu – e bem, do meu ponto de vista – que as competições se mantivessem. Digo ‘e bem’ quer no plano desportivo quer no plano social, do que isso significa para os jovens. É o que está a acontecer: há sempre gente a discordar. 
 

Mas parece que reage como se o mundo estivesse contra o futebol, mas não, é um facto concreto. Se olhamos para o Benfica, o Sporting e o Porto e vemos que diariamente há jogadores infetados.

Estou a colocar a questão nos seus termos, é disto que estamos a falar. Em março houve contestação e agora há pelo risco de afetar a saúde pública. 

Não sei se é contestação ou se apenas querem algumas condições de segurança.

É legítimo. Enquanto presidente do sindicato, olho para isto seriamente: vejo as críticas, aceito-as e compreendo-as. Acho que, tendo o Governo autorizado, é porque as regras foram definidas e acautelavam a saúde dos atletas e a competição. Você vai dizer-me: há um risco.

Há um risco elevadíssimo. Temos uma coisa concreta: os clubes grandes diariamente testam os seus jogadores. Apesar desses testes, há vários jogadores contaminados. No Campeonato de Portugal não há testes. O balneário de um clube pequeno não é igual ao do Benfica. Há mais risco.

Quando o Governo autoriza as competições – não estou a falar das profissionais, porque essas têm regras próprias – as regras são diferentes. O Governo e a Direção-Geral da Saúde entenderam que essas regras são inferiores às dos clubes profissionais, foram consideradas as mínimas para que a competição se realizasse. Entre isso e não ter a competição, prefiro tê-la. Acho que é fundamental. A sobrevivência do futebol depende disso, a saúde mental dos jogadores, as famílias… apesar do risco, dependem disso. Estou a tomar posição, não mando recado, não estou aqui com meias palavras. Eu sei que há esse risco, que há jogadores que podem contrair o vírus.

E contaminar os familiares.

Mesmo na Primeira Liga, com testes, os jogadores têm sido contaminados. Acho é que esse risco é inferior ao risco associado à paragem da competição que significa a morte do tecido desportivo que conhecemos.

Se formos por aí, é capaz de ser muito mais grave não haver campeonatos de juvenis e juniores do que não haver da Terceira Divisão. É o futuro.

Há uma decisão do Governo. 

Da mesma forma que me diz que há casos de 15 e 20 argentinos que chegam cá e não têm dinheiro nem sequer para partir…

Isto é à portuguesa, olhamos sempre para o copo meio vazio.

A Federação não devia fazer testes semanais a todas as equipas ou ter um contrato com um laboratório?
Em março, tínhamos a Primeira Liga a competir. Agora temos a Primeira, a Segunda, o Campeonato de Portugal, as equipas femininas… Foi um ganho numa situação mais difícil. Devíamos ter os Juvenis? Devíamos. Devíamos estar todos na rua? Devíamos. Mas não é possível. Tomar decisões não é fácil, é fácil criticar. Podemos olhar para o copo meio vazio, eu sou otimista. Devíamos estar todos fechados em casa? Eu não partilho dessa visão, mas respeito a decisão do meu Governo. Acho que no que diz respeito à pandemia, apesar dos riscos, o facto de a competição se manter é fundamental para a sobrevivência do futebol, dos jogadores e das famílias.

Uma das suas frases mais ou menos emblemáticas é que diz que “há um ambiente castrador do futebol português”. Não acha que se está a autocastrar ao não reconhecer este problema do Campeonato Nacional?

Reconheço o problema. Só lhe disse que entre não ter a competição e ter o problema, eu prefiro ter o problema. Não diga coisas que eu não disse. Existe um risco, existe um problema. O problema seria muito maior se não houvesse competição.

No contacto que tem com os capitães das equipas…

A maioria prefere jogar.

E relatam-lhe casos complicados que têm vivido?

Falo diretamente com eles. A maioria dos jogadores é responsável, tem uma atitude cívica. Ou só os cidadãos é que têm de a ter? Os jogadores também têm de cumprir as regras de distanciamento, etc. Têm de fazer o esforço que lhes compete no sentido de salvar a sua indústria que é o garante da sua vida. Os jogadores, na altura, auscultei todos, e todos queriam jogar. Em 96 clubes, há um ou outro… Há com certeza. Há jogadores que acham que há um risco maior, porque são mais inseguros, são mais ansiosos.

Sei que é frontal, mas…

A maioria das pessoas que tem uma responsabilidade no futebol está calada. Não tem coragem porque o contexto é difícil. E acho que é neste contexto que devem surgir as vozes autorizadas. Não podemos ter medo de quem emerge com os problemas se estivermos com a consciência tranquila e dissermos ao que vimos e ao que vamos. Temos de dar sinais claros de autoridade e daquilo que pretendemos. As pessoas boas do futebol, aquelas que fazem a diferença, têm de assumir publicamente a sua posição. Porque se não o fizermos, os outros que não fizeram nada vêm dizer que fizeram. 

O que é preciso assumir e fazer?

As vozes autorizadas do desporto, muitas das vezes, são cúmplices pelo silêncio, porque não assumem posições. Por exemplo, no início da pandemia, Fernando Gomes juntou os presidentes do Benfica, Porto e do Sporting, mais o da Liga na reunião com o Governo. E depois disso? Não houve mais nenhum sinal. Uma das pessoas mais ativas e com coragem tem sido o professor José Manuel Constantino. Tem publicado textos, com visão, com ideias, e tem exigido ao Estado que a Bazuca, e bem, não esqueça o desporto. Porque este não estava contemplado no dinheiro que vem de Bruxelas. Temos que ter a capacidade e autoridade de dizer ao Governo que estamos a cumprir um papel que o Estado não cumpre. Quando um clube forma os jovens e dá-lhes oportunidade de se integrarem, a inclusão, a igualdade de género… Há alguma iniciativa maior para a igualdade de género do que o futebol feminino? Os clubes substituem-se ao Estado na realização desta função. Formar os jovens, criar espaços de inclusão e de tolerância, de igualdade, e, portanto, podiam e deviam exigir ao Estado compensações por esse trabalho que é feito. Isso não acontece porque o desporto, nomeadamente o futebol em particular, perdeu a credibilidade, não se dá ao respeito. Temos também de ter consciência disso e articular posições no sentido de defender o desporto e o futebol pela função social que tem. É transversal. Acho que o desporto ficava a ganhar se tivéssemos a capacidade de mais vozes assumirem publicamente a sua responsabilidade. 

Chegou a ler que se manifestou contra o layoff dizendo que os clubes têm a obrigação de não precisar de layoff para pagar aos seus jogadores. 

Em março, o Estado, perante o confinamento, disse: “Vamos apoiar os trabalhadores e as empresas por via do layoff”. E o desporto, na altura, chegou-se à frente e disse: “Nós também queremos”. O que eu disse foi que achava, naquele momento, que o desporto não era a atividade mais problemática no ponto de vista dos apoios. Há outros setores da sociedade que têm prioridade sobre o futebol e não achei correto que o futebol, que gera milhões, estendesse logo a mão ao Estado, quando havia empresas com muitas mais dificuldades. Foi nessa perspetiva. Isso não quer dizer que o desporto não tenha direito a ser apoiado. É como a questão das vacinas: não vão chegar a todos ao mesmo tempo, vão chegar primeiro às pessoas mas fragilizadas. Em momentos de crise, devem ser definidas prioridades. Foi isso que me incomodou. Acabei agora de fazer a defesa do desporto nas condições em que ela deve ser feita. Não é só dizer: “O desporto está falido, o desporto precisa de dinheiro”. Porquê? Nós não damos dinheiro ao desporto por dar, damos porque tem uma função social. Os clubes são organizados, os clubes têm uma natureza própria e uma função social na comunidade.

Disse que o sindicato chega a ajudar jogadores portugueses que estão no estrangeiro. Que situações mais estranhas já viveu? Falou na Coreia do Sul, mas , por exemplo, na Roménia é muito comum os presidentes deixarem de pagar.

Tive na passada sexta-feira um jogador no Chipre que o clube deixou de lhe pagar. O jogador queria vir embora e não tinha condições para vir. Tinha um filho que nem sequer registado estava ainda e, portanto, não tinha possibilidade de fazer o voo. Falámos com o jogador, entrámos em contacto com o consulado, com o sindicato cipriota, resolvemos o problema. Ele já está cá e foi (jogar) para o Vilaverdense. Há jogadores que são enganados, vão com um contrato falso, um contrato que não se concretiza e depois chegam lá e não têm condições. Nós temos uma vantagem: como há mais de sessenta e tal sindicatos em todo o mundo e nós fazemos parte da FIFPRO, articulamos com eles e pedimos apoio direto para os jogadores. Há jogadores a quem retêm o passaporte e são ameaçados.

Isso é comum aqui na Europa ou mais fora da Europa?

Na Europa! Na Roménia e no Chipre, por exemplo, acontece muitas vezes isso. Retêm o passaporte, condicionam-nos, põe-nos a treinar à parte, ameaçam-nos, nós identificamos isso. Aliás, há um livro negro sobre isso que a FIFPRO fez sobre essas práticas. Estou-me a lembrar do Paulo Sérgio, na Indonésia. Com a pandemia, o clube deixou de pagar e tivemos de articular com ele para que pudesse voltar para cá. 

E vocês ajudaram a pagar a viagem?
Sim, mas há uma questão jurídica primeiro para ver se tudo é possível. Falamos para a FIFPRO e depois é organizado o regresso do jogador. Neste contexto é muito mais difícil, mas isto acontece regularmente, não só em Portugal como noutros países. E quando acontece cá, alguns jogadores estrangeiros que estão no nosso país – já ajudámos mais de duas dezenas de jogadores argentinos, brasileiros, colombianos que foram trazidos, abandonados, não tinham onde ficar, não tinham clubes, não tinham família. Nós articulamos com o SEF.

Como é possível haver tantos jogadores em Portugal não documentados? Como aparecem inscritos se não têm documentação?

Não são inscritos.

Não são? Mas eles estão nas equipas, como é que não são inscritos?

Não são. Nós já conseguimos agora uma mudança que veio responder a esse problema no grupo de trabalho que temos com a Federação, com a Liga e com o SEF. O que acontece? Os jogadores vêm… para perceber o modus operandi. É-lhes vendida a ideia na Argentina, na Colômbia ou no Brasil de que há um clube em Portugal que tem condições para eles e cobram ao miúdo ou aos pais mil a cinco mil euros. Esse grupo está articulado com o clube cá em Portugal, porque são clubes identificados e sinalizados. Eles trazem os miúdos, vêm com visto muitas vezes turístico, sem contrato nem nada ou com um contrato forjado e colocam-nos naquele clube. O jogador quando chega ao limite ou liga para nós ou o SEF faz uma investigação e deteta estes jogadores. E a Federação tinha conhecimento destes casos e não podia agir. Porquê? Porque os jogadores estavam lá a treinar, mas não estavam registados. A Federação não tinha alçada disciplinar sobre os clubes. Não existiam para a Federação. Estavam lá mas não podíamos fazer nada. Conseguimos introduzir uma norma que é: desde que o SEF vá a um clube, levante um auto e identifique jogadores nestes casos, o clube e o dirigente são punidos disciplinarmente. Seja monetariamente ou através de sanções. Exatamente para evitar isso. É inaceitável que um clube tenha jogadores nessas condições e depois diga que não é nada com ele. É uma desresponsabilização total. Mas estes jogadores que vêm, depois ficam abandonados, muitas das vezes a própria Segurança Social e o Estado não dão resposta e nós garantimo-nos a pagar a passagem aérea a vários jogadores para regressarem ao seu país. Aliás, temos vários relatos no nosso site de jogadores que naquele momento deram a cara e contaram as histórias todas.

O sindicato também tem um projeto sobre as doenças neurodegenerativas com o nome “As memórias do futebol não envelhecem”. Têm tido casos de jogadores…

Isso é recente, é um projeto. Antes disso, no contexto covid, tivemos o cuidado de fazer um programa, que é o “Plano de Emergência Reforçado”, com três áreas. Além do fundo de garantia salarial, que é aquele mecanismo que, quando os jogadores não recebem, nós adiantamos uma verba para ajudar a pagar o salário; depois adiantámos uma verba de 250 mil euros para fazer face aos casos de emergência ao nível familiar, saúde, habitação, escolar; e depois adiantamos aos jogadores entre 250 a 750 euros. Ou seja, foi uma resposta social que está ainda a decorrer. Houve vários jogadores que já recorreram. Esta foi a primeira resposta; a segunda, que é muito importante, é efetivamente não deixar ninguém em estado de necessidade… Não é por palavras é “está aqui definido”. Quanto à saúde mental: nós temos consciência de que o maior problema que as pessoas estão a viver neste momento, e os jogadores também, é um problema emocional. Insegurança, incerteza, da sua família, do futuro. Há muita gente a sofrer em silencio. Nós próprios, eu próprio acordo muitas vezes com muitas incertezas, angústias e ansiedades. Tenho filhos, a minha mãe tem 80 anos e preocupamo-nos muito. No futebol, os jogadores são, muitas das vezes, deixados à sua sorte.

Sim, nós temos muito poucos jogadores a dizer “estive deprimido”. Temos o André Gomes.

Sim, mas há cada vez mais a dar a cara. Eu percebo, isso é um estigma, mas não quer dizer que o problema não exista.

Como a ansiedade. Por que razão não há de existir no futebol?

Existe, mas também na sociedade há muita gente que não diz. Tenho pessoas amigas minhas, formadas e bem na vida, que estão a viver este problema e não contam. Porque há pessoas que não têm essa coragem de assumir publicamente, agora que há muitos jogadores na situação, há. O que é que fizemos? Fizemos um protocolo com a Ordem dos Psicólogos em que eles disponibilizaram 402 psicólogos em todo o país e nós garantimos as primeiras quatro consultas aos jogadores gratuitamente – cada consulta custa 50 euros. E temos dezenas de jogadores, agora aumentou este serviço, de todas as divisões, desde a Primeira até ao Campeonato de Portugal, a recorrer a este serviço. E ainda bem, porque se nós não tivermos capacidade emocional não conseguimos ver o problema. Se não estivermos bem de cabeça, o resto não funciona. Mas aqui, nós suportamos e entendemos que quatro consultas era o mínimo que podíamos fazer. E finalmente, a terceira parte do programa foi a qualificação. Ou seja, nós definimos ao nível de educação três grandes pilares: 12.º ano (a maioria dos jogadores não tem o 12.º ano), fizemos o protocolo com a agência nacional de qualificação e através do programa “Qualifica” eles podem fazer o 12.º. Temos centenas de jogadores a fazer isto; depois, curso superior, e depois a formação à medida. Estamos a fazer vários webinars online para qualificar e capacitar os jogadores. Aliás, diria que a grande revolução do sindicato foi olhar para o jogador de forma holística, de forma integral. Até há pouco tempo era vista só a relação jurídico-laboral: direitos e deveres, pagou ou não pagou, etc. Nós quisemos romper com essa ideia de que o jogador só tem esses problemas e, portanto, demos prioridade à educação, à saúde, à proteção social, à relação do jogador com a comunidade, ao futebol feminino. A educação é para nós o mais importante, na medida em que esta é uma carreira curta e de desgaste rápido. Curta porque termina, se não for antes, sensivelmente aos 35 anos, mas pode acabar antes por lesão, por doença ou por desemprego, e o jogador tem de se preparar para essa segunda etapa. É a isso que se chama as carreiras duais. O plano B. O jogador tem de ter um plano B, seja para ficar no clube, seja para iniciar noutra atividade, e nós investimos muito nisso. Jogadores como o Tarantini têm ajudado a criar essa necessidade de se formarem os jogadores. Os próprios jogadores, mesmo os internacionais, perceberam que para ficar nas estruturas dos clubes, têm de ter competências. Se não tiverem competências, não têm capacidade.

E recorrem a estes planos? Quem quer ser treinador, por exemplo, se não tiver o 12º ano…

Mas vamos lá ver o que quero dizer com a educação, quando digo que é prioritário. Não é só para o futebol. A educação é uma prioridade na Europa, é uma prioridade em Portugal. Porquê? Porque é o futuro. A educação e a formação dos jovens, também no desporto, é que garante o futuro de uma atividade. Isto para lhe dizer que foi um plano musculado. Por que razão nos lembrámos disso? Pela bazuca da União Europeia que vinha aí. Os outros podem fazer o que entenderem, eu entendi que o sindicato devia fazer alguma coisa, e fez isto, ou seja, fez coisas concretas: plano reforçado, saúde mental e educação.

Há relatos de muitos jogadores que ficaram com graves problemas de saúde devido à profissão?

Vou-lhe dizer qual é o contexto disso. Neste momento, os aspetos médicos e a salvaguarda dos atletas estão na ordem do dia. E um dos temas que ganharam relevância foi a concussão, que é as consequências dos impactos graves [por exemplo pancadas com a cabeça] na saúde dos atletas. Faço parte de um grupo de trabalho entre a FIFPRO e as ligas europeias, que definiram um protocolo que está a ser instituído no jogo. Quando há um choque, mesmo que o jogador queira, porque a vontade do jogador muitas vezes é entrar em campo, há um protocolo que tem de ser cumprido para evitar que haja depois danos graves para o futuro desse jogador. Em Inglaterra já está a ser implementado, cá estamos a negociar com a Liga, que também está nesse grupo de trabalho, e portanto vai progressivamente ser alargado às várias competições. Assistimos todos os dias a vários choques destes. O Peter Cech, que foi aquele muito conhecido, mas cá também. Obviamente que este problema já existia, ele não estava era na agenda porque não era uma prioridade, não havia capacidade política para o trazer para a agenda. Muitos desses jogadores têm hoje problemas. Esse programa de Reminiscências é olhar para os mais idosos que foram jogadores de futebol. O que é que estamos a pensar fazer? Com a Associação Portuguesa de Alzheimer, aquelas pessoas que sofrem destes problemas poderem, através do futebol, minimizá-los. Este projeto é original de Espanha. Qual é a ideia? Vamos imaginar, num centro onde estão pessoas com esses problemas, a ideia é irem jogadores ter um dia com as pessoas que lá estão, e reviver as memórias, ou seja recuperar a memória através do futebol. Um relato, um livro, uma caderneta de cromos, uma imagem, e o futebol tem essa capacidade, que é as pessoas recordarem momentos importantes e por essa via continuarem a preservar a sua memória. Foi demonstrado cientificamente que isso tem consequências boas para a saúde dessas pessoas. O Reminiscências é olhar para as pessoas que sofrem de demência ou de Alzheimer, e o futebol ajudá-las a recuperar nessa patologia.
 

Estamos a pôr jogadores que foram afetados por isso a ir falar com outras pessoas?
Não. Os jogadores podem ou não ter sido afetados, e podem estar ou não nessa condição. A ideia é o futebol cumprir esse papel social.

Pergunto-lhe concretamente em relação aos jogadores de futebol, tem conhecimento de muitos antigos jogadores que têm problemas por causa das pancadas que levaram?

Há muitos, os clubes têm ajudado. O Benfica, o Porto, o Sporting como sabe, tem havido várias notícias de jogadores que são ajudados. Nós, quando temos conhecimento, procuramos ajudar esses jogadores, seja do ponto de vista social, seja através de ajudas financeiras. O que temos aqui muitas vezes? Jogadores que têm penhoras, jogadores que têm um negócio e o negócio não está a correr bem, jogadores que estão sozinhos. Estou-me a lembrar do Russo, lembra-se, o do Benfica? O Artur? Estava sozinho, durante muito tempo ajudámo-lo. Estou-me a lembrar do Moinhos, também. Há vários. Sempre que temos conhecimento de uma situação dessas e temos capacidade, e o jogador precisa, nós ajudamos. Não fechamos a nossa ajuda aos jogadores não ativos.

Quantos jogadores são sindicalizados?

Seis mil…

É daí que vem o dinheiro que o sindicato tem?

Também temos receitas via Federação, via Liga e via FIFPRO, que nos permite de alguma forma dar resposta aos problemas que enfrentamos com os jogadores.

Têm em fase de conclusão o Campus do Jogador. Qual é o objetivo?

A nossa prioridade, como lhe disse, é que o jogador esteja centrado na relação entre o desporto e a comunidade. Diz-se que “os jogadores são embaixadores, são modelos sociais para os outros”. Isso é muito bonito, mas depois tem de se concretizar. O que nós achamos? Para o fazer, tínhamos que capacitar os jogadores, e para capacitar temos de dar formação, temos de ter capacidade estrutural para o fazer. Surgiu a oportunidade em Odivelas. Temos lá três campos, um de relvado natural e dois sintéticos. Temos uma parte desportiva. É uma obra grande e orgulhamo-nos muito disso, eu e a minha equipa, de deixar obra, que tem a componente desportiva e tem salas de formação. A ideia é que nesse espaço, além de termos os tais jogadores, e vamos na 18.º edição – já participaram 1067 jogadores desempregados – com uma taxa de empregabilidade de mais de 60%. Já lançámos, no âmbito do estágio dos jogadores desempregados, treinadores como o Silas, o Pedro Martins, o Nandinho, o Peixe…

Começaram lá, como?

Como treinadores.

Eles começaram lá a ser treinadores?

Sim, o Silas já assumiu. A função primeira é dar condições aos jogadores, desportivas, para rapidamente encontrarem um clube, e dar-lhes condição formativa para que, não encontrando o clube, encontrem uma solução profissional.

Esses “estágios” ocorrem quando?

Em momentos-chave da época, que é: pré-época, e na janela de janeiro. Mas a ideia é, nesse espaço, funcionar o estágio dos jogadores desempregados, e funcionar toda a formação, e vamos ter uma escolinha de futebol. Queremos que muitos dos jogadores consigam por essa via arranjar emprego como treinadores a formar jovens com valores que nós entendemos que dão vantagem para o futebol. A ideia é ter ali várias gerações de miúdos e ter ex-jogadores que acabam a carreira e possam ter essa função de preparar jovens para a vida desportiva e para o futebol.

Foi um grande investimento.

Foi um investimento de um milhão e meio. Fomos fazendo parcerias. O sindicato teve essa capacidade, por isso é defendemos uma obra feita. O sindicato é hoje uma instituição respeitada a nível nacional e a nível internacional.

Já há uma lista anunciada à liderança do sindicato que terá o apoio de Paulo Futre.

Há uma lista que democraticamente se vai candidatar, e nós entendemos que no momento certo defenderemos a nossa posição e brevemente tomarei posição sobre a minha recandidatura. O sindicato não nasceu hoje, é um projeto. Defender os interesses dos jogadores não é acordar um dia e dizer: “Agora vou defender os interesses dos jogadores”, sobretudo jogadores de futebol. Têm que ter uma atitude cívica, têm que ser ativos. Nós estivemos lá sempre, ao lado dos jogadores, os jogadores têm memória. 

O movimento Do Futebol Para a Vida, que reivindica estar a ajudar muitos jogadores do Campeonato Nacional, e que conta com figuras como Ibraim Cassamá e Fernando Madureira, deverá avançar paras as eleições do sindicato.

Temos de ter consciência que hoje em dia há um conjunto de pessoas que utiliza o futebol para atingir outros objetivos. Temos de ver quem está nas candidaturas. Porque é que de repente tantos empresários estão associados a este movimento? E dirigentes? É normal? O Sindicato é dos jogadores, não vão ter que ter dirigentes e clubes e agentes a apoiar, estou-me a fazer entender? Nós não podemos ser capturados por esses interesses. Um sindicato tem que ser independente e corajoso para defender os interesses dos jogadores. Se não conseguirmos distinguir o que verdadeiramente interessa socialmente e também no desporto, corremos o risco de amanhã nos estarmos a arrepender. Eu acho que os jogadores têm bom senso, os jogadores sabem.

Voltando ao Campeonato de Portugal. Acha que só faz sentido, como no meu tempo, em que o prémio de jogo era uma sandes de courato e um Sumol?

A Federação fez uma reforma que era necessária e era urgente, que é, daqueles 96, ver quais são os que têm condições para estar na Liga 3. A Liga 3, o que vai fazer? Vai ver, daqueles clubes que têm capacidades para ter condições intermédias para depois aceder ao profissionalismo, definir as regras para essa competição, para não criar expectativas. A Liga 3 vai ser assim: “O salário mínimo vai ser este, vai haver controlo financeiro”, pronto, vai ter condições, vai ter licenciamento. Os outros vão ser amadores, ou seja, não podem ter ilusões porque sabem que estão a praticar desporto de forma lúdica, criativa, que era o que acontecia… o desporto amador é isso! É alguém jogar à bola porque quer jogar futebol, não é para ser profissional.

Não é para irem contratar o Jardel.

Isso é outro disparate. Porque é que o Serpense, da Distrital, tem uma Sociedade Anónima Desportiva com jogadores só brasileiros? Isto faz algum sentido? Também tenho muita estima pelo Jardel, mas queremos saber quem é que são os modelos para os nossos jovens, não é? Eu quero que o meu modelo seja o Tarantini. Temos de olhar para o passado recente e para o passado mais longínquo e ver quem são os jogadores que estiveram na linha da frente a defender os interesses dos jogadores. Quem é que esteve na primeira linha? Para depois começarem a desmascarar aqueles que agora se querem aproveitar daquilo que foi feito. Não podemos entregar isto a meia dúzia de oportunistas que se aproveitam da miséria humana para alcançar um objetivo. Porque é que nos Distritais há Sociedades Anónimas Desportivas com jogadores só brasileiros, com jogadores colombianos, que colocam os jogadores nestas circunstâncias? Isto devia ser proibido. Tenho assumido que a função de um clube a este nível é desenvolver os jovens locais. É criar uma relação de comunidade. Eu sou de Bragança, e em Bragança é os jovens poderem ter espaço para desenvolver a atividade física e a atividade recreativa. Não é para trazer jogadores estrangeiros para montar a mobília de um negócio que não tem nada a ver com a comunidade nem com o futebol. Eu não quero isso para o Campeonato de Portugal. O Campeonato de Portugal e o Campeonato Distrital têm de estar ao nível daquilo que é o país desportivo hoje em dia. E o país desportivo acrescenta muito à sociedade.