Sporting-Benfica. Dois gigantes espancando-se um ao outro

Sporting-Benfica. Dois gigantes espancando-se um ao outro


1946 e 1947 – no espaço de menos de um ano, Benfica e Sporting golearam-se furiosamente: 7-2 para os encarnados, 6-1 para os leões


Dá vontade de dizer que já não se fazem dérbis como antigamente. Reparem, por exemplo, nesta sequência de resultados ao longo de três anos, até porque irei falar em pormenor de dois deles: 20-1- -1946, Sporting, 4 – Benfica, 3; 28-4-1946, Benfica, 7 – Sporting, 2; 16-2-1947, Sporting, 6 – Benfica, 1; 25-4-1948, Benfica, 1 – Sporting, 4; 14-11-1948, Sporting, 5 – Benfica, 1; 21-2-1949, Benfica, 3 – Sporting, 3. Convenhamos: quem é que não queria ir à bola para ver jogos destes, carregados de golos como uma videira carregada de uvas em setembro?

Há muito aqui por onde escolher: duas goleadas tiveram números excecionais. Foram jogadas em campeonatos distintos, a primeira no de 1945-46 e a segunda no de 1946-47, mas num espaço de menos de um ano, assim quase como golpe e resposta, KO primeiro a favor do Benfica, KO seguinte a favor do Sporting.

No dia 28 de abril de 1946, no Campo Grande, a enchente era considerável. “Bastante cedo ainda, e apesar do aspeto ameaçador do tempo, as bancadas e o peão do campo dos encarnados registavam já número muito regular de entusiastas – e muitos com as merendas da ocasião”, registava um jornal da época. Ninguém queria tirar os olhos do retângulo para ir em busca de alguma sandes de sardinha. Nada como trazer a marmita de casa, pois então.

Dois ataques fortíssimos face a face. Rogério Pipi, Julinho, Arsénio e Mário Rui, nos benfiquistas; Peyroteo, Albano, Jesus Correia e João Cruz, nos vizinhos do Lumiar. A vitória encarnada foi dolorosa para os leões. Foi como se uma azagaia lhes tivesse entrado pelo flanco, entre a terceira e a quarta costela, a caminho do coração: 7-2. Uma curiosidade surpreendente: todos os nove golos foram apontados no segundo tempo. Ora vejam: 1-0, Arsénio (46 m); 2-0, Mário Rui (52); 3-0, Rogério Pipi (58); 3-1, Albano (67); 4-1, Arsénio (72); 5-1, Mário Rui (75); 6-1, Arsénio (78); 7-1, Mário Rui (81); 7-2, Peyroteo (85). Ufa! Que diabo de 45 minutos! “O entusiasmo do Benfica não para! É compreensível a alegria dos seus jogadores e do seu público. Como é compreensível o desalento do Sporting, que viveu sempre momentos verdadeiramente aflitivos”, contava o plumitivo em questão. “A tarde que o Benfica ofereceu aos seus apaniguados foi verdadeiramente excecional, com Arsénio e Mário Rui a acertarem, cada um por três vezes, na baliza de Azevedo. Razões para que, ufanos, os benfiquistas abandonassem o Campo Grande com um rasgado sorriso nos lábios”. Mas, quem diria?, a verdadeira alegria caberia aos belenenses: foi esse o campeonato do título único dos azuis de Belém que carregam ao peito a cruz de Cristo. Quanto ao Sporting, teria de esperar pela desforra. E não esperou muito.

A resposta Dia 16 de fevereiro de 1947. Ainda nem um ano tinha decorrido sobre a desgraçada tarde dos leões no Campo Grande. Agora entravam no retângulo de jogo com uma gana própria de cavalheiros ofendidos. O tempo estava péssimo, mas não seria isso a deter o festival de futebol de ataque que estavam à beira de desenrolar.

Ao contrário do que sucedera no confronto que contou para o campeonato anterior, os verdes-e-brancos entraram a todo o gás e marcaram logo aos 7 minutos pelo extraordinário Travassos. Dez minutos mais tarde, para contrariedade de um público sedento de vingança, Vítor Baptista empatou. Os resmungos nas bancadas eram audíveis. Mas não havia motivo para desconfiança. Com os Cinco Violinos em campo, jogando a uma velocidade supersónica, o Sporting não tardou a pôr tudo em pratos limpos com golos de Travassos (28 m) e Peyroteo (34).

Francisco Moreira e Francisco Ferreira desentendiam-se, Félix Antunes não conseguia, como era hábito, impor a sua autoridade. Janos Biri, o húngaro que treinava o Benfica, estava, também ele, muito atrapalhado. A segunda parte afundou por completo os homens das camisolas vermelhas. Albano (60 m), Travassos (80) e Vasques (84) dizimaram por completo o opositor e fixaram o resultado em 6-1, repondo a diferença de cinco golos que haviam sofrido um ano antes. A imprensa sublinhou que o resultado fora tão justo que não merecia a mínima crítica. A resposta fora dada, e bem dada. Em dois dérbis consecutivos atingira-se um total de 8-8 em golos. Motivo mais do que suficiente para que houvesse uma onda enorme de entusiasmo a rodear as bancadas, tentando adivinhar o que viria a seguir. Ah! Tempos em que os dérbis só não eram perfeitos por não serem infinitos.