Este último fim de semana, além das eleições presidenciais, ofereceu-nos um Manchester United-Liverpool para a Taça de Inglaterra, aquele que é certamente o clássico que envolve maior ferocidade nos campos ingleses. Os jogos entre ambos os rivais já começam a perder-se na noite dos tempos, mas há um em particular que os adeptos preferem esquecer. Ou fazer de conta que nunca existiu: o de Sexta-Feira Santa de 1915, dia 2 de abril.
Maus tempos vivia, nessa altura, o United, lutando desesperadamente para fugir à queda na ii Divisão. Por seu lado, o Liverpool não jogava para nada. Isto é, instalado a meio da tabela, não tinha ambições. Ao mesmo tempo, uma sombra terrível pairava sobre toda a Europa, a da devastadora Grande Guerra, sendo certo para todos que a Liga Inglesa seria suspensa no final dessa época de 1915.
Dentro de campo, o United venceu por 2-0, com dois golos de George Anderson, e os seus jogadores não contiveram a alegria. Mas a forma displicente como os jogadores do Liverpool tinham encarado a partida, pouco ou nada fazendo para discutir o resultado, desperdiçando um penálti de forma ridícula e com uma cena grotesca, chocante para os 18 mil espetadores que assistiam ao encontro – Fred Pagnam chutou uma bola contra a barra da baliza do United e foi de imediato repreendido pelos companheiros –, fizeram com que o árbitro referisse todos esses pormenores no relatório, o que levou a um inquérito por parte da Football Association (FA).
Apostas Um dos primeiros pormenores a serem tornados públicos foi o excesso de apostadores que acertaram no resultado de 2-0. A pulga saltitava atrás das orelhas dos encarregados pela investigação. A trafulhice tinha sido feita à trouxe-mouxe, de tal ordem que rapidamente os adeptos de ambos os clubes ficaram chocados quando Sandy Turnbull, Arthur Whalley e Enoch West, do United, e Jackie Sheldon, Tom Miller, Bob Pursell and Thomas Fairfoul,do Liverpool, foram acusados de terem combinado o resultado.
O responsável-mor pela tramoia fora um antigo jogador do United chamado Sheldon, que tratou de empochar uma bela quantia por via das apostas fraudulentas. Jogadores como Pagnam, do Liverpool, e Billy Meredith, do United, ofereceram-se para testemunhar contra os companheiros de equipa. O primeiro revelou como fora brutalmente interpelado no momento em que estivera à beira de marcar um golo pelo Liverpool; o segundo demonstrando estranheza por ninguém da sua equipa querer passar-lhe a bola. A FA concluiu que o embuste não envolvera, de forma alguma, os dois clubes, e que foram os jogadores que montaram o esquema, à revelia dos seus dirigentes e de vários dos seus camaradas. Além disso, embora o resultado tenha permitido a permanência do United na i Liga, o relatório afirmou que a falcatrua tivera unicamente objetivos financeiros.
O peso da justiça foi violento. Todos os sete jogadores referidos foram banidos do futebol para sempre, segundo uma decisão oficial publicada a 27 de dezembro de 1915. Alguns, em desespero, lançaram-se em processos judiciais contra a federação inglesa. Debalde.
Sandy Turnbull foi morto em combate. Os outros, que serviram no exército, viram os seus castigos comutados por terem lutado na guerra pela pátria. Em 1919 tinham o cadastro limpo. Mas a verdade é que o anátema da batota continuava a pesar-lhes nos ombros. Nenhum deles voltou a jogar.