Une Femme Mariée (1964) Com uma filmografia que se estende por mais de seis décadas, mais de uma centena de obras, entre as quais mais de quatro dezenas de longas-metragens, não poderiam todas as suas obras merecer a mesma atenção e destaque constantes. Mas valerá a pena olhar para Une Femme Mariée, tido como um dos seus mais filosóficos trabalhos desta fase. A partir da história de um casal, Charlotte (Sacha Meril) e Pierre (Phillippe Leroy). Ela, a mulher casada, com a sua falta de autoestima e a não-aceitação do seu corpo, mantendo um caso com outro homem, um ator interpretado por Bernard Noel, enquanto Pierre, alheado, segue a sua vida.
Le Mépris (1993) Do mesmo ano em que acabou por se estrear Le Petit Soldat (filme de 1961 mas cuja estreia a censura empurrou para dois anos depois), Le Mépris. Para esta que é considerada (mais) uma das suas obras-primas, trouxe Godard Fritz Lang – o próprio. A partir do romance homónimo de Alberto Moravia e filmado já a cores e a partir dos estúdios da Cinecittà, em Roma, no centro da ação, um dramaturgo, interpretado por Michel Piccoli, Paul Javal, que aceita trabalhar como argumentista na adaptação da Odisseia de Fritz Lang. Carlo Ponti, o produtor do filme, propôs-lhe Marcello Mastroianni e Sophia Loren para protagonistas, Godard recusou. E foi Brigitte Bardot quem contracenou com Piccoli.
À Bout de Souflle (1960) “Um filme deve ter um início, um meio e um fim, mas não necessariamente nessa ordem”. Comecemos contudo pelo princípio, pela sua primeira e seminal longa-metragem: À Bout de Souffle. Filme que estreado em 1960 que com Les Quatre Cents Coups (1959), de François Truffaut, marcou o início do movimento que ficaria conhecido como a nova vaga francesa. Protagonizado por Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg e quebrando todas as convenções, O Acossado, título com que chegou a Portugal, produziu um “impacto sísmico” raro para uma primeira obra, como lembra David Parkinson num guia para Godard do British Film Institute.
Vivre Sa Vie (1962) Um filme dividido em 12 partes em que se abre o campo de batalha entre as imagens e o som. “Não é um combate”, explicou Godard, “mas também não é apenas juntá-los. Enquanto o que o cinema tradicionalmente faz é fazer dos diálogos ou das imagens não mais do que um complemento do significado, como se se pusesse um selo num pacote”. Anna Karina, com quem se havia casado em 1961, interpreta o papel de uma jovem mulher que sai de casa com o sonho de se tornar atriz mas que, fracassada, se torna antes prostituta. Um retrato raro à época que se sucedeu a Une femme est une femme, já com Karinna, depois de Le Petit Soldat, um filme de 1961 mas cuja estreia a censura empurrou para dois anos depois.
Histories du Cinéma (1988-1998) Num projeto que desenvolveu ao longo de dez anos (em Portugal editado em DVD pela Midas Filmes), Godard percorre filmes, tanto de outros realizadores como seus, obras de pintura e de fotografia, bandas sonoras, músicas, que pontua com a sua voz off numa construção de um auto-retrato desenhado pelo cinema. Dividido em quatro partes, cada uma delas composta em seis episódios, Histoire(s) du Cinéma foi já por vários descrito como a grande obra de arte do século XX. Escreveu David Hudson ontem num texto publicado pela Criterion Collection que se trata de uma série “tão fundadora para o ensaio audiovisual na sua forma atual como O Acossado [1960] foi para a nova vaga francesa”.
Week-end (1967) “Fin du Film. Fin du Cinéma”, dizia-nos Godard no final de Week-end. Filme que, juntamente com La Chinoise, marca o fim de um período no seu cinema. Se para La Chinoise partiu numa adaptação livre de Os Possessos, de Dostoiévski, Week-end, concluído no mesmo ano, é uma comédia negra protagonizada por Mireille Darc e Jean Yanne, à época duas estrelas da televisão francesa. Segundo Julio Cortázar numa carta à sua tradutora Suzanne Jill Levine, Godard ter-se-á inspirado num conto seu, La autopista del Sur, para esta história contada numa atribulada viagem de automóvel que, como o cinema, parece capaz de conter em si toda a vida – e a morte.
Alphaville (1965) Godard num cenário de ficção científica pode bem ser Paris, a Paris da década de 1960 que com a colaboração do seu diretor de fotografia, Raoul Coutard, foi capaz de transformar em cenário futurista sem recorrer à construção de qualquer cenário. Cidade desse futuro em que retrata uma sociedade em que conceitos como amor ou consciência se tornaram inalcançáveis. Alphaville é o nome dessa cidade em que transformaram a Paris noturna em que Lemmy Caution, um agente secreto (Eddie Constantine), que se apaixonará por Natacha von Braun (Anna Karina), programadora do Alpha 60, o computador que controla Alphaville e que é destruído com uma frase: “je vous aime”.
Masculin Féminin (1966) Pela altura da estreia de Masculin Féminin, escreveu sobre ele o crítico britânico Tom Milne ser “o mais complexo filme até à data”. As cenas de sexo fizeram com que o filme fosse interdito em França a menores de 18 anos. Respondeu Godard: “exatamente a audiência a que se destinava”. Reação justa para com aquilo a que se propunha com Masculin Féminin, descrito por Eric Kohn (IndieWire) como um “statement iconoclasta sobre a cultura jovem francesa” num artigo em que o realizador francês Michel Hazanavicius nota: “Os filmes dele eram vistos como encenações. Os outros eram realistas. Mas hoje, quando recuamos e olhamos para esse período, os que eram reais eram estes”.
Le Livre D'Image (2018) Não ficará em princípio este como o último filme de Jean-Luc Godard, que em preparação tem dois novos projetos, um dos quais entrou já em fase de rodagem, segundo adiantava ontem a propósito do 90.º aniversário do cineasta ao jornal suíço Le Matin o seu colaborador Fabrice Aragno. Inicialmente intitulado Tentative de bleu and Image et parole, foi distinguido em Cannes com a atribuição, pela primeira vez na história do festival, com uma “Palma de Ouro especial”. Em linha com o que tem sido a forma das suas obras mais recentes, Le Livre d’Image é um filme-ensaio em que Godard percorre a história do cinema questionando-se sobre a sua incapacidade para reconhecer as atrocidades a que o mundo assistiu nos séculos XX e XXI.