O presidente da Câmara de Ovar, Salvador Malheiro, que também é vice-presidente do PSD, desdobrou-se em declarações após o anúncio da redução do isolamento profilático para os casos de infeção pelo novo coronavírus sem precisar de novos testes. O autarca alerta que tal medida comporta riscos acrescidos e maior incerteza. Salvador Malheiro dirige o concelho que viveu uma cerca sanitária em março.
Veio a público contestar a nova norma da Direção-Geral da Saúde que permite a um infetado com covid-19 assintomático sair do confinamento obrigatório ao fim de dez dias sem novo teste ao novo coronavírus. É crítico porque esta decisão pode alterar artificialmente os números da pandemia?
Em primeiro lugar, não sou médico, não sou profissional de saúde. Sou apenas alguém que está a gerir uma pandemia local num território desde março até hoje. Em nossa opinião, não estamos de acordo com esta norma.
Porquê?
Em primeiro lugar, pelo facto de colocar em risco aquilo que é a saúde pública; em segundo lugar, coloca muita responsabilidade em cima das empresas, (e também das escolas) e, por outro lado, também retira responsabilidade à Segurança Social ao nível das suas responsabilidades nas retribuições sociais em casos de isolamento profilático. Essas são as razões principais pelas quais eu tenho muitas reservas em relação a essa norma, ainda por cima num momento em que estamos a constatar um crescente incremento do número de infeções com a covid-19 e em que vários especialistas estão a apontar para números verdadeiramente enormes num futuro próximo. Creio que se está a arriscar muito com esta norma. Estamos a colocar um nível de incerteza muito grande. Esta era uma altura de estancarmos a pandemia, e não de proporcionarmos condições para que a pandemia se propagasse ainda mais. Ainda poderia dar de barato reduzir-se o tempo [de isolamento profilático]; agora, deixar de existir a necessidade de um teste negativo, creio que isso é muito, muito arriscado.
Mas é ou não é uma forma de aumentar artificialmente os números de recuperados?
Não quer dizer que isto seja uma estratégia para aumentar o número de doentes recuperados artificialmente, mas o certo é que quando esta norma entrar em vigor (só entra em vigor para os infetados depois de 15 de outubro), não tenho a menor dúvida de que o número de recuperados vai aumentar muito, tendo em conta o número de infeções que nós tivemos a partir do dia 15. Não sei se foi propositado ou não. O certo é que, com isto, vamos sentir um enorme aumento de recuperados. Mas o que mais me preocupa é a saúde pública. Não temos garantias completas de que essas pessoas, ao fim de dez dias, mesmo não fazendo testes, apesar de estarem assintomáticas, não sejam portadoras do vírus e não tenham capacidade de infeção nos seus contactos.
Acha que as autoridades de saúde estão a navegar à vista, a tomar decisões em cima do joelho?
Acho. Estamos a viver este problema desde março, há mais de meio ano, e é por demais evidente que já se apontava para uma segunda vaga. Que é real. Hoje constatamos uma contaminação comunitária praticamente em todo o país. E, portanto, questões como aumentar a capacidade de testagem, aumentar o número de profissionais de saúde prontos para fazer os contactos com os infetados, aumentar os profissionais de saúde para fazer os inquéritos epidemiológicos, tudo isso já deveria ter sido feito há muito, muito tempo. E não estarmos agora nesta situação de uma incerteza total. Todos os prognósticos, todas as estimativas apontam para um aumento enorme do número de casos. Acho que tem faltado muita coragem a este Governo no que diz respeito a esta matéria. Não devemos estar a adiar medidas que já deveríamos ter tomado há mais tempo, inclusivamente algumas restrições ao nível da mobilidade. Estou a falar designadamente de confinamentos, que já deveriam ter acontecido em locais muito precisos. Nunca falar de municípios, de regiões – não é isso que está aqui em causa, mas restrições locais à escala de um bairro, à escala de uma rua, à escala de uma freguesia onde tem sido por demais evidente essa tal contaminação comunitária, onde já devíamos ter atuado, sobretudo para estancar a propagação da pandemia.
Ou seja, o que está a dizer é que o Governo não teve mão firme.
Não tem tido mão firme, está a gerir para o dia seguinte e não tem sido prospetivo para ter aqui medidas que possam ter resultados e consequências a médio e longo prazo. Neste momento estamos a viver um período crítico.
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