Vem de há 12 anos a vontade de Gonçalo Waddington de fazer este filme, do tempo em que acreditava que poderia ainda ele próprio interpretar esta personagem: Patrick, Mário, encontrar a identidade que melhor lhe serve será difícil. Para nós, mais ainda para ele. Fiquemo-nos por aquilo do qual é possível falar: Hugo Fernandes, o brilhante ator que o interpreta. Descoberta de Gonçalo Waddington, poderá quase dizer-se, para protagonizar este mergulho no lado da história do desaparecimento de crianças que nunca vemos, sobre o qual raramente pensamos: o lado delas, as vítimas. Patrick, a estreia na longa-metragem do ator, encenador, dramaturgo e também realizador e argumentista Gonçalo Waddington chegou ontem às salas.
Há uma ideia que percorre todo o filme, e que se adensa à medida que avançamos, de uma impossibilidade de compor, de consertar, aquilo que está desfeito. Quem é o Mário e quem é o Patrick? E, como escreves na nota de intenções, será que alguma vez o Mário e o Patrick poderão sobrepor-se, ser a mesma pessoa? Ao telefone, ele pergunta a uma pessoa que só depois descobrimos quem é: “Porque é que me chamavas Patrick se eu te dizia que o meu nome era Mário?”
Até uma dada altura ele ainda reagia, ainda dizia “o meu nome é este”, mas com certeza terá havido um momento em que teve de desistir e baixar a guarda e ele próprio participar ativamente nessa mutação de identidade. A uma dada altura, vivendo com aquele homem, eventualmente até as boas recordações, como o cheiro da casa, o toque da mãe, a voz da prima, as brincadeiras, aquela casa, se tornam dolorosas. Às tantas o cérebro há de ter algumas formas de se defender. Mas há aqui um facto: se a pior coisa que aconteceu àquela mãe e àquela criança (e às outras pessoas todas) foi aquele rapto, terem-nos separado; a segunda pior coisa que poderia acontecer era terem-nos juntado tantos anos depois.
Sim.
Às vezes querer fazer o bem só estraga tudo, não é? Às vezes as pessoas não pensam nas consequências dos seus atos. Se calhar acham que estão a fazer o bem, mas talvez estejam mais a resolver os seus problemas do que os problemas dos outros. Quando o polícia português resolve trazer o Mário para Portugal, achando que está a ajudar a mãe e o miúdo, nem sequer pára para pensar na…
… na violência desse gesto.
Se calhar pensa que andou à procura daquela criança a vida inteira…
E nesse sentido o problema dele, como dizes, fica resolvido.
Sim, se calhar resolveu mais o problema dele. Não estou a dizer que o fez por mal, as pessoas nunca fazem por mal. Da mesma forma que é fácil desgostarmos da personagem da tia [irmã da mãe de Mário, interpretada por Carla Maciel], mas se calhar a tia está mesmo a zelar pelo bem da irmã e pelo bem da filha [Alba Baptista] quando pensa “aquele gajo se calhar não é boa rês”.
Aproveitando o que dizias ainda agora sobre como a ideia de os voltar a juntar poder ter sido a segunda pior coisa que lhes aconteceu na vida, o filme constrói-se muito em cima de contrastes: o mais evidente entre o que era a vida em Paris e o que é a vida neste interior de Portugal para onde é levado.
Porque aquela zona de campo interior em que as pessoas estão muito mais tempo sozinhas consigo próprias é um terreno mais fértil, uma melhor arena, para um combate consigo próprias. No silêncio, ou os fantasmas ganham ou ganha o que é positivo. O bom senso, por exemplo. É interessante pensar que aquele rapaz está a viver em Paris, sim, vermos aquela confusão toda na Gare du Nord, o trânsito, o barulho, tudo, no início do filme. Vemos um jovem que parece um peixe na água, até nos custa acompanhá-lo. Aquela é a vida dele, aquele barulho, aquele ritmo, nada daquilo o assusta ou o incomoda. Quando chega à Sertã e está sozinho, o que para mim é stressante em Paris, aquele barulho todo, a ele isso acontece-lhe ali, naquela casa em Cernache do Bonjardim: é o trânsito das borboletas e das formigas e das folhas e do vento. Aquilo stressa-o.
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