Odete António ocupa os dias a tratar da horta e dos animais. O tempo avança, mas a sua memória passa sempre o mesmo filme: o de 17 de junho de 2017. É raro o dia em que as lágrimas não aflorem aos olhos e não há noite que durma sem acordar a meio. “Estou sempre a passar o mesmo filme na minha cabeça, sempre a lembrar-me das minhas meninas”, conta, enquanto explica à vizinha, na aldeia das Várzeas o porquê de continuar a fazer o luto pelas duas netas e nora, que viu morrerem queimadas na EN236 há três anos. “Primeiro, as pessoas a gritar, depois o silêncio”, contou Odete, como se estivesse a passar por tudo outra vez. “E que inferno, mas é destino e o destino está traçado”, acrescenta.
O marido, Eduardo António, ainda hoje sofre os efeitos do fumo daquela noite: já foi operado duas vezes às cordas vocais e a voz custa a fazer-se ouvir. Mas, mesmo com o tom a falhar, há uma notícia que dá com lágrimas de alegria, com uma paisagem já verde de fundo: “Vamos ser avós, é uma menina”. Nada substituiu as netas – a atleta que gostava muito de animais e a mais velha, que queria ser médica e que faria este ano 18 anos –, mas esta vai ser uma distração que chega já no início do próximo mês.
Não há tempo que leve as recordações e esta família, que agora se ergue, faz tudo para manter a memória das netas e da nora. “O meu filho construiu aqui um altar para pôr as cinzas das meninas e da minha nora, está quase pronto, só falta a porta”, revela o casal, que se mudou definitivamente nos últimos meses para a aldeia de Várzeas. Não queriam sair da Póvoa de Santa Iria, onde viveram durante 50 anos, pelas memórias que Pedrógão Grande carrega, mas o filho instalou-se ali de vez. “E nós viemos também, não íamos ficar lá sozinhos, assim estamos todos, incompletos, mas juntos os que restam”.
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