Chamava-se Fernando Martins de Bulhões, tinha uma estatura anormalmente alta para a época, um trato excecional e uma memória prodigiosa. Filho de uma família nobre, nasceu em Lisboa, entre 1190 e 1195, mas cedo se tornou num homem do mundo. Foi o primeiro missionário português, o primeiro português franciscano e o único santo português que, até hoje, recebeu o título de Doutor da Igreja. Falamos de Santo António, o mais popular dos santos portugueses, cuja vida é praticamente desconhecida para uma grande maioria dos populares, tanto devotos como não crentes que, de ano para ano, se juntam às festas em sua honra. O investigador José de Carvalho acaba de lançar uma biografia que, acredita, levará ao grande público um pouco da vida e da mensagem de um homem “extraordinário”.
Afirma no seu livro que Santo António foi o primeiro português que se universalizou. Em que medida?
Santo António foi, de facto, o primeiro português que se universalizou na medida em que, em plena Idade Média, o seu nome se tornou conhecido em todo o lado. Ainda nos dias de hoje, em qualquer Igreja ou capela de todos os continentes, e mais de 800 anos depois da sua entrada na Ordem Franciscana, que se assinala este ano de 2020, há imagens de Santo António. António é um português universal e um nome que se projetou para além fronteiras do país onde nasceu. A imprensa, no período do Renascimento, claro, ajudou a divulgar a figura e o fenómeno antoniano. As descobertas dos portugueses, pelo mundo fora, e com a presença de Franciscanos para evangelizar, divulgaram a figura pela América, Ásia e África. Ainda nos dias de hoje, em inúmeros países, temos a presença da devoção ao Santo, especialmente nos de expressão portuguesa, uma herança dos portugueses dos séculos XV e seguintes. É, se quisermos, um santo global. Mais: em linguagem futebolística, e se me permitem a ousadia, Santo António é uma espécie de “Ronaldo dos santos”, conhecido em todo o mundo e como um dos mais ilustres da História da Cristandade.
O processo de canonização foi muito rápido, deu-se menos de um ano após a sua morte. Na época esta celeridade era habitual?
A santidade, antes de mais, é a virtude humana elevada ao máximo. Não tinha decorrido um mês sobre o falecimento de Santo António, já os paduanos dirigiam uma petição ao Santo Padre para que fosse canonizado. Este pedido foi formulado por toda a gente, desde o mais humilde habitante daquela cidade, até ao mais destacado e ilustre nobre. O Sumo Pontífice Gregório IX encarregou então o próprio bispo de Pádua de proceder a um inquérito, acompanhado de novo pedido. Foi levado a Roma por dois franciscanos e dois nobres cavaleiros. Nele se registaram e testemunharam, de imediato, cinquenta e três milagres. Reuniu-se o sacro colégio para examinar a petição e dois cardeais foram encarregados de fazer o processo de canonização, cuja apreciação foi fixada para o dia 30 de maio de 1232. Nesse dia, reunido o sacro colégio na Catedral de Spoleto com a assistência de representantes de toda a Cristandade, príncipes e nobres, religiosos e deputações de todos os países, Gregório IX canonizou Santo de junho. Diz-se que nesse momento os sinos da cidade de Lisboa repicaram milagrosamente e todos ao mesmo tempo, sem que ninguém os tangesse. A canonização de Santo António, realizada 11 meses após a sua morte, é facto único na História da Igreja e esse facto mais glorifica o santo português. Evidentemente, que o processo de canonização era distinto daquele que temos hoje e foi atualizado por São João Paulo II e Bento XVI. Na Idade Média, o processo era mais rápido e ligeiro; mas isso em nada retira dignidade ao ato de canonização do santo português.
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