João Paulo Gomes. “Os primeiros casos detetados deram origem a pouquíssimas cadeias de transmissão”

João Paulo Gomes. “Os primeiros casos detetados deram origem a pouquíssimas cadeias de transmissão”


Investigador lidera a equipa do INSA que está a construir a árvore genética do coronavírus no país. Ovar é caso de estudo.


Antes, já se dedicavam à análise do genoma de vírus e bactérias, mas as preocupações eram outras: surtos de doença dos legionários, sarampo, salmonelas, listéria e tuberculose, área em que têm um projeto inovador que começa a dar resposta aos médicos sobre as resistências do bacilo a antibióticos em dez dias, em vez do compasso de espera habitual de mais de um mês para cultivar a bactéria em laboratório. Nas últimas semanas, o núcleo de bioinformática do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) foi mobilizado para o combate à pandemia e passou a estar à caça de outros elementos invisíveis: elos de transmissão da covid-19 em que pode não ter sido possível estabelecer ainda uma ligação epidemiológica, e é o próprio vírus – no caso, o seu material genético – a dar pistas. É um trabalho de detetive que procura, a partir do genoma do vírus, ajudar a traçar a história da propagação da infeção com SARS-CoV-2 no país. E de onde podem sair armas para o futuro. Os resultados dos primeiros 558 genomas já estão disponíveis e mostram que 88% pertencem à linhagem mais prevalente na Europa. Ovar é um dos focos de interesse: todos os casos sequenciados – até agora, uma centena – parecem descender da mesma pessoa, que terá originado uma gigantesca cadeia de transmissão, com transmissões primárias, secundárias, terciárias, etc. “Se um único foco de introdução tiver causado todos os casos, com mais, a situação teria sido inimaginável”, diz João Paulo Gomes, responsável pela equipa, que vai ajudar a perceber a eficácia da cerca sanitária. Em conversa com o i, o investigador ajuda a perceber como interpretar os vários estudos que têm saído sobre a evolução do novo coronavírus e defende que é cedo para dizer se há mutações mais infecciosas ou até outras que sugerem que o vírus pode estar a “enfraquecer”. Um dos objetivos do INSA é conseguir ligar mutações específicas à severidade da doença, o que permitiria dar pistas no momento do diagnóstico sobre que casos podem ter uma evolução mais desfavorável.

Temos um vírus novo que aparece na China. O que conseguem ver ao sequenciar os genomas e o que são essas linhagens que estão a identificar?

Ninguém sabe quando o vírus apareceu, terá sido algures no final do ano passado, na China, e os primeiros vírus que são analisados já terão pequenas variações. Ninguém sabe ao certo qual foi o caso índice. Morreram, com certeza, pessoas com pneumonia que já poderiam ter este vírus, e nunca se saberá. O que sabemos é que este vírus, a certa altura, passou de um animal para os humanos. Pensa-se que o hospedeiro primário terá sido o morcego e que, antes de chegar ao homem, terá passado por um hospedeiro intermediário.

O pangolim?

É das hipóteses mais prováveis. A partir daí, ter-se-ão originado cadeias de transmissão. Sequenciando os vírus, vai-se percebendo mutações que permitem estabelecer relações entre os vírus ao longo do tempo, as diferenças que vão surgindo e as diferentes linhagens. Este vírus tem uma taxa de mutação baixinha. Pensa-se que em média, por mês, ocorrem duas mutações. Por exemplo, imagine que uma pessoa é infetada hoje: se mantiver a infeção durante um mês e sequenciar o vírus hoje e daqui a um mês, quando já está quase curada, o vírus já poderá ter duas mutações, duas alterações no código genético. Ou, por exemplo, se eu infetar alguém hoje, e depois essa pessoa passar a outra, e depois a outra, se comparar o meu vírus com o vírus de outra pessoa nesta cadeia de transmissão dali a um mês, é expetável haver duas novas mutações.

 

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