Este ano, a comemoração do 1.o de Maio vai ser diferente, sem desfile e apenas com discurso, e coincide com a estreia de Isabel Camarinha à frente da CGTP. Ainda assim, a nova secretária-geral da central sindical garante que a data não pode ser passada em branco face aos “atropelos” a que estamos a assistir por parte das empresas nesta fase de pandemia. De acordo com a responsável, o que as empresas estão a tentar fazer “é passar uma borracha sobre os direitos dos trabalhadores, não cumprindo a lei nem cumprindo a contratação coletiva”. Para Isabel Camarinha, a “salvação” da economia não pode ser feita à custa dos trabalhadores nem dos seus salários. E, como tal, não abre mão dos aumentos salariais para o próximo ano, lembrando que a austeridade imposta no tempo da troika mostrou que a receita estava errada.
A CGTP optou por manter o discurso no 1.o de Maio. Como vê as críticas que são feitas?
Não estamos a sentir propriamente uma polémica. É evidente que há opiniões diferentes e cada um tem direito à sua. Decidimos foi não realizar as manifestações, as concentrações e os desfiles que a CGTP realizaria e que já estavam inclusive convocadas antes de sabermos que íamos entrar neste surto epidémico e que haveria estas medidas de distanciamento sanitário e de proteção da saúde, que temos de garantir. Quando constatámos que estávamos nesta situação, decidimos não realizá-los. Mas isso não fez com que achássemos que não teríamos de trazer para a rua essa comemoração com participação limitada, garantindo a proteção, o distanciamento sanitário e a proteção da saúde. Temos de trazer para a rua a voz dos trabalhadores, das centenas de milhares de trabalhadores, que estariam nas nossas manifestações se pudéssemos realizá-las e que diriam alto e bom som que exigem medidas que efetivamente garantam o emprego, os salários e os direitos.
Mais do que nunca, é importante comemorar esta data?
O que estamos a verificar é que temos um milhão de trabalhadores em layoff e mais de 350 mil desempregados. Há ainda cerca de 300 mil trabalhadores em situações diversas com brutais perdas da sua retribuição, na ordem de um terço ou mais, e há situações que estão a colocar na pobreza milhares de trabalhadores e as suas famílias. Temos vindo a assistir ao que têm sido as solicitações de trabalhadores, por exemplo, ao Banco Alimentar, à Cáritas e a outras instituições. É uma situação que consideramos inaceitável. As medidas que foram tomadas não foram suficientes para os trabalhadores e são também muito desproporcionadas, porque há um conjunto vastíssimo de apoios às empresas com várias modalidades, nomeadamente o layoff simplificado, que retira um terço da retribuição aos trabalhadores e que já está com uma dimensão enormíssima, ao qual grandes empresas têm acesso. Tendo em conta esta situação, e o atropelo que está a ser feito aos direitos dos trabalhadores desde que se iniciou este surto epidémico, com o aproveitamento muito grande das entidades patronais para, numa altura em que deviam até respeitar ainda mais os direitos dos trabalhadores, não estarem a cumprir, há necessidade de que a Autoridade para as Condições do Trabalho intervenha muito mais e que a sua intervenção seja dirigida à exigência do cumprimento dos direitos dos trabalhadores.
E isso está a ser cumprido?
Vemos a situação em que estão milhares de trabalhadores. Em 2019 tínhamos perto de 850 mil que não tinham contratos de trabalho permanente, mas a sua esmagadora maioria ocupa postos de trabalho permanentes. Ou seja, no quadro da nossa legislação de trabalho, que é até muito permissiva relativamente à precariedade, esses vínculos deviam ser efetivos. E não são. Isso nunca é verificado pela ACT e a verdade é que os trabalhadores estão dois, três, quatro ou cinco anos a garantir picos de atividade e outras situações completamente falsas porque estão a ocupar postos de trabalho permanentes. O que vemos agora, nesta situação de surto epidémico, num período em que os trabalhadores precisam ainda mais da garantia dos postos de trabalho, é que as empresas estão a mandar embora todos os trabalhadores com vínculos precários e grande parte deles já estão a engrossar os números do desemprego. Nessa situação em que não há garantia dos postos de trabalho, não há garantia da retribuição total dos trabalhadores, e tendo em conta o grande número de vínculos precários a serem despedidos, com o atropelo aos direitos, seja dos horários de trabalho ou de outros direitos, tudo isto assola milhares de trabalhadores.
É necessário dar voz a esses casos…
Exatamente. O panorama é de tal forma grave que temos mesmo de dar voz a estes trabalhadores. O que considerámos foi que no 1.o de Maio – e isto até foi muito consensual -, independentemente de haver estado de emergência, de haver medidas de distanciamento e de proteção da saúde, tínhamos de realizar estas iniciativas, desde que fossem garantidas essas medidas.
Como vai ser garantida a regra da distância social que é exigida?
É fácil. Somos muito organizados e muito responsáveis. Vamos garantir que entre os participantes haverá distâncias entre os 3 e os 5 metros. Isso será feito marcando os locais onde cada um terá de estar.
Como se faz no supermercado…
Quase. Não será com cruzinhas nos sítios, mas temos formas de assinalar o local onde cada um deve estar para garantir o distanciamento. A questão da saúde e da segurança é fundamental. Vamos garantir também as máscaras para as situações em que são necessárias, nomeadamente nos transportes. E quem quiser usará máscara durante as iniciativas,. Foi-nos garantido pela Direção-Geral da Saúde que ao ar livre não há obrigação de usar máscara. Mas quem quiser, para se sentir mais confortável, usa. Aqueles que ali vão estar, cujo número será sempre limitado, e até porque, por uma questão de precaução, não aconselhamos a participação de reformados ou de pessoas em situação de risco e de crianças, serão a voz de todos os outros que estão nas suas casas ou nos seus locais de trabalho, porque, infelizmente, para além dos trabalhadores que têm de assegurar os serviços imprescindíveis, há um conjunto de empresas, por exemplo, as de distribuição e hiper e supermercados, que vão ficar abertas.
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