O Tédio dos livros

O Tédio dos livros


No dia mundial dos livros, só apetece citar Fernando Pessoa: “Ai que prazer/ Não cumprir um dever,/ Ter um livro para ler/ E não o fazer!/ Ler é maçada,/ Estudar é nada./ Sol doira/ Sem literatura/ O rio corre, bem ou mal”…


Face à quantidade verdadeiramente obscena de vídeos de todo o teor, de poemas lidos, de recomendações, de desafios quanto aos livros mais marcantes, as músicas mais marcantes, os filmes mais marcantes (como se a vida fosse redutível às suas notas mais agudas, às suas datas mais memoráveis), pode-se responder com o início de um pequeno texto que Siegfried Kracauer publicou em 1924, sugestivamente intitulado “Langeweile”, “O Tédio”. “Aqueles que hoje têm tempo para se entediar e não se encontram entediados são tão entediantes como aqueles que não tem oportunidade de se entediar”. E o que encontramos, nesta sociedade de trabalhadores sem trabalho, como diria Arendt, é esta necessidade, sem dúvida entediante, de empregar o tempo de todas as formas possíveis – “empregar o tempo” é uma expressão propositada, evidentemente. Nesta nova economia do aborrecimento, que é preciso distinguir do tédio, palavra com uma rica tradição filosófica e literária, o livro preenche a sua função de bem essencial. Sobre este último, podíamos dizer aquilo que Kracauer notava relativamente aos “palácios da distração” – como chamava aos cinemas na Berlim dos anos 20 do século passado: que, nas mãos dos literatos, ele se transforma na “afirmação ingénua de valores culturais” que as modificações sociais tornaram irreais. Aos enfastiados que vêem no livro o último reduto da cultura, a barragem contra a barbárie onde obras eternas se conservam, àqueles que acendem velas no altar livresco, é preciso dizer: mais vale a superfície vazia do estrelato, onde a “anarquia incontrolável do mundo” encontra, pelo menos, a sua comédia, do que as vossas afirmações enfastiantes de uma dignidade que já não existe – vocês, que nem conseguem estar entediados. 

Mais não fosse, portanto, por esses dois pequenos textos que nos permitem medir a temperatura a certos acontecimentos contemporâneos, e este livro de Kracauer (“The Mass Ornament. Weimar Essays”, na tradução inglesa), já valeria a pena. E o mais interessante neste judeu alemão que morre em 1966 é a sua incapacidade para o lugar-comum, ao ponto de sobre ele podermos afirmar aquilo que, algures, alguém relatou sobre André Gide: que não é capaz de escrever uma banalidade. Mesmo nos ensaios mais datados, há sempre uma ideia, um pequeno motivo, um raciocínio, que nos permite experimentar aquela alegria que, como afirma, se encontra no fim do tédio.