A música de Thundercat, nome artístico de Stephen Lee Bruner, nunca foi fácil de catalogar. O prodigioso baixista é um dos músicos mais ecléticos do planeta, algo que o levou a colaborar com figuras como Kendrick Lamar (juntos, arrecadaram um Grammy pela música These Walls), Erykah Badu, Childish Gambino, Flying Lotus e até a banda de punk Suicidal Tendencies (onde tocou entre 2002 e 2011). Portanto, na hora de criar um registo para os seus álbuns a solo, que, agora, com It Is What It Is, a quarta entrada na sua discografia que estreia 3 de abril, é normal que sobressaísse uma grande palete de cores.
The Golden Age of Apocalypse (2011), o primeiro disco, foi louvado por Alex Young da Consequence of Sound por “tornar o jazz fixe outra vez”, em Apocalypse (2013), Nate Patrin da Pitchfork elogiou a forma como Thundercat criou uma “mistura cativante com uma voz sincera e um instrumental excêntrico” e em Drunk (2018), o seu álbum mais aclamado até à data, Ray Philips da Resident Advisor destacou a forma como as músicas “possuíam uma consciência política” apesar do seu “humor de slacker”, enquanto no Chicago Tribune podemos ler como Greg Kot ficou impressionado pela variedade de estilos que o músico conseguiu compilar em “23 músicas que se expandem em 53 minutos”.
“Sinto que a música é algo intemporal”, confessa Thundercat ao i numa conversa por telefone. “Na sua intemporalidade podemos ir a qualquer lado no espaço e no tempo, por isso gosto que não existam barreiras para fazer música deste género”.
As alucinantes músicas com instrumentais que piscam o olho ao jazz, ao funk de Funkadelic-Parliament (George Clinton, vocalista destes grupos, disse que Thundercat fazia parte de uma nova geração de músicos funk), o rock psicadélico e/ou progressivo (Thundercat é um confesso admirador de Frank Zappa), até à exploração de música eletrónica (as bandas sonoras de videojogos retro, como Sonic the Hedgehog ou Mortal Kombat, são uma influência), continuam a criar nós no cérebro do ouvinte. Contudo, em It Is What It Is encontramos um novo Thundercat. Ou melhor, um Thundercat diferente. “Este álbum passa por muitas fases emocionais diferentes”, começa por explicar. “É um álbum muito emocional para mim. A melhor maneira de o descrever é pensar na ideia que existe na Heartbreaks + Setbacks [do álbum Apocalypse], é mais sobre a vida e os diferentes caminhos para onde a vida nos leva e que acabamos por percorrer. É mais sobre a vida real, para mim”.
“Heartbreaks, setbacks, breakups, makeups” é a primeira linha da música lançada em 2013, mas que explica muito bem o estado emocional do músico. Nos últimos anos, além de ter sofrido um desgosto amoroso, enfrentou um dos golpes mais duros da sua vida pessoal. A morte do seu melhor amigo, o rapper Mac Miller, em 2018.
Música como terapia
Depois da overdose acidental de Miller (os dois músicos tinham agendado uma tour conjunta pelos Estados Unidos onde Thundercat iria abrir os concertos e tocar baixo na banda de Mac), o baixista, num momento de autorreflexão, lutou contra os seus demónios pessoais que envolviam o abuso de álcool. “É impossível algo como este acontecimento não te mudar”, diz o músico, que durante o processo de luto tornou-se vegan e perdeu 40 quilos. “Para ser sincero, foi muito difícil processar a morte do meu melhor amigo”, confessou. “Quando o Mac morreu, foi extremamente difícil para mim, física e emocionalmente. Mudou toda a minha perspetiva na vida”.
Numa entrevista ao The Washington Post, abriu o livro e disse que não conseguiu sequer refugiar-se no álcool para lidar com a perda. “Aceitei a dor e que [este processo] ia ser uma montanha russa. Precisava de sentir tudo e ainda não sei como me devo sentir. Há momentos em que me vou mais abaixo”.
Foi neste contexto que surgiu o álbum e, por isso, é natural que grande parte das músicas traduza esse sentimento.
“I keep holdin’ you down (Holdin’ you down) / Even though, you’re not around (You’re not around) / So hard to get over it”, canta em Fair Chance, faixa onde o rapper Ty Dolla $ign, também amigo de Miller, aproveita para prestar o seu tributo. “Things will never be the same / (…) Everything so strange / It ain’t a game no more / We were just gettin’ lifted / Yesterday, yesterday / Now we just reminiscin’”.
“Estávamos ambos num estado emocional lastimável”, recordou Thundercat. “Apoiámo-nos emocionalmente neste processo. Precisávamos um do outro nesse preciso momento e, por vezes, a música pode coincidir com a vida real. É isso que as pessoas estão a ouvir. As pessoas estão a ouvir-nos a fazer o luto pela morte de um nos nossos melhores amigos”.
Apesar do ambiente sorumbático, ainda somos brindados com momentos cómicos de um homem que uma vez usou o ruído de uma flatulência como sample. Em Dragonball Durag, primeiro single do álbum, o músico fala sobre como seduzir raparigas enquanto usa um lenço com as bolas de cristal do icónico anime. “Nunca é uma coisa má incluir as coisas que amas e que significam algo para ti [na tua música]. É também para isso que serve a criação musical, é um espaço onde podes fazer esse exercício”, explica o devoto fã de Dragon Ball.
No videoclip desta faixa, Thundercat persegue a comediante Quinta Brunson num parque, faz uma serenata à cantora Kali Uchis e surpreende as integrantes da banda Haim ao sair de dentro de um caixote do lixo. “Rir é uma das coisas que mais gosto de fazer, acho que se tornou uma grande parte do processo do luto”, confidencia-nos.
Apesar dos concertos de apresentação do disco terem sido cancelados devido à pandemia causada pela covid-19, o músico continua com um espírito positivo. “Não somos os primeiros seres humanos a viver nestas condições, nem a ter estes problemas nesta escala. Pessoalmente, eu não sei para onde é que este caminho me vai levar, mas não tenho medo. Estou apenas a abraçá-lo”, explica.
É certo que não sabemos que caminho é este que estamos a seguir, mas esperemos que pela viagem sejamos prendados com mais músicas que nos façam rir das suas piadas parvas e linhas de baixo do felino mais assanhado do mundo da música.