Na noite de 9 de outubro de 1963, o vulcão de Alvalade, com mais de 50 mil pessoas nas bancadas, cumpriu o seu dever: o Sporting venceu por 3-1 a Atalanta, de Itália, e igualava a eliminatória – derrota 0-2 em Bérgamo, mas ainda não havia a regra dos golos fora. Ora bem, todos sabemos como acabou essa campanha leonina na Taça dos Vencedores de Taças: com a conquista do troféu na finalíssima de Antuérpia, com o golo de João Morais, de canto direto, frente ao MTK Budapeste. E que a primeira eliminatória do Sporting foi um sarilho completo frente a um clube que fazia a sua estreia nas provas europeias: a Atalanta, precisamente, que vencera a Taça de Itália desse ano, até hoje o único grande momento vitorioso da vida do clube. Sensação da atual edição da Liga dos Campeões – defende esta noite, em Valência, uma vantagem de 4-1 adregada na primeira mão -, entrou lugubremente nas tarefas continentais numa noite de chuva copiosa, em Bérgamo, num estádio quase vazio, mas com uma vitória de todo inesperada face ao Sporting, por 2-0, golos de Calvanese e Domenghini já no derradeiro quarto de hora. Quatro de setembro.
Como sempre acontece, o pessimismo mudou de campo. Os bergamascos que pouco acreditavam trataram de encher o peito. Os lisboetas que tinham viajado para Itália como favoritos inquestionáveis contavam agora com a força de Alvalade para dar a volta ao problema bicudo. Já vimos que Alvalade não falhou. E lançou a sua maldição sobre a Atalanta com a imponência de um feitiço. Logo aos cinco minutos, Figueiredo fez o 1-0 e, no mesmo lance, o guarda-redes Pizzaballa aleijou-se e teve de sair de maca. Sem substituições, que não chegara o tempo delas, o avançado Calvanese tomou conta da baliza. E o Sporting tinha 85 minutos para jogar contra dez.
Muito duro! Os italianos não se vergaram ao infortúnio. Seis minutos depois empataram num contra-ataque concluído pelo dinamarquês Christensen. Nem dava para acreditar. Gentil Cardoso, o brasileiro que treinava os leões, metia os pés pelas mãos. Não iria durar muito no cargo, substituído por Anselmo Fernández, o arquiteto-treinador. Aos 63 minutos, Mascarenhas quebrou a resistência da defesa da Atalanta e ficava a faltar apenas um golo para reverter a derrota do primeiro jogo. Surgiria à beira do fim, por Bé, para alegria das gentes de verde e branco vestidas.
Se houve um mês a separar as duas mãos da eliminatória inicial dessa Taça das Taças, a UEFA resolveu depois apressar-se: agendou o jogo de desempate para a segunda-feira seguinte, dia 14, no Estádio de Sarriá, em Barcelona, assim muito pressurosamente, a meio caminho entre Lisboa e Bérgamo. Voltávamos ao início. Quem ganhasse seguia em frente.
Os espanhóis estiveram-se nas tintas para o embate entre portugueses e italianos. Pouco mais de cinco mil pessoas se deram ao trabalho de ir ao campo. O Atalanta entrou a todo o gás, Domenghini era, de facto, um jogador de enorme classe, mas Carvalho aguentou os primeiros embates a despeito de alguma atrapalhação de Lúcio, Mário Lino e David Julius. Aos 20 minutos, Nova fez o 1-0; três minutos mais tarde, Mascarenhas empatou.
Ambos os contendores decidiram, a partir daí, apostar no ataque. O jogo foi vivo, interessante, as oportunidades iam surgindo e sendo ora desperdiçadas ora goradas pelas intervenções de Carvalho e de Cometti. O tempo correu, ultrapassou o minuto 90, entrou pelos portões do prolongamento. A Atalanta caiu. Lúcio fez o 2-1 aos 98 minutos, de livre direto, Mascarenhas resolveu a contenda logo a seguir. O Sporting avançava para os oitavos-de-final e daria ao Apoel, de Chipre, uns inesquecíveis 16-1. A Atalanta teria de esperar 26 anos para regressar às competições europeias, outra vez à Taça das Taças, e voltou a dar de caras com os leões, desta vez nos quartos-de-final, vingando-se cruelmente (2-0 e 1-1). O Sporting não é adversário que saia facilmente da memória dos seus adeptos.