Carris. Arménio Carlos voltou à casa que deixou há 35 anos

Carris. Arménio Carlos voltou à casa que deixou há 35 anos


Ex-dirigente da CGTP garantiu que regressa com a “mesma humildade, prazer, disponibilidade e motivação”, mas promete não deixar cair as reivindicações. Ontem foi o seu primeiro dia na empresa que abandonou em 1985.


Pouco passava das 7h45 quando Arménio Carlos apareceu no Marquês de Pombal para apanhar o autocarro que o ia levar à Carris, casa que o vai acompanhar nos próximos meses, para o seu primeiro dia de trabalho. De sorriso rasgado, o ex-dirigente da CGTP garante que vai abraçar o novo desafio que “abandonou” há 35 anos com “a mesma humildade, prazer, disponibilidade e motivação” que tinha quando saiu da empresa de transportes, em 1985, para se dedicar ao movimento sindical, e convencido de que pode dar o seu “contributo para que a empresa possa prosperar”.

O caminho até Miraflores, onde tinha de se apresentar nos recursos humanos, foi feito com tranquilidade na carreira 748 e a sua presença passou despercebida à maioria dos passageiros. Só o aperto de mão ao motorista e a pequena comitiva de jornalistas que o acompanharam no trajeto poderão ter chamado a atenção dos mais curiosos. Agarrado a um varão, Arménio Carlos mostrou-se entusiasmado com o regresso e garantiu que isso devia servir como um exemplo de como a vida continua depois de deixar os holofotes da maior estrutura sindical do país. “Ser dirigente sindical é uma missão, não é uma profissão. O objetivo é servir os trabalhadores, e não servir-se dos trabalhadores”, confessa. E não hesita: “É uma forma de estar. A vida continua, mas é preciso que saibamos que podemos viver a vida com dignidade”.

O percurso até à estação de Miraflores foi curto para que o ex-dirigente da CGTP pudesse confessar o que lhe ia na alma mas, ainda assim, suficiente para admitir que conseguiu tirar quatro dias de férias até regressar ao seu novo local de trabalho e para partilhar o entusiasmo de alguns dos seus colegas com o seu regresso à Carris. “Grande parte dos meus colegas viram com satisfação o meu regresso. Sei que muitos daqueles com quem trabalhei já cá não estão, mas é altura de conhecer os mais novos”.

À porta da empresa estavam alguns dos colegas para o receber. Também aqui, a receção foi discreta, mas suficiente para marcar quem tem acompanhado o seu percurso desde que entrou na empresa, em janeiro de 1974. É o caso de Virgílio, atualmente reformado, mas que aproveitou a ocasião para recordar os tempos que viveu com Arménio Carlos e os momentos de luta na Carris que conduziram ao seu despedimento. “Conheço-o desde rapaz. Os momentos eram outros. Lembro-me de ter organizado um plenário em 1995 em Santo Amaro, no Governo de Cavaco Silva, e todos os membros da comissão de trabalhadores ou ligados aos sindicatos foram alvo de processos disciplinares. No meu caso, foi processo disciplinar com despedimento”, recorda. Em relação à presença do ex-dirigente da CGTP, não tem dúvidas: “Vai contribuir para o bem-estar da empresa. Sempre esteve disponível como ativista, é honesto e não anda à procura de nada”.

Também Manuel Leal, dirigente sindical na Carris, quis mostrar o seu contentamento com este regresso. “Hoje era a altura certa para dar as boas-vindas, depois do trabalho que teve na CGTP como secretário-geral. E, com essa função, Arménio Carlos participou muitas vezes em iniciativas levadas a cabo pelos trabalhadores da Carris”.

O responsável mostra-se otimista em relação ao contributo que o ex-secretário-geral pode dar à vida interna da empresa de transportes. “Concluímos o processo negocial, mas claramente foi de forma insuficiente, tendo em conta a necessidade de aumentos salariais, que deviam ser maiores do que aqueles que foram atingidos. Pedimos aumentos salariais de 90 euros e foram atribuídos aumentos de 25 euros para este ano”. Ainda assim, admite que a administração tem mostrado alguma abertura para o diálogo.

Depois da “comissão de boas-festas” foi altura de Arménio Carlos se dirigir aos recursos humanos para oficializar a sua entrada. O relógio ainda não marcava 9h quando passou os portões da empresa. Mais uma vez sorridente, o ex-dirigente da estrutura sindical foi tratar de todo o processo burocrático. Uma pequena passagem até se dirigir ao seu futuro local de trabalho: estação da Musgueira, onde também foi acompanhado pelos olhares atentos dos jornalistas. À saída da reunião revelou a surpresa: foi convidado para usar a sua experiência para integrar uma pequena equipa para organizar, gerir e planificar o trabalho. “Senti-me integrado e sensibilizado. Quem volta à casa volta sempre bem, com outras recordações, com outras sensações, mas, sinceramente, não me senti nada deslocado. É uma nova fase que se abre”.

E deixou uma promessa: “Sou trabalhador da Carris e, como tal, estarei sempre inserido em todas as reivindicações que sejam justas para os trabalhadores”. Quanto ao seu futuro, voltou a afastar qualquer envolvimento político, tal como já tinha avançado na entrevista dada ao i antes de abandonar as funções de secretário-geral da CGTP. “Não exercerei nenhuma função política ou com responsabilidades acrescidas. Esta ou outra questão está arrumada para qualquer cargo que seja: na Assembleia, seja onde for. O que não quer dizer que não esteja disponível para trabalhar. É uma coisa diferente. Não tenho nenhum projeto pessoal, nunca me serviria da CGTP para atingir outros patamares que dessem prioridade do ponto de vista político. É a minha posição, não critico ninguém, mas fiz uma opção: servir os trabalhadores e a CGTP”. E foi com essa promessa que voltou às instalações da Carris, com o mesmo sorriso com que nos brindou quando chegou ao Marquês de Pombal.