O cordão umbilical que une o Mosteiro de Odivelas à cultura jamais poderá ser cortado. Primeiro, porque foi inaugurado pelo homem cujo túmulo ainda hoje lá permanece: D. Dinis. Depois, porque este rei esteve ligado à cultura como nenhum outro – desde as cantigas de amigo e de amor que os alunos do 10.o ano ainda hoje estudam nas aulas de Português até à plantação do Pinhal de Leiria, passando pela responsabilidade de tornar o português língua oficial do reino. Dentro daquele espaço de estilo gótico, entre 1902 e 2015 funcionou o Instituto de Odivelas, que mais não era do que um colégio militar feminino. Hoje, não tem atividade, mas a Câmara Municipal de Odivelas avançou ao i que será apresentado um projeto ainda no primeiro semestre deste ano que prevê a instalação de uma residência universitária, um polo universitário e ainda uma escola de ensino artístico.
Classificado como monumento nacional pela Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), o Mosteiro de Odivelas passou a ser gerido pela Câmara Municipal de Odivelas desde janeiro de 2019 – no dia 14 do referido mês foi assinado o contrato de cedência de utilização entre a autarquia de Odivelas e o Ministério da Defesa, proprietário do monumento, por um período de 50 anos.
O facto de as portas continuarem fechadas um ano depois da assinatura do contrato levou o CDS/Odivelas a levantar a questão da renda que é paga mensalmente pela autarquia. Segundo o CDS/Odivelas, “a Câmara Municipal já delapidou 280 800 euros do erário público municipal em rendas”. Ou seja, há 12 meses que o município paga mensalmente o valor de 23 400 euros.
O CDS denunciou ainda o facto de em março do ano passado ter decorrido uma consulta pública, da qual foram recolhidas 331 sugestões dos munícipes e 61 “propostas concretas para a utilização deste Monumento Nacional, cuja antiga ‘Quinta das Flores’ e área envolvente somam seis hectares”. Entre as propostas dos moradores estava a criação de uma universidade sénior, de um museu municipal e até de uma quinta pedagógica.
Em comunicado, João Pedro Galhofo, presidente do CDS/Odivelas, referiu que no ano passado foram apresentadas cinco propostas para a futura utilização do edifício. Eram elas a “instalação de residências universitárias nas antigas camaratas do Instituto de Odivelas, instalação de creches e jardins-de-infância de gestão pública municipal, instalação de um centro de dia/novo lar gerido pela Associação das Antigas Alunas do Instituto de Odivelas, criação do Museu da Cidade com integração do espólio do extinto Instituto de Odivelas à guarda do Exército […] a transferência do Centro de Acolhimento Temporário Casa Rainha Santa Isabel, que acolhe temporariamente crianças e jovens em perigo entre os 0 e os 12 anos de idade”. Sobre possíveis propostas, o CDS referiu ainda que “suspeita que qualquer anúncio público nesta matéria só será feito a poucos meses das eleições autárquicas de 2021 por motivações estritamente eleitoralistas, continuando-se até lá a delapidar as receitas fiscais de IMI pagas por todos os contribuintes proprietários de Odivelas”.
Sobre estas críticas, o município de Odivelas não quis tecer “qualquer comentário a declarações de responsáveis políticos do CDS local, que deviam sentir-se envergonhados pela forma como um Governo que integrou este partido abandonou e deixou num estado abundante de degradação tão valioso património nacional”.
Razão da inatividade Do lado da Câmara Municipal de Odivelas, Hugo Martins, presidente da autarquia, destacou ao i “o estado de abandono e degradação do Mosteiro de São Dinis e São Bernardo resultante da errada decisão do anterior Governo de encerrar o Instituto de Odivelas”.
“A não existência de quaisquer elementos relativos ao edificado e a infraestruturas constituiu um entrave à celeridade nas negociações entre as partes envolvidas com vista à obtenção de um acordo sobre as condições de cedência”, acrescentou Hugo Martins. Por esse motivo, disse o presidente da autarquia, o investimento feito é “avultado” e “carece de um necessário faseamento”.
Numa primeira fase, a Câmara Municipal de Odivelas procedeu à conservação e restauro do túmulo de D. Dinis, ao registo fotográfico e ao levantamento arquitetónico do imóvel. Também a recuperação de coberturas, vãos (vitrais), paramentos exteriores e interiores da capela-mor foi concluída em abril do ano passado.
Neste momento, “encontram-se também a decorrer reuniões, com as diversas entidades que se candidataram a ocupar algumas áreas daquele património, no sentido de potenciar e maximizar a futura utilização integral de todo o espaço”, esclareceu Hugo Martins, acrescentando que “já existe um princípio de acordo com três instituições de referência no domínio do ensino superior e do ensino artístico, tendo em vista a instalação de uma residência universitária, de um polo universitário e de uma escola de ensino artístico no âmbito da música e das artes performativas” – projeto que será apresentado ainda no primeiro semestre de 2019. Relativamente a estes projetos, está também a decorrer “um trabalho de elaboração de estudos e projetos”, “sendo a sua realização essencial para a coexistência e funcionalidade destas valências naquele edificado”.
Além disso, encontra-se também em fase de projeto a criação do Parque da Cidade de Odivelas.
Roubo de azulejos O desaparecimento de azulejos das paredes de edifícios e monumentos é uma constante, sobretudo na capital e redondezas. Vender este material é fácil e lucrativo, já que existem azulejos a valer mais de mil euros. Pouco antes de a gestão do Mosteiro de Odivelas passar para as mãos da Câmara Municipal de Odivelas, em dezembro de 2018, foram roubados deste monumento cerca de 170 azulejos do séc. xvii.
Ainda no ano passado, grande parte destes azulejos – cerca de 130 – foi recuperada pela Polícia Judiciária, através da Brigada de Obras de Arte, no âmbito de várias investigações. Feira da Ladra, antiquários e até venda online são as vias mais frequentes para a comercialização das pequenas obras de arte pintadas noutros séculos.
Há monumentos que não têm a mesma sorte do Mosteiro de Odivelas e o rasto dos azulejos acaba por se perder. Tal como o SOL avançou em outubro do ano passado, há quem guarde os azulejos durante anos em casa e há quem os venda separadamente – tudo para que os inspetores da Polícia Judiciária não os encontrem. Aliás, há inclusive casos em que são encontrados azulejos que se supõe serem de um determinado sítio mas, como os inspetores não encontram uma quantidade suficiente para justificar que aqueles pedaços pertencem a um sítio específico, os mesmos não podem ser apreendidos e devolvidos ao local de origem.