João Belgar Gabão foi parar ao Torel pela sétima vez e ninguém se espantou. Como não houve uma só alma que dele se apiedasse. A polícia tinha-o debaixo de olho há anos. Os agentes Aristides e Casimiro, que o conheciam de gingeira, deram-lhe alcunha e tudo: D. Juan. Um trampolineiro barato que se fazia cobrar caro. Bem falante, atrevido, fazia suspirar as senhoras de meia-idade, viúvas ou ainda por casar. Anunciava-se propietário de um “dancing” no Funchal, ele que nunca lá tinha posto os pés. Isso num dia. No seguinte, já possuía uma loja de canalizações. Era conforme dava jeito e as vítimas necessitavam. Insinuava-se, tresandando a água de colónia, lenço de seda ao pescoço.
Certa dama da zona de Alvalade franqueou-lhe as portas de casa, convencida que o meliante a tomara verdadeiramente por noiva. Apresentou-o às amigas, levou-o a uns chás, passearam-se de braço dado e sorriso aberto às escâncaras. Caiu na asneira de lhe por nas mãos uma escrava de ouro branco e pedras incrustadas. Levou-a à certa. Prometeu que um parceiro, ourives, fabricaria outra igual. Fazia questão de que a noiva tivesse duas. Ficou sem nenhuma. Devolveu-lhe uma imitação e ofereceu a autêntica à dona à qual entretanto arrastava a asa. Tinha o cadastro cheio de crimes do género.
Umas e outras
João Belgar Gabão saltava de mulher em mulher como um fadista. Em todas foi ferrando golpes. Marianinha, cinquentona solitária do Alto de São João, apaixonou-se pelo figurão que conheceu na igreja onde se submetia ao dever da confissão. Tipo apessoado que dava ares de devoto e depositava religiosamente a prebenda na caixa das esmolas. Não lhe passou pela cabeça duvidar da verdade de uma mãe distante, subitamente doente, a precisar de ser internada em Lisboa, que motivou o pedido suplicante de quatro contos de empréstimo a serem pagos mal recebesse o dinheiro do carro que pusera à venda para fazer face à infelicidade momentânea. Desapareceram o galanteador e as milenas.
O mandato de captura emitido pelo 6.º Juízo Correcional do Tribunal da Boa Hora fez com que o chefe António Rodrigues da Polícia Judiciária esfregasse as mãos de contente. Andava, há muito, doido para deitar as mãos ao tratante e sabia bem onde apanhá-lo. Tinha muito pouca pachorra para meliantes como Gabão, D. Juan ou não D. Juan, e começava a ficar farto das queixas que se acumulavam contra ele vindas de madamas chorosas e inconsoláveis. Nada poderia dar-lhe mais prazer do que fechá-lo uns dias no Torel enquanto se preparava uma cela a condizer com a vaidade do criminoso na prisão do Limoeiro. João foi tratado com o requinte que merece um enganador de senhoras suscetíveis. A notícia da sua detenção não mereceu muito mais do que uma nota de rodapé.: “Apanharam o D. Juan de Lisboa”.