Aqueles que já estavam convencidos da culpabilidade de José Sócrates têm tido, ao longo da fase de instrução do processo Marquês, motivos de sobra para reforçar essa convicção. De facto, o que tem ressaltado dos interrogatórios são sobretudo as contradições e explicações muito pouco convincentes do antigo primeiro-ministro acerca dos seus gastos e da origem dos seus rendimentos.
Em 2017 o antigo governante dizia à RTP que tinha tido de contrair um empréstimo para passar um ano fora a estudar – “nunca tive ações, nunca tive offshores, nunca tive contas no estrangeiro”. Depois, justificar-se-ia com os generosos empréstimos do amigo Carlos Santos Silva, de cuja fortuna se desconhece a origem. Mais recentemente referiu que afinal a mãe tinha em casa um cofre recheado de notas, fruto de uma herança recebida, creio, nos anos 80. Só é de estranhar que ainda não se tenha lembrado de dizer que lhe saiu o Euromilhões.
Curiosamente, durante muito tempo Sócrates teve os seus apaniguados a quem pelos vistos não parecia escandaloso que um primeiro-ministro, depois de deixar o país depenado, entregue à troika e com défices recorde, andasse por esse mundo fora a viver uma vida de lorde. Mas mesmo esses terão hoje dificuldade em aceitar as explicações do antigo primeiro-ministro.
A verdade é que os meses de interrogatórios têm permitido aos interessados no processo formar uma opinião relativamente fundamentada. O que nos leva a pensar que o julgamento poderia já estar bem avançado.
Infelizmente, não é o que sucede: esta fase não passa de uma espécie de pró-forma para decidir se os arguidos vão ou não a julgamento. Terminada a instrução, as coisas voltam, por assim dizer, ao ponto zero.
Fará sentido que a justiça, já de si tão vagarosa e sobrecarregada, perca um ano inteiro (de janeiro de 2019 a janeiro de 2020) em procedimentos burocráticos? Que os arguidos tenham de responder às mesmas perguntas duas e três vezes? Que se gaste tanto tempo e recursos com procedimentos redundantes? O caso é demasiado sério e delicado para ser julgado à pressa. Mas custa a perceber se interrogatórios tão longos e detalhados nesta fase servem para outra coisa que não seja adiar a justiça.